quarta-feira, 30 de junho de 2010

Carregar onde mais Dói...

[ Título original do texto : "Dores e Dores" ]
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Algumas dores são localizadas. Outras se disseminam; tudo dói. Explico melhor: Algumas feridas só machucam no local; uma queimadura, um espinho, uma contusão, indicam exatamente o lugar e o tipo de dor. Mas há sofrimentos que se alastram de tal maneira que se perde inclusive a origem da ferida. Basta apertar onde foi machucado e sensações desagradáveis se espalham como ondas. A dor fica sistêmica. Mas isso vale não só para o físico. Há feridas da alma que são septicémicas. As feridas narcísicas, por exemplo, não machucam apenas em um determinado ponto. Elas se transformam em agonias integrais. Feridas narcísicas são as que vêem da infância ou quando o esforço de firmar a identidade foi frustrado. E sempre que alguém toca nessas ulcerações da alma, tudo sofre. Por isso, sejamos sempre cuidadosos com os juízos. Podemos lacerar uma pessoa por inteiro. Os juízos são sempre temerários. Quanto menos conhecemos uma pessoa, mais rápidas as sentenças. Caso tivéssemos acesso aos dilemas mais íntimos, às disfuncionalidades familiares mais antigas, talvez usássemos de mais misericórdia quando condenamos. O rei Davi optou ser julgado por Deus e não pelos homens porque sabia que Deus conhece os porões subjetivos do espírito, as hesitações da alma e os medos do coração. E os homens concluem com vereditos precipitados; com análises superficiais. Zidane, o jogador de futebol francês, perdeu a distinção porque um adversário fez algum comentário danoso sobre sua mãe e irmã. Cutucado na ferida narcísica, todo o homem reagiu. Cristo advertiu aqueles que desprezam essas sensibilidades e partem para chamar o próximo de “raca”, que significa louco. Eles são dignos do inferno. Já constatei o estrago que uma palavra mal dada produz, pois tratei de pessoas destruídas pela dor narcísica. Não existem xingamentos ingénuos, tudo o que se fala não produz efeitos momentâneos, mas consequências boas ou arrasadoras na autoestima de alguém. Em minha breve existência, cuidei de mulheres destruídas por comentários levianos. Conheci homens boicotados de se tornarem tudo o que podiam porque alguém, que conhecia suas feridas narcísicas, alfinetara onde mais doía. Para destruir uma pessoa, basta lembrar malfeitos, vergonhas públicas, deficiências físicas, inadequações familiares. A música interpretada por Ana Carolina carrega uma sensibilidade especial. Ela fala de um “vendedor de flores que ensina seus filhos a escolher seus amores”. Quanta ternura! O mundo seria diferente se lidássemos com o próximo com a delicadeza de quem mexe com pétalas de rosa. Educação, finesse e sensibilidade não vêm de berço. São construções que demoram às vezes a vida toda. Nesta geração individualista, em que as pessoas mal se preocupam com a felicidade alheia, já faltam espaços para cuidar de tantos que pedem ajuda para dores que nem eles mesmos conseguem expressar. Zelemos com um guarda nos lábios para que nossas palavras produzam vida, nunca morte.
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Soli Deo Gloria
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terça-feira, 29 de junho de 2010

Uma Boa Notícia para os Gulosos...

Comer regularmente chocolate preto pode fazer bem aos hipertensos e reduzir o risco de doenças cardiovasculares. O segredo está nos flavonóis, compostos que existem no cacau e que ajudam a baixar a tensão arterial. A conclusão é de investigadores australianos, que passaram em revista uma série de estudos já feitos sobre o assunto e que publicou as suas conclusões na revista científica BMC Medicine. A equipa da Universidade de Adelaide, na Austrália, coordenada pela investigadora Karin Ried, avaliou 15 diferentes estudos realizados sobre a questão e concluiu que "o consumo [de chocolate preto] pode reduzir significativamente a tensão arterial em pessoas com tensão alta, mas não nas que têm tensão arterial normal", como afirmou Karin Ried, citada pela Science Daily.
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segunda-feira, 28 de junho de 2010

"LAVRE - Uma Família do Alentejo" - prefácio de José Saramago

Nasci em Lisboa, mas cheguei à pequena vila de Lavre, no Alto Alentejo, pelos meus seis anos de idade. Era a terra de origem duma parte da minha família materna. Não era o caso dos meus avós maternos, que eram ribatejanos, de Canha e Santana do Mato, mas foi ali, em Lavre, que sedearam cedo a sua vida. Lavre era por essa altura uma pequena vila sem nenhuma importância no mapa sociológico do Alentejo a não ser a que localmente lhe era emprestada pelo bulício próprio do regresso do trabalho, de homens e mulheres, ao sábado, no final da tarde, após uma semana dura a que a agricultura e os campos se tinham encarregue de sublinhar a rudeza com que tinham que ganhar um salário que não dava para ir além de um "avio" semanal, feito nas escassas lojas do comércio, onde as dores da labuta e da vida se inscreviam em colunas de contas a débito de suor e lágrimas de quem se desgastava, a ferozes golpes de desumanidade, numa terra que não era sua. Uns poucos privilegiados faziam a sua vida dentro de portas, na povoação, exercendo um ofício que os poupava ao trabalho no campo e que, sem serem ricos, sempre lhes permitia uma maior desafogo material. Depois havia os muito ricos, senhores da terra, e os que gravitavam no seu círculo mais próximo, como os comerciantes, ou os pequenos ou médios ceareiros sem terra que, vivendo razoavelmente confortáveis do trabalho dos assalariados e das colheitas em anos favoráveis, preferiam, em muitos casos, a companhia dos que socialmente se situavam numa escala mais elevada. Os pobres, esses, ou se perdiam entre copos acompanhados de ervilhanas, ou conviviam com os companheiros de labuta nas três ou quatro tabernas existentes. O único café digno desse nome, existente, era para frequência dos mais endinheirados ou da elite social da terra. As mulheres recreavam-se na frequência das missas ou na assistência aos programas na televisão do padre, quando o gerador eléctrico que a alimentava estava de bons modos; se não estava, e o sr. Fortunato não o conseguia espevitar, limitavam-se às suas casa e afazeres ou, na melhor da hipóteses, a conversas de vizinhança na soleira da porta. Genericamente, Lavre era isto, se descontarmos a festa anual onde alguns procurava esquecer, afogando-se no álcool, por algumas horas, as agruras duma existência sem grandes expectativas de futuro castigada ao ritmo das repetições do sol que lhes marcava o viver sofrido nas carnes secas e cavadas de profundos sulcos em que se escondiam os anos da sua vida. Fugiam a esta sina os homens mais jovens que iam para fora, para as sedes de concelhos límitrofes, ou a engrossar os magotes de operários da cintura industrial de Lisboa; as raparigas, muito novas, eram resgatadas ao cenário agreste do trabalho do campo por senhoras "finas" que apareciam na vila à procura de criadas de servir, internas, pagas quase sempre só pela comida, pela farda e pelo tecto dos patrões, num regime pouco menos que esclavagista, pontualmente contrariado por senhoras/patroas um pouco mais humanas ou condoídas da miséria aviltante das famílias das suas criadas.
Saí de Lavre , novamente para Lisboa, por volta dos doze anos de idade, em 1966, voltando pouco mais tarde mas por curtos espaços de tempo. Aos dezassete perdi, praticamente por completo, a minha ligação à vila, aquando do falecimento da minha avó Gertrudes Serra. Foi por isso que nunca me cruzei com José Saramago nas suas deambulações em Lavre.
Em criança e adolescente, enquanto por ali me mantive, nunca tive grande consciência das aventuras e desventuras do meu tio-avô João Serra, irmão da minha avó Gertrudes. A única coisa que guardo da memória sobre ele, na minha infância, resume-se ao convívio normal de família, à sua casa, a mesma casa onde José Saramago entrou e lhe foi apresentado, e de onde saiu sobraçando uma quantidade de cadernos em papel almaço, manuscritos com memórias de uma vida. Como a minha avó Gertrudes, o meu tio-avô João Serra era uma pessoa dócil e humilde de trato. Precocemente envelhecido pelo tempo e pelo trabalho duríssimo no campo. Poucos lhe conheceriam outra actividade que não fosse a dedicação à família e ao trabalho para a poder sustentar. A revolta pela semi-escravidão em que não só ele mas todos os assalariados alentejanos viviam, calava-a dentro do peito e guardava-a para conversas mais intimistas e clandestinas. Falar de política ou do governo era nesse tempo uma actividade proibida e altamente perigosa para a integridade física de quem o ousasse, a não ser que fosse para dizer bem ou elogiar a porrada cega distribuida pela GNR local a quem era convidado a visitar o posto mesmo que fosse apenas pelo "delito" de apanhar uns gravetos para o lume quando o frio apertava no inverno. É por isso que guardo somente a noção, muito difusa, de ouvir dizer que o meu tio-avô João Serra esteve preso em Lisboa, nada mais. O medo que a GNR e a PIDE representavam para as pessoas era tanto que alimentava mitos como por exemplo o de que aquelas entidades dispunham de equipamentos para poderem detectar na vila quem ouvia programas de rádio proibidos, como o "Rádio Portugal Livre" ou o "Rádio Moscovo", o que levava o meu avó José Lourenço a ouvir rádio, e os ditos programas, muito em surdina, no seu velho aparelho com ondas-curtas e todos sentidos alerta para eventuais movimentos estranhos na rua, perto de casa.
Lavre marcou indelevelmente, de forma muito positiva, a minha vida, para sempre. É por isso que tudo o que lhe diga respeito me interessa. É por isso que quando foi publicado o romance de José Saramago, "Levantado do Chão", e eu vi ali vertida um pouco da história de parte da minha família materna, com relevância, naturalmente, para a família directa do meu tio-avô João Serra, mas onde se incluia também a história de vida dos meus avós maternos, em particular da minha avó Gertrudes Serra, me enchi de orgulho. Afinal, a vida sacrificada dos homens e mulheres do Alentejo, e em especial da minha família materna, estava agora justamente retratada naquele romance, muito fiel aliás, ao que eu tinha lido das memórias do meu tio-avô João Serra. Tão fiéis eram, que não tive nenhuma dificuldade em identificar qualquer personagem ou as suas vivências descritas no romance de Saramago.
Ficou-me no entanto, sempre, o sabor amargo pelo facto do autor de "Levantado do Chão", José Saramago, não ter feito menção mais alargada sobre o que estava e quem estava na origem daquele seu romance, tão próximo que era, afinal a história da realidade. Apenas um agradecimento a João Serra, entre outros nomes, era o que constava na edição que tenho há muitos anos em meu poder. Mas João Serra, em minha opinião, devia ser mais do que um nome perdido no meio de outros nomes a quem Saramago agradeceu. Afinal de contas, foi de casa do meu tio-avô João Serra que Saramago levou as memórias manuscritas, como ele próprio viria a afirmar, que deram origem ao romance que acabou por o lançar e projectar como o grande escritor em que viria a tornar-se, reconhecido mundialmente e o único prémio Nobel da Literatura que Portugal tem.
Achei sempre que não teria ficado mal a José Saramago, ou ao seu editor, terem feito essa pequena justiça à vida de João Serra e dos assalariados alentejanos e da vida no Alentejo nas décadas anteriores ao ano de 1974. Como é óbvio isso nunca retiraria valor nem mérito cultural, literário ou pessoal a José Saramago, um autor marcante na vida literária portuguesa, europeia e mundial.
Esperei sempre que esse gesto de justiça fosse um dia feito por José Saramago. A dimensão humana e literária do escritor e a memória de João Serra, mereciam-no.
Três dias antes de saber da notícia da sua morte, ao entrar numa livraria, repousei os olhos num pequeno livro de capa branca com o título em letras garrafais: "LAVRE - Uma família do Alentejo". Autor: João Domingos Serra. Prefácio de José Saramago numa edição da "Fundação José Saramago". Folhei o livro, li algumas pequenas partes. À noite, em casa, de um fôlego, li tudo. "Reconciliei-me" ali, do ponto de vista da justiça, com José Saramago. Ainda bem que o fiz pois três dias depois ele faleceu.
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Jacinto Lourenço

sexta-feira, 25 de junho de 2010

"A Questão Saramago"

José Saramago, coerente como era entre escrita e pensamento anti-religioso, hoje diria «já não Sou», diante das reportagens em directo: «José Saramago vem», «a coroa de flores que acompanhava José Saramago», etc.etc.. «Já não sou», «Não ressuscitei, nem regresso». Diria, se fosse possível ao Homem falar depois do derradeiro Problema que terá de enfrentar.Como escreveu um dia Camus, a propósito de alguém que colocou uma brevíssima nota de suicídio na porta do seu quarto: «Entrem, estou enforcado»- e já não «estava», nem «era» -, o Nobel da Literatura português já não É. Do ponto de vista do Ser, está para lá do espaço-tempo kantiano.É mais exacto dizer-se: o corpo de José Saramago, «os restos mortais» de José Saramago, é mais exacto para a polissemia das imagens mentais ou gráficas da Morte.E isso vem colocar a Questão ( da Morte), independentemente de qualquer posição, crente ou ateia, religiosa ou anti-religiosa, pró-eclesial ou anti-clerical.O escritor, agora desaparecido, afirmou, consubstanciando mais a Morte do que Deus, no seu típico modo de se expressar, que "A morte é a inventora de Deus". É um pensamento, diria melhor uma frase de entrevista que, retirada do contexto, funciona como um axioma; mas não é, é tão-só a contextualização da desculpa da fragilidade humana, da mortalidade, uma constatação ateísta de um facto se fossemos imortais, alegadamente não precisaríamos de Deus, por essa razão universal, segundo Saramago, a Morte é a inventora do Divino. «Se fossemos imortais não teríamos nenhum motivo para inventar um Deus.»-foi deste modo que concluiu.Sendo assim a Morte tão poderosa, segundo Saramago, ao inventar uma Entidade como Deus, coloca-se a questão com Q maiúsculo: E Agora? A Questão de Deus, respondida por Deus ao Escritor, poderemos interpretá-la na Bíblia; a resposta de José Saramago, essa, jamais; poderemos construí-la ficcionalmente, em literatura, como ele fez, não mais do que isso.
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Por João Tomaz Parreira***via Papéis na Gaveta

quinta-feira, 24 de junho de 2010

"Cometa McNaught C/2009 R1 está a Passar por Aqui"

( Imagem D.N.)
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Foi descoberto em Setembro de 2009 e está a 170 milhões de km da Terra

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Para o ver, é necessário madrugar e, de preferência, ter um par de binóculos à mão. De outra maneira, o cometa McNaught C/2009 R1, que por estes dias está a passar por aqui, a caminho do seu periélio (o ponto mais próximo a que ficará do Sol, na sua vertiginosa órbita), não será mais do que um pressentimento vago, antes da primeira luz da manhã. Nesta altura, o cometa, que está cerca de 170 milhões de distância da Terra, tem apenas um brilho de magnitude 5, o que está no limite do visível a olho nu. Talvez depois do dia 2 de Julho, nas semanas que vão seguir-se, o McNaught C/2009 R1 se torne mais brilhante e possa ser observado sem binóculos. Mas nessa altura, será já ao início da noite. Descoberto a 9 de Setembro do ano passado pelo astrónomo Robert H. McNaught, a partir do observatório australiano de Siding Spring Observatory, o cometa que leva o seu nome, juntamente com a sigla C/2009 R1, está visível ainda nos próximos dias, antes do amanhecer, para os observadores do hemisfério Norte. Depois, à medida que se for aproximando mais do Sol, o cometa apaga-se sob a luz intensa da estrela. No dia 2 de Julho, o cometa atinge o ponto mais próximo a que ficará do Sol, a pouco menos de 75 milhões de quilómetros dele. Depois volta a afastar-se, já do outro lado da estrela, tornando-se novamente visível, nessa altura ao anoitecer. Ontem o McNaught C/2009 R1 "era visível junto da estrela Capela, na constelação de Auriga", explicou ao DN o astrónomo Carlos Santos, do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL). Com a aproximação ao Sol "está prestes a deixar de ser visível", adiantou. Mas para o ver, nesta altura, é preciso olhar na direcção do Norte, antes de amanhecer. Aí, mesmo junto ao horizonte - "o cometa está baixo no céu", nota Carlos Santos - estará o McNaught C/2009 R1. Durante Julho, e isso poderá acontecer ao longo de três ou quatro semanas ainda, o McNaught C/2009 R1 troca as voltas aos seus observadores e passará a ser visível ao início da noite. Poderá tornar-se ainda mais brilhante, ou não. "É sempre difícil fazer esse tipo de previsão", sublinha o astrónomo do OAL. Nas últimas semanas, muitos astrónomos profissionais e amadores têm seguido com atenção a sua progressão no céu, observando-o e fotografando-o. A olho nu, em locais sem poluição luminosa e com um pouco de sorte, o cometa não passará de um pontinho branco um pouco acima do horizonte. Nas fotografias mais espectaculares ele tem uma longa cauda brilhante e um núcleo em tom esverdeado. Esta cor tem a ver, certamente, com a sua composição. Os cometas são corpos viajantes (os que vemos por aqui fazem uma órbita à volta do Sol, que pode levar milhares de anos a percorrer) e a composição é sempre uma mistura de rochas, poeiras e gelo.
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quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Fome e a Pressa

[ Título original do texto : A Fome e a Pressa que definha a Alma ]
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O homem tem fomes. Fome de alimentos, de referências, de incidentes que o façam sair da rotina, fome de crescer, fome de conhecimento, de reconhecimento... E justamente por ser algo tão natural, é que corremos perigos constantes.Começou no Éden a bagunça. Adão e Eva, nossos pais, de abençoados para serem frutíferos, alguém, o cão, o tinhoso, o coisa-ruim, pôs-lhes na cabeça que precisavam de algo que não tinham, convenceu-os de que ainda tinham necessidade, que ainda precisavam de algo mais: de comerem para serem abençoados (serem como Deus, possuírem poder, etc...). A coisa se inverteu.De já possuidores de tudo, posto que eram herdeiros de tudo que o Todo Poderoso possui, creram na balela que necessitavam de comer algo extra para terem o que julgavam não possuir e de... serem abençoados. E por ai seguimos nós.No nosso senso de prejuízo, de carência, de necessidade, damos com os burros n'água fazendo péssimos negócios, tratos, contratos, frutos de decisões tomadas no afogadilho e no imperativo do desespero.Pode verificar: a moça, avançada em solterice, quase sempre se casa com o primeiro cafageste que lhe estenda a mão. O dono do carro, afogado em dívidas, vende a sua propriedade pela pior oferta, desde que esta lhe venha primeiro... O crente desesperado, abre mão do que acredita e oferece a sua alma a quem quer que lhe apareça primeiro e faça a oferta. Seja ela qual for.Vendemos mal, compramos mal, decidimos mal, quando tudo isso vem pressionado pelo peso da urgência ditadora da falta. Não temos (ou julgamos precisar), corremos para conseguir. Quando meditamos no que Jesus passou na sua primeira e grande provação, ao menos registrada nas Escrituras, vemos que a sua vitória não aconteceu sobre o diabo, mas sobre si mesmo - sobre o seu senso de necessidade, legítima ou não, mas daquilo tudo o que a sua carne dizia precisar. A sua vitória foi contra esse imperativo que nos pressiona e nos faz, via de regra, prejudicar.Paulo, na sua carta aos Gálatas (4:1-7), nos lembra que, enquanto somos pequenos, imaturos, não temos ciência do que já possuímos (como filhos e herdeiros do Rei) e só vemos aquilo que o filho do servo vê - a sua necessidade. Não sabemos o que somos, só do que julgamos necessitar. Como um bebê que não vê a mãe o amamenta e é abençoado com a identidade que comungam, mas somente a fonte - em primeiro plano - o seio, de onde vem o alimento, de quem quer que o tenha... Assim muitos de nós temos ainda uma relação pobre, miserável tanto quanto o nosso senso de necessidade nos dita com Aquele que é o Senhor de tudo e de todos. Ninguém se lembra do que o mesmo apóstolo afirmou em Efésios (1:3): "fomos (já) abençoados com toda sorte de bênçãos espirituais em Cristo". Por isso, vai dai, que as nossas TVs estão inundadas por esses apelos e de gente à cata de bênçãos. E chamam a isso de fé. E vão-se mais e mais, caminhando atrás do primeiro seio, da primeira mão que os alimentar. Como aliás aconteceu naquele dia no jardim e que podia acontecer, se Jesus tivesse se dobrado ao diabo, no deserto.Que Deus nos livre desse imperativo. E nos faça crescer Nele.“ Digo, pois, que todo o tempo que o herdeiro é menino em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo; (…) Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos primeiros rudimentos do mundo. Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai. Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo.” Gl 4:1,3-7Parte II"Mas eu esperarei continuamente, e te louvarei cada vez mais" Sl 71:14Se há algo difícil na nossa existência, esse é o esperar. Temos fome, já o disse e geralmente esse nosso apetite é ditador. Zomba das nossas tentativas de respeitar os momentos, os processos e princípios. Queremos ou, cremos que precisamos e pronto. Nada nos faz aquietar.É assim como os crentes hoje em dia. Não aguentam esperar pelo germinar das sementes, queremos o fruto e pra já, afinal vivemos todos na era dos imediatismos - da comida, rápida (ainda que não seja sadia ou saborosa), às roupas, encontradas prontas e nas medidas certas... Dor de cabeça? Enxaqueca? Toma-se um comprimidozinho e... a dor sumiu! É a época dos disque-isso, disque-aquilo e já está, na nossa mão, pronto pra ser engolido ou consumido. Sem esforço, sem crise, nem demora. Também é a época dos relacionamentos descartáveis. Incomodou, dificultou, não cumpriu-se com o prometido (ou o esperado) e, zás - procura-se por outro no mercado fácil das emoções e sensualidade, onde nem a corte já se faz necessária, uma vez que a oferta, é sempre maior que a procura.E ai, vamos nós, cristãos imediatistas. Queremos agora e já.Se a vida cristã era pra ser algo simples, tornamo-la difícil, pois não aguentamos o andar dia a dia com Deus, obedecer, se submetar ao que sabemos ser a vontade e o plano divino para cada um... queremos emoções, queremos livramentos, não suportamos os desertos, os caminhos ermos, o silêncio, as calmarias... a lentidão e a espera que as vezes as colheitas nos impõem até que vejamos os resultados no nosso trabalho. Nem atentamos nós para o motivo daquelas extensas genealogias encontras das Escrituras (fulano gerou sicrano, que gerou beltrano...), que não é outro no meu entender senão o sinal de que o Deus na Palavra é o Senhor dos processos, nunca automáticos ou imediatos, segundo esperam, ou exigem os corações mimados dos mortais, criaturas suas.A verdade é que... Deus tem um timming muito próprio.O salmista sabia disso. Sabia que podia confiar e... esperar. Se as coisas não andam na nossa vida, buscamos - ou inventamos atalhos que, pretensamente, encurtam caminhos ou aceleram processos.Estamos na época do "molhar-a-mão" dos despachantes celestiais.E dá-lhe quebra de maldições espirituais, cursos de batalha espiritual, truques e estratagemas que podem encurtar a fila pelas bênçãos e resultados. Muda-se de igreja, muda-se de pastor... tudo, para conseguir-se o que quer, na hora que queremos. É a cola ou cábula nas provas divinas.E o resultado? Para além do momentâneo torpor que engana, da viagem alucinada e alucinógena das sugestões e ânimo passageiro, logo vem (pode crer que é questão de tempo - esse que pretenderam evitar) um tremendo vazio e amargor de alma. Com pressa, come-se crú, embotam-se os dentes por comer uvas verdes, colhidas antes da hora.É o que em Salmos, ficou registrado como o resultado dessa pressa: "...Então creram nas suas palavras, e cantaram os seus louvores. Porém cedo se esqueceram das suas obras; não esperaram o seu conselho. Deixaram-se levar à cobiça no deserto, e tentaram a Deus na solidão. E ele satisfez-lhes o desejo, mas fez definhar-lhes a alma" (Sl 106:12-15). Escrevam isso. E fujam dessa tentação de não esperar pelo Senhor.E o seu timming santo.
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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morreu José Saramago

José Saramago, Nobel da Literatura em 1998 e antigo Director Adjunto do Diário de Notícias, faleceu hoje aos 87 anos na sua casa na ilha espanhola de Lanzarote.
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Filho e neto de camponeses sem terra, JOSÉ SARAMAGO nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, no dia 16 de Novembro de 1922, se bem que o registo oficial mencione, como data do nascimento, o dia 18. Seus pais emigraram para Lisboa quando ele não perfizera ainda dois anos de idade. A maior parte da sua vida decorreu portanto na capital, embora até ao princípio da idade madura tivessem sido numerosas, e às vezes prolongadas, as suas estâncias na aldeia natal. Fez estudos secundários (liceal e técnico) que, por dificuldades económicas, não pôde prosseguir. No seu primeiro emprego foi serralheiro mecânico, tendo exercido depois diversas outras profissões: desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista. Publicou o seu primeiro livro, um romance (Terra do Pecado), em 1947, tendo estado depois largo tempo sem publicar, até 1966. Trabalhou durante doze anos numa editora, onde exerceu funções de direcção literária e de produção. Colaborou como crítico literário na revista Seara Nova. Em 1972 e 1973 fez parte da redacção do jornal Diário de Lisboa, onde foi comentador político, tendo também coordenado, durante cerca de um ano, o suplemento cultural daquele vespertino. Pertenceu à primeira direcção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, desde 1985 a 1994, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores. Entre Abril e Novembro de 1975 foi director-adjunto do jornal Diário de Notícias. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor. Em Fevereiro de 1993 passou a dividir o seu tempo entre a sua residência habitual em Lisboa e a ilha de Lanzarote, no arquipélago de Canárias (Espanha).
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quinta-feira, 17 de junho de 2010

"A Estrada menos Trilhada"

...Hoje, acordei pensando no caminho estreito, naquele caminho pouco trilhado, sem grandes atrativos. Antes, confesso que nem sempre escolhi essa estrada apertada. Mariposa, voei desesperado em busca de luzes, querendo o brilho da fama. Tantas vezes busquei as passarelas largas. Hoje, ao contemplar meus antigos passos, percebo que andei em círculo, rodopiei, patinei, ofuscado por labaredas fugazes. As lamparinas que desejei eram falsas. Ultimamente, não sei se devido a idade, as decepções ou mesmo a uma revelação sagrada, passei a interessar-me por trilhas menos atraentes. Fui marcado na juventude pelo poeta norte americano Robert Frost. Mas, antes de sua poesia, preciso contar um pedacinho de sua história. Frost ganhou notoriedade quando ainda era jovem. Ele foi um talentoso poeta. Ganhou quatro prêmios Pulitzer. Com a fama, vieram os apelos para o estrelato. De todas as partes surgiam convites para que escrevesse sob encomenda, que se projetasse. Frost encarava tais convites como o canto da sereia, sedutor, mas mortal para a alma. Ele preferiu continuar como professor universitário, sem as badalações do sucesso. Li o seu mais famoso poema, “The Road not Taken – A Estrada não percorrida” e nunca mais fui o mesmo. [...] Quando Robert Frost já havia completado 86 anos, John Kennedy o convidou para que lesse sua poesia na cerimónia de inauguração como presidente dos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 1961. Robert Frost escolhera a estrada menos percorrida. E naquele dia viu que havia feito toda a diferença. Jesus contou uma parábola sobre um semeador. Enquanto ele jogava as sementes, parte delas caiu em terreno duro. Mas nenhuma das que cairam na terra batida, frutificou. Em terra pisada, a vida não germina. No caminho por onde segue a maioria, o chão se enrijece pavimentado pela contenda. Rivalidades empurram as pessoas a desejarem os primeiros lugares e quando todos optam pelo caminho da notoriedade, a disputa amesquinha. Torna-se tão importante ganhar que os Narcisos se odeiam e os Neros desconfiam da própria sombra. Quem escolhe o caminho menos repetido, abre mão dos aplausos, dos tapinhas nas costas e dos confetes. Na verdade, as pessoas não invejam as conquistas dos grandes heróis, sequer o preço que pagaram, mas cobiçam os aplausos, as ovações e a bajulação dos triunfantes. E tudo isso não passa de vaidade, de um nada de nada. Plutarco escreveu a hagiografia – biografia ufanista – de Júlio César. Júlio César foi, com certeza, um dos maiores imperadores de todos os tempos. Seu reinado marcou a história de tal maneira que os sucessores ao trono romano adotaram seu nome. Augusto, Marco Aurélio e todos os demais também queriam ser César. Até imperadores da Rússia passaram a se chamar de Tsar – César em russo – e os germânicos, de Keiser - César em alemão. Acontece que o próprio Júlio César era insatisfeito consigo mesmo. Ele invejava Alexandre, o Grande. Plutarco narra que certa vez flagrou Júlio César banhado de lágrimas enquanto lia a vida do imperador da Macedônia. Plutarco perguntou o motivo das lágrimas: “Choro não por Alexandre, que morreu tão cedo, mas por mim. Com a minha idade Alexandre já havia conquistado o mundo e eu nada fiz”. Eis o nó: todos queriam ser iguais a Júlio César, mas ele queria ser Alexandre. Todavia, o cenário foi pior: O grande Alexandre não era satisfeito consigo mesmo. Ele queria ser Hércules. Mas Hércules não existia, pois era um personagem mitológico. Amigo, entendamos: o caminho mais usado não leva a lugar nenhum porque termina no inferno da perfeição. Perfeição que cobra dos humanos um padrão que só os deuses mitológicos alcançam. Fuja dessa armadilha que não só fatiga como destrói com o ácido chamado ansiedade. Portanto, não se sinta diminuído pelo anonimato. Nunca pense que jogou a vida fora por não ter alcançado as luzes da ribalta. Jamais inveje os que gravaram o nome na calçada da fama. Tudo vira pó. A glória humana se dispersa em nada. Dedique-se a construir relacionamentos significativos. Priorize os encontros despretensiosos. Doe-se sem esperar recompensa humana. Escolha abrir sua própria picada. Evite bitolas, cabrestos, vendas, algemas. Escreva a sua história sem se preocupar se alguém vai considerá-la digna de ser publicada. Só você conhece o valor de seus momentos. Um dia, com um suspiro, você também verá que duas estradas bifurcaram e valeu ter viajado pela menos preferida.
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terça-feira, 15 de junho de 2010

WiKipédia Pouco Fiável...

Um estudo promovido pela "Fundación Colegio Libre de Eméritos Universitários" conclui que a Enciclopédia da Web, Wikipédia, é muitas vezes útil mas poucas vezes fiável. Incorre em muitos erros e caracteriza-se por uma ausência generalizada de fontes fidedignas.
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« A sua informação terá que ser verificada antes de ser utilizada; deve fazer-se um estudo comparado », recomenda o responsável de informação da Wikipédia.[…]
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O autor do estudo analisou a Wikipédia nas versões alemã, a mais séria, inglesa, a de maior diversidade e a espanhola, a menos fiável, embora conclua que nenhuma delas merece confiança absoluta.[…]
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Continuar a Ler Aqui , em Castelhano, no jornal El Mundo

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Desaparecimento da Religião

[ Título original do artigo : Desapareceu a Religião ? ]
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De acordo com o que se previa décadas atrás, a religião já deveria estar extinta. Por mais de um século, grandes pensadores profetizaram o despertar de uma nova aurora, onde a ignorância de um período negro, dominado pelo primitivo pensamento religioso, sucumbiria diante de uma nova ordem social totalmente secular e profana. O antropólogo de Cambridge James Frazer (1854-1941) foi um desses "sonhadores" que apostaram no triunfo da ciência. Em sua grande obra de 1890 "O ramo de ouro", o apóstolo do secularismo, previu a humanidade transpondo o estágio mítico-religioso para o científico. Para espanto e desespero de muitos, isso não aconteceu. Nenhum movimento, por mais poderoso e influente que fosse jamais conseguiu erradicar da essência humana o sentimento pelos deuses ou sua intrínseca busca pelo transcendente. Mas há que se reconhecer: hoje a religião já não diz muita coisa. Aos poucos ela foi lançada para fora das discussões públicas, confinou-se numa metafisica ultrapassada, satisfazendo-se solitariamente em sua torre de marfim, sobrecarregada de intermináveis especulações e apregoando uma transcendência absolutamente desconectada (para não dizer inimiga) da imanência. [...]
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Por Daniel Grubba ***Continuar a ler no Blogue Soli Deo Glória

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Daniel Cohn-Bendit e a Verdade sobre a Crise...

Vale a pena ouvir Daniel Cohn-Bendit discursar no Parlemento Europeu e dizer o que quase todos pensamos e sabemos sobre a crise económica que a Europa enfrenta. E tudo dito, ali, na cara do Presidente da Comissão Europeia e outros altos responsáveis por esta U.E. que nos devora.
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Via Post de Brissos Lino no F.B

Os Afectos Religiosos

Jonathan Edwards (1703-1758)
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Questões religiosas só nos interessam até ao ponto em que nos afectam
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Multidões ouvem a Palavra de Deus e a conhecem, mas ela será totalmente ineficiente e não fará diferença nenhuma no comportamento e no carácter de quem ouve se ele não for afectado pelo que ouvir. Muitos ouvem falar dos afectos gloriosos de Deus, de seu poder imenso, da sua visão ilimitada, da sua majestade infinita e da sua santidade. São ouvintes da infinita bondade e misericórdia de Deus, da Sua imensa sabedoria, poder e grandeza. Ouvem, especialmente, sobre o amor indescritível de Cristo e as grandes coisas que Ele fez e sofreu por nós. Escutam, ainda, as ordens claras de Deus e as suas advertências bondosas e convites amorosos no Evangelho. Ouvem tudo isso, mas não ocorre qualquer mudança no coração nem no comportamento. Isso acontece simplesmente porque não foram afectados pelo que ouviram. Ouso afirmar que jamais ocorrerá mudança de natureza espiritual se os afectos não forem tocados, Sem isso, nenhum ser humano natural buscará com seriedade a salvação. Não haverá luta com Deus em oração pela misericórdia. Ninguém se humilha aos pés de Deus sem ter visto, por si mesmo, a sua própria decadência. Ninguém jamais será levado a procurar refúgio em Cristo enquanto o seu coração não for afectado. De forma semelhante, nenhum santo abandonou a sua frieza e falta de vida, nem se recuperou da apostasia sem ter o coração afectado. Em suma, nenhuma mudança significativa na vida acontece enquanto o coração não é profundamente afectado.
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(Uma fé mais forte que as emoções, p.48-49. Ed. Palavra)
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terça-feira, 8 de junho de 2010

Robert Schumann : 1810 - 1856

( Foto D.N. )
Passam hoje 200 anos sobre o nascimento de Robert Schumann, símbolo maior do Romantismo Musical na Alemanha. Piano e Composição foram as áreas musicais onde se destacou brilhantemente. Schumann faz parte de uma plêiade de compositores que não nos podemos dispensar de ouvir e conhecer; por todas as razões.
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Os Tapetes também têm História, ou a história de um Tesouro Perdido no Museu de Arte Antiga...

Há muitos e variados mistérios na história das relações entre Portugal e Espanha. Conta-se, por exemplo, que Felipe II terá ficado deslumbrado com Lisboa e que pretendeu fixar a capital do reino naquele lugar junto ao mar, onde o céu é mais pálido e o Tejo se engrandece. Supersticioso como era, acabou por não o fazer porque o seu astrólogo não gostou das energias que pairavam sobre a cidade a que Ulisses deu nome. Era tudo demasiado negativo e pouco aconselhável à saúde do monarca espanhol que já de si manifestava uma certa tendência para a depressão. Felipe II acabou assim por colocar de lado a ideia e retirou-se para o Escorial, perto de Madrid, onde se encerrou com mais de mil amuletos espalhados por aquele gigantesco, sóbrio e frio mosteiro, longe do mar e da nostalgia tão tipicamente portuguesa. Não se sabe se, na sua passagem por Lisboa, Felipe II tinha consciência da existência de uns magníficos tapetes que Afonso V de Portugal encomendara um século antes aos mais prestigiados artesãos de Tournai, na Flandres, com base num desenho do pintor Nuno Gonçalves, para celebrar as conquistas de Tanger e de Arzila, em 1471, e que valeram a este nosso rei da dinastia de Avis o cognome do Africano. A verdade é que pouco se sabe sobre a origem e o percurso destas quatro telas, com quatro metros de altura e onze de comprimento, tecidas a seda e lã no atelier dos mestres Passchier Grenier, e que estão classificadas como a melhor colecção do mundo em estilo gótico. O que se sabe, sim, é que foram localizadas em 1628 no palácio dos Duques do Infantado, em Guadalajara, e que em 1664 foram doadas à Colegiata de Pastrana pela família Mendonza, grandes de Espanha com nobre origem portuguesa, onde têm permanecido. O mistério à volta destes tapetes é denso. Há historiadores que aventam a hipótese de terem ido parar a Castela pela mão de Felipe, o Belo, duque da Flandres e Borgonha, que veio a casar-se com Joana, a Louca, filha dos reis católicos, consolidando assim a ideia de que as tapeçarias nunca terão chegado a solo pátrio; ou que foram parte de um saque na Batalha de Toro em que portugueses e castelhanos se enfrentaram por pretensões do rei de Portugal à coroa do reino vizinho; ou ainda que pudessem ter sido um presente de Afonso V ao grande cardeal Mendonça como gesto de gratidão pela forma como foram tratados os prisioneiros portugueses após Toro. O que hoje se sabe é que estes exemplares perdidos, que falam do poder e da glória de Portugal, vão estar à vista de todos no Museu Nacional de Arte Antiga, a partir do próximo sábado. Depois, voltarão para o lugar onde foram achados.
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Maria de Lurdes Vale in Diário de Notícias Online

Soweto Gospel Choir

Agora que está prestes a começar o Campeonato do Mundo de Futebol, na África do Sul, vem muito a propósito o vídeo que incorporo hoje. No Soweto há também um povo que adora e louva a Deus.
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segunda-feira, 7 de junho de 2010

" O Verdadeiro Amor "

Dizer que se ama a Deus e os irmãos e não ter comunhão com eles, não é só hipocrisia, é a mais profunda das trevas espirituais. O amor que o Senhor Jesus requer dos seus filhos não é aquele lamechas, piegas, meramente emocional, que tantas vezes assistimos nas igrejas evangélicas, e que na verdade é a negação do próprio amor.
*** A Paixão que Jesus espera que tenhamos por Ele e pelo nosso próximo é o Amor maior, o da letra maiúscula, porque é divino. É o Amor ardente que se faz presente: quem ama está. Amor que nos constrange mais em direcção ao outrem do que a nós próprios. Que não é só de palavras mas pragmático - sublime mandamento. Amor humilde, mas forte, constante, que lava os pés mais sujos; mesmo injustiçado, irreconhecido e desamado, continua a amar. Coração que ama orando, ama chorando, ama sangrando. Quem tem Deus, possui este amor e quem tem este amor evidencia que tem Deus. Tudo passará, menos este elevado Amor que Deus espera que vivamos e partilhemos.
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" Sobre a Amizade "

Um jovem disse, Fala-nos da Amizade.
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E ele respondeu, dizendo:
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O vosso amigo é a resposta às vossas necessidades.
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Ele é o campo que cultivais com amor e colheis com gratidão.
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E é o vosso apoio e o vosso abrigo.
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Pois ides até ele com fome e procurai-lo para terdes paz.
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Quando o vosso amigo fala livremente, vós não receais o “não”, nem retendes
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o ” não”.
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E quando ele está calado o vosso coração não deixa de ouvir o coração dele;
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Pois na amizade, todos os pensamentos, todos os desejos, todas as esperanças
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nascem e são partilhadas sem palavras, com alegria.
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Quando vos separais de um amigo não fiqueis em dor, pois aquilo que mais
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amais nele tornar-se-à mais claro com a sua ausência, tal como a montanha, para
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quem a escala, é mais nítida vista da planície.
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E não deixeis que haja outro propósito na amizade que não o aprofundamento
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do espírito.
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Pois o amor que só procura a revelação do seu próprio mistério, não é amor
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mas uma rede lançada que só apanha o que não é essencial.
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E deixai que o que de melhor há em vós seja para o vosso amigo.
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Já que ele tem de conhecer o refluxo da vossa maré, que conheça também o
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seu fluxo.
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Pois para que serve o vosso amigo se só o procurais para matar o tempo?
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Procurai-o também para viver.
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Pois ele preencher-vos-à os desejos, mas não o vazio.
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E na doçura da amizade que haja alegria e a partilha de prazeres.
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Pois é nas pequenas coisas que o coração encontra a frescura da sua manhã.

*** Gibran Khalil Gibran***via A Gruta

domingo, 6 de junho de 2010

"Ao Mesmo Tempo Religioso e Ateu?"

Como aqui me refiro por vezes a quem se considera ao mesmo tempo religioso e ateu, gostaria de tentar explicar. Podemos apresentar exemplos. É sabido que Einstein tinha profunda veneração pela natureza - uma veneração de tipo religioso -, mas não aceitava Deus como pessoal e criador. Ernst Bloch afirmava que onde há esperança há religião. Segundo a sua concepção da matéria, força divina geradora de tudo, pode esperar-se uma salto "sobrenaturante" da natureza, de tal modo que se dê a reconciliação entre a natureza e o homem, que, no limite, se poderia tornar imortal. Mas afirmava-se ateu, porque não aceitava o Deus bíblico, transcendente, pessoal e criador. Nesta ligação à natureza, força geradora divina impessoal, há traços de religiosidade quase mística, mas, ao mesmo tempo, porque se não acredita no Deus transcendente, pessoal, criador, com quem se tem uma relação pessoal, não se presta culto, não se reza, e, sobretudo, não se espera dele a salvação. Aí está uma religiosidade ateia. Actualmente, um exemplo desta vivência como ateu e religioso é o filósofo A. Comte-Sponville, que se define como "ateu fiel": "ateu, porque não acredito em nenhum Deus nem em nenhum poder sobrenatural; mas fiel, pois me reconheço numa certa história, numa certa tradição, numa certa comunidade, e especialmente nos valores judeo-cristãos (ou greco-judeo-cristãos) que são os nossos", e que, neste sentido, escreveu a obra L'Esprit de l'athéisme. Quando se pergunta: "Acredita em Deus?", deve-se perguntar previamente o que é que se entende por Deus. Assim, Comte-Sponville propõe a seguinte definição: "Entendo por 'Deus' um ser eterno, espiritual e transcendente (ao mesmo tempo exterior e superior à natureza), que teria consciente e voluntariamente criado o universo. Supõe-se que é perfeito e plenamente feliz, omnisciente e omnipotente. É o Ser supremo, criador e incriado (é causa de si), infinitamente bom e justo, de quem tudo depende e que não depende de nada. É o absoluto em acto e em pessoa." É precisamente em relação a este Deus pessoal que A. Comte- -Sponville se confessa ateu. Não podemos saber se Deus existe ou não. Deus não é objecto de saber, se entendermos saber como "o resultado comunicável e controlável de uma demonstração ou de uma experiência". Assim, há quem acredite que há Deus e quem acredite que não há. Comte-Sponville é ateu, não crê, mas sublinhando que não pretende saber que Deus não existe: "Creio que não existe." Se alguém disser que sabe que Deus não existe, "não é em primeiro lugar um ateu, mas um imbecil", do mesmo modo que, se alguém disser que sabe que Deus existe, "é um imbecil que toma a sua fé por um saber". Há razões para crer e razões para não crer. A. Comte-Sponville faz o elenco das razões que o levam a não crer em Deus, sendo uma das principais a existência do mal no mundo. Mas afirma-se espiritual - prefere a expressão espiritualidade a religiosidade, porque a religião está vinculada em princípio a religiões institucionalizadas -, no quadro de um certo tipo de experiência mística, feito de plenitude, silêncio, experiência oceânica, simplicidade, eternidade... Quando falta Deus, há "a plenitude do que é, que não é um Deus, nem um sujeito". Há o Todo, pouco importando os nomes: o ilimitado (Anaximandro), o devir (Heraclito), o ser (Parménides), o Tao (Lao-tsé), a natureza (Lucrécio, Espinosa), o mundo ("o conjunto de tudo o que acontece": Wittgenstein), o real "sem sujeito nem fim" (Althusser), o presente ou o silêncio (Krishnamurti) - "o absoluto em acto e sem pessoa". Quando não há Deus que nos salva, que é a espiritualidade? "É a nossa relação finita com o infinito ou a imensidade, a nossa experiência temporal da eternidade, o nosso acesso relativo ao absoluto." O que faz viver não é a esperança, mas o amor; o que liberta não é a fé, mas a verdade. "Já estamos no Reino: a eternidade é agora." Aqui, a pergunta radical é: um Deus não invocável pelo homem salvaria alguém enquanto pessoa? O núcleo da questão é a pessoa.
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Prof. Anselmo Borges***In Diário de Notícias Online

sábado, 5 de junho de 2010

"Os Navegadores"

Os jogadores que irão representar a selecção portuguesa de futebol, que vai até à África do Sul, foram cognomizados por Carlos Queiroz como "Os Navegadores ". Não sei se está no horizonte de Queiroz dar "novos mundos ao mundo" mostrando que aos portugueses ainda lhe resta o jeito para a bola. O mais perto que já estivemos de uma final foi nos idos de 66, era eu ainda criança e, nessa altura, os jogadores eram "Magriços" dirigidos por pessoas que tinham do futebol uma ideia romântica. Desde então, outras selecções e outros cognomes passaram à história com mais ou menos glória, com mais ou menos honra, mas pouco ou nenhum romantismo, até porque o dinheiro domina e fala mais alto no "reino" da bola. O mais importante nem são os cognomes mas sim aquilo que os jogadores fazem em campo. Pessoalmente não me parece que o país saia mais ou menos favorecido se os resultados forem mais ou menos bons. Não podemos esquecer que o futebol é apenas um desporto, nada mais. Eu até já tenho uma segunda linha de apoio eleita para o caso de fiasco da nossa malta.
Não ponho bandeiras à janela, não ando com cachecóis nem carrego quaisquer outros símbolos futebolísticos ligados à selecção portuguesa. Gostaria que chegassem longe apenas por uma questão de nacionalismo, se quisermos, tal como gosto que o país vá longe em qualquer outro domínio.
"Navegadores" é uma designação que lembra a gesta portuguesa dos descobrimentos de há uns séculos atrás. Foi precisamente no "corno de África" que os Portugueses venceram o desafio de irem mais além ao dobrar o Bojador dominado então pelo Adamastor. Carlos Queiroz não é seguramente o Infante D. Henrique e é possível que alguns jogadores nem sequer saibam nadar, mesmo assim fica o nosso voto de que esta selecção supere os "medos" dos adamastores e vá o mais longe possível, com glória ou honra, superando medos ou tormentas que surjam pela frente.
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Jacinto Lourenço

sexta-feira, 4 de junho de 2010

E O Amanhã, como Será ?

[ Titulo original do texto: O que vou fazer amanhã ]
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Esta mensagem foi escrita para você que está passando por grandes dificuldades e diante de tantas incertezas e más notícias parou e se perguntou: E agora, o que é que eu vou fazer amanhã?
*** Bom, eu também já me fiz várias vezes esta pergunta durante certo tempo de minha vida. Um tempo ruim que sempre acontece na vida de todas as pessoas - inclusive cristãs.
*** Se amanhã quando você se levantar, sentir-se a pior das pessoas e chegar ao ponto de desejar a morte, saiba que existe um propósito para suas aflições. Se você ainda não é um cristão, dobre seu joelho lá no seu quarto e peça ajuda para ajuda para Jesus. Converse sobre seus problemas como se estive diante do maior amigo que nunca teve. Ele vai lhe ajudar.
*** Se você já é um cristão e Jesus tem sido o Senhor da sua vida - creia. Creia que o que o Senhor está preparando você para receber grandes bênçãos que ainda não sabe. Quando se levantar pela manhã, triste e desesperançado, lembre-se desta palavra: E uma coisa faço, e é que me esquecendo das coisas que para trás ficam, e olhando para as que estão adiante de mim, prossigo para o alvo, pela soberana vocação de Deus - em Cristo Jesus.
*** Também conte para Jesus suas frustrações, a dor da decepção e da inutilidade. Lance sobre Jesus toda sua ansiedade. Também creia que ele foi preparar a sua vitória. Que ele já conquistou esta vitória para você. Pense nisto. E da mesma forma que o sol faz evaporar a cerração da manhã O Senhor vai secar suas lágrimas e alegrar sua alma por mais um dia.
*** É uma batalha nossa a cada dia. E também uma vitória nossa de cada dia. E depois de algum tempo, quando você menos esperar, o inesperado vai bater a sua porta trazendo novas de grande alegria.
*** Eu sei muito bem o que estou falando. Jesus "te" ama. Ele está perto de você, embora seus sentidos não o percebam. Creia nisso e continue de pé. Continue tentando. Continue Estudando. Continue insistindo e continue orando.
*** Passei por onze anos de desemprego. Fui chamado de preguiçoso, de lixo, etc. Teve tempo que eu simplesmente desejei morrer, pois me sentia a mais inútil das pessoas. Enviei mais de 700 currículos. As poucas entrevistas que fiz, todas menos uma, foram portadas na minha "cara". Aí, Jesus começou a operar o milagre. Primeiro a bênção foi pequena, depois de seis anos a surpresa bateu três vezes na minha porta. Foram três oportunidades. Cada uma melhor que a primeira. Passei em três concursos públicos. De novembro/2009 para cá foi chamado para trabalhar em três lugares muito altos: Na Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, No Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
*** Para quem ficou 11 anos desempregado e tem 54 anos de idade qual é a explicação que você tem para bênçãos tão grandes? Se você não sabe, vou lhe dizer: a resposta está no Salmo 23.
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"O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias."
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O Senhor também vai transbordar o "teu" cálice. Anime-se e continue enfrentando com oração os dias maus, pois outros dias virão e eles serão bons. E basta um dia de vitória para que uma vida inteira de derrotas seja esquecida.
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Deus lhe abençoe com a paz.
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Por João Cruzué via Olhar Cristão

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Mudar, Imperativo da Vida

Os sistemas estáticos são mortos; as ideias engessadas são dogmas intolerantes; as instituições inflexíveis são tiranias. A vida acontece na transformação. Tudo flui. O tempo sangra como hemorragia porque vaza a existência por um ralo cruel. Mas não há como estancar o escoamento das horas.
*** Mudar é aceitar a inexorabilidade do tempo; é reconhecer a impossibilidade de lançar ganchos, estacionar, e recusar o imperativo divino: “Manda que o povo marche”.
*** Machiavel afirmou:
*** “Não há empresa (tarefa) mais difícil de conduzir, mais incerta quanto ao êxito e mais perigosa, do que a de introduzir novas instituições. Aquele que nisso se empenha tem por inimigos todos quantos lucravam com as instituições antigas, e só encontra tíbios defensores naqueles aos quais as novas se aproveitam”.
*** Vem de José Comblin a expressão”teologia cínica”. Teologia cínica é a que sistematiza verdades sem criticá-las ou que repete conceitos cristalizados pelo senso comum. Para Comblin, o sentido de “cínico” está conectado ao foco do pensar: quando a defesa do argumento ou do conceito é priorizada sem sensibilidade aos indivíduos. Falar em tese, pensar a partir de absolutos, reduz a linguagem religiosa ao teorismo da torre de marfim. Acontece que a experiência de Deus na história é de inquietação e não de apatia. A verdade, se pretende ser verdade, deve ligar-se à vida e não ao argumento que satisfaz uma lógica interna.
*** Hannah Arendt acertou ao afirmar que milagre é a interrupção de qualquer processo automatizado. Mudar é alterar o que outrora se considerava inamovível; é reverter o irreversível. Profetas não encalacram futuro dentro de suas previsões, mas o libertam para infinitas possibilidades. O futuro se bifurca em trilhões de esquinas a partir das decisões livres de homens e mulheres. Os profetas apenas alinhavam o porvir para depois ensinar os pontos que firmariam as costuras.
*** Mudanças comportamentais são estimuladas entre religiosos, mas mudanças conceptuais são vistas como anátemas. Jesus, logo depois de ter dito aos discípulos que era a Verdade (Jo 14.6), prometeu que o outro Consolador, o Espírito Santo, os conduziria a mais Verdade. Jesus tinha muitas coisas para ensinar, mas os seus seguidores mais próximos ainda não estavam prontos para suportar: “Ele vos guiará a toda Verdade” (Jo 16.13). Eles deveriam manter o coração ensinável, a mente flexível e o coração sensível porque o caminho para a Verdade não se exaurira e nem se esgotaria tão cedo.
*** Mudar, portanto, significa se abrir para verdades que outrora não encontravam porto na interioridade. Mudar é admitir que nunca estamos totalmente prontos para entender tudo. Mudar é aprender a deixar para trás o que outrora nos encantava para absorver o que os olhos nunca viram, os ouvidos nunca ouviram e nunca o coração humano intuiu. Mudar é abrir mão do que antigamente fazia sentido para que resplandeçam novos lampejos de sabedoria, lucidez e esclarecimento.
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Soli Deo Gloria
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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Andar com Cristo sobre as Águas.

[ Título original do texto: A Silhueta Divina em Meio à Calamidade ]
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Sabe quando a gente tem a impressão de que agiu precipitadamente? Mas logo em seguida, somos tomados pela certeza de que agimos sob a direção divina. Já se sentiu assim antes? Pois os discípulos de Jesus passaram por um episódio em que se sentiram exatamente assim. Eles haviam acabado de presenciar um dos maiores milagres realizados por Cristo. Cinco mil homens, além de mulheres e crianças, foram alimentados com míseros cinco pães e dois peixinhos. Eles ainda estavam processando o significado do que tinham assistido. Jesus, por Sua vez, parecia distraído com a multidão. Mateus conta que “ordenou Jesus que os seus discípulos entrassem no barco, e fossem adiante para o outro lado, enquanto ele despedia a multidão” (Mt.14:22). Aquela ordem não parecia razoável. Deixá-lO ali? E como os alcançaria depois? Não seria melhor esperá-lO um pouco mais? Ordem é pra ser obedecida, não questionada. Por isso, lá se foram eles sem dizer uma palavra. O que Ele teria em mente? Talvez tomasse carona em outro barco para os encontrar. Tão logo acabou de despedir-se do povo, em vez de sair imediatamente ao encontro dos discípulos, Jesus foi para o monte orar. O fato é que Jesus precisava ficar a sós com o Pai. Marcos relata que “sobrevindo a tarde, estava o barco no meio do mar, e ele sozinho em terra” (Mc.6:47). Mesmo tão distante geograficamente, Jesus não os perdeu de vista por um só instante. “Vendo-os fatigados a remar, porque o vento lhes era contrário, por volta da quarta vigília da oite aproximou-se deles, andando por sobre o mar” (Mc.6:48a). Ora, se eles estavam lá por uma ordem expressa de seu Mestre, por que o vento lhes era contrário? Posso imaginar uma discussão entre os discípulos: - Eu não disse que deveríamos esperar por Ele? - Mas foi Ele quem nos enviou? - Que nada! Ele estava nos testando. Deveríamos ter ficado com Ele. - É… acho que nos precipitamos. - Vamos parar com este papo, e continuar a remar… De fato, não houve qualquer precipitação. Eles estavam ali no meio daquele mar revolto por determinação de seu Senhor. E embora eles O tivessem perdido de vista, distraídos com os ventos contrários, Jesus não os perdera. E a prova disso é que veio correndo para socorrê-los. Os pés que em breve seriam vazados pelos cravos, marchavam sem serem submergidos pelas águas. Os pés que seriam suspensos no madeiro, agora driblavam a lei da gravidade, suspensos sobre as águas pelo poder do amor. Sua caminhada por sobre o mar não era uma demonstração performática de poder, mas evidência de Sua pressa em alcançá-los. Marcos diz que Jesus “queria passar à frente deles” (v.48b). Convém destacar que Jesus caminhou em meio ao mar revolto. A calmaria só veio depois que Ele entrou no barco. Quando os discípulos viram aquela silhueta se insinuando no meio do nevoeiro, começaram a gritar apavorados, achando que era um fantasma. - Só faltava essa! Como se não bastasse o vento contrário, agora nos aparece esta assombração! E cadê Jesus? Por que nos abandonou? Se isso acontecesse em nossos dias, em terras tupininquins, alguns diriam que era Iemanjá…rs Vendo-os desesperados, Jesus bradou: “Tende bom ânimo, sou eu, não temais” (Mt.14:27). Pedro, gato escaldado, preferiu tirar a prova dos nove: “Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por sobre as águas” (v.28). Jesus deve ter sorrido nessa hora. Uma sugestão dessas só poderia vir de Pedro, o sanguíneo. Em momento algum Jesus o censurou por isso. Às vezes precisamos de sinais que nos evidenciem que a silhueta que se insinua diante de nós seja realmente de Jesus, e não de alguma assombração ou projeção de nosso inconsciente. Às vezes enxergamos o que queremos enxergar. Outras vezes enxergamos o que preferíamos evitar. Somos assombrados por temores incontroláveis e assediados por desejos inconfessáveis. Antes de deixar nossa zona de conforto para nos aventurar em direção àquilo que nos atrai, convém buscar uma confirmação de que aquilo provém do Senhor. Jesus não discursou. Não era momento para um sermão. Ele apenas deu voz de comando: VEM! Sem titubear, Pedro “descendo do barco, andou por sobre as águas para ir ter com Jesus” (Mt.14:29). Repare no detalhe: Ele andou por sobre as águas para encontrar Jesus. O problema é que muitas vezes queremos “andar sobre as águas” apenas pela sensação que isso poderia nos proporcioar, ou mesmo, pela repercussão que isso causaria. Perdemos o foco. Fazemos do meio um fim em si mesmo. Enquanto os outros discípulos pasmavam e talvez questiovam o atrevimento do colega, Pedro pisava nas águas como quem se sustenta sobre o chão firme. Tudo ía bem até que Pedro se deixou distrair pelo vento que permanecia forte e contrário. As ondas do medo invadiram seu coração e logo, começou a afundar. Desesperado, Pedro começou a gritar:“Salva-me, Senhor!” Sem cerimônia, Jesus Se aproximou, estendou a mão e o socorreu, dizendo:”Homem de pequena fé, por que duvidaste?” (v.31). Jesus não estava censurando por lhe haver pedido uma prova de que era Jesus quem se aproximava do barco. Jesus o repreendera por haver se distraído com a fúria do vento. Este é o tipo de dúvida que aborrece a Deus. A dúvida gerada pela distração. Quando ambos entraram no barco, o vento cessou (v.32). O que indica que aquela tempestade servia como cenário para que os discípulos aprendessem uma importante lição: Reconhecer Jesus em meio da adversidade. Atender a uma ordem divina nos garante que seremos imunes aos ventos contrários da vida. Mas nos garante que Jesus jamais nos perderá de vista, e quanto estivermos cansados de remar contra o mar, Ele virá em nosso socorro.
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terça-feira, 1 de junho de 2010

Voltar a Ser Criança...

Celebra-se hoje o dia da criança . Ocorre-me a exclamação de Jesus: “Deixai as crianças e não as impeçais de virem a mim, porque dos tais é o reino dos céus.”.

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Mas lembrei igualmente a minha infância e as gratas recordações que dela guardo. Marcou a minha vida para sempre. Trouxe ao meu carácter muito daquilo que sou hoje. Mas lembro-me principalmente da liberdade e felicidade que me proporcionou. Não me lembro de ter tido falta de alguma coisa que fosse essencial. Lembro-me de “apertos” pontuais motivados por falta de trabalho e, portanto, de dinheiro em casa. Mas lembro-me também da criatividade dos adultos para suprir as necessidades que o dinheiro não podia comprar : hortas, criação caseira de porcos, galinhas, ovos, etc, para consumo.

*** Não tive brinquedos caros . E, diga-se, brinquedos de compra, era algo a que só a festa anual da vila dava acesso depois de um ano inteiro a juntar todos os tostões que arrecadava dos “mandados” que fazia a vizinhas e dos 12 jornais, 9 “ O Século” e 3 “Diário de Notícias” , que entregava aos seus destinatários por conta do Sr. José Alfredo da taberna. Para além da broa de milho que recebia diariamente por esse serviço, “caiam” ainda dez tostões lá de longe a longe. Se a isto juntarmos as encomendas recolhidas na “camioneta das 11” ou na das “6”, da então “A Ribatejana”, e entregues, após "rateio" entre a criançada para delimitar direitos de entrega, nas lojas do sr. Armando Veiga, “Pincó” ou João Peça, entregas que podiam render entre 5 e 15 tostões, conforme o destinatário fosse mais ou menos generoso, então está encontrado o magro pecúlio amealhado até à festa anual e que dava para comprar uma daquelas “camionetas” de madeira pintada de atractivas cores berrantes, e que me davam assim como que um “status” elevado no meio dos colegas de infância que não as podiam comprar. Custavam 5 escudos as pequenas e oito escudos as grandes. Nunca consegui ter uma das grandes… e os meus olhos de menino tantas vezes nelas se dependuraram... Mas também porque ao longo do ano nunca quis abdicar de gastar alguns escudos em bonecos da bola ( vinham embrulhados num rebuçado e, cada dois rebuçados, era um tostão ) para colar na caderneta. O Eusébio era o mais difícil… pelo meio bebia também umas laranjadas, gasosas e outros tantos pirolitos; estes traziam entalados no gargal uns berlindes que a miudagem retirava para depois jogar com eles, sim porque comprá-los estava fora de questão. O resto das economias ia-se nuns piões de guita, uma ou outra quarta de amêndoas pela páscoa, nuns “Condores”, “Ciclones” ou “Mundos de Aventuras”, os livros de banda desenhada do meu tempo, daqueles a que ainda tínhamos que separar as folhas com uma navalha, que era coisa que qualquer catraio que se prezasse trazia sempre no bolso sem nenhum outro objectivo que não fosse o de ver na “naifa” uma ferramenta indispensável para fabricar brinquedos e brincadeiras. E não me ocorre nenhuma situação em que alguma vez tenha passado disso mesmo. Sim, porque fabricar brinquedos era a única alternativa que se afigurava para quem não os podia comprar, o que era o meu caso e o da generalidade de todos os outros miúdos da minha idade.

*** Fabricar brinquedos, e inventar brincadeiras eram a nossa especialidade. Aprendiamos uns com os outros ou com os adultos em casa, à noite, à lareira no inverno ou ao luar de verão, sentados nuns poiais à porta de casa em alegres jornadas de convívio com os vizinhos, ouvindo e aprendendo dos mais velhos, por entre estórias de vida desfiadas ao ritmo de fugazes estrelas cadentes que cruzavam a abóboda celeste.

*** Escola, uma responsabilidade incontornável a que éramos chamados. Escola a sério, em que o professor ensinava e os alunos aprendiam mesmo que algumas vezes sob uma ou outra ponteirada ou reguada . Só servia para isso, a escola, na minha infância, e para formar para a vida à qual seriamos chamados mais tarde. Hoje, pelos vistos, serve para muitas outras coisas, e onde o acto de ensinar e aprender não são o mais relevante.

***Algumas crianças eram ainda chamadas a ajudar os adultos nalguns afazeres. Nunca ninguém me obrigou a isso. Fazia-o, sei hoje, por querer ser útil e por isso me ocupar algum tempo disponível ou eventualmente quando não me apetecia uma brincadeira depois de completados os deveres escolares. Sei que para alguns da minha idade, o trabalho não assumia apenas carácter voluntário, mas também não me consta que ajudar a família em algumas tarefas as tivesse molestado ou comprometido no seu desenvolvimento ( não estou a falar aqui da exploração do trabalho infantil, que isso é outra questão e infelizmente vergonhosa ). O Trabalho, no período da minha infância, era um valor formativo, tal como a escola e as brincadeiras.

*** Acho que quando Jesus ordenou que deixassem que as crianças fossem até Ele, naquele momento lembrou-se certamente da sua infância, da sua meninice, parecidas provavelmente com a minha, salvaguardadas as devidas distâncias, nomeadamente as espirituais, culturais e civilizacionais. Lembrou-se Jesus, de certeza, que a infância é um momento único na vida de um ser humano no qual são admitidos todos os sonhos sem se querer saber se eles vão ou não concretizar-se. Quando crianças, simplesmente alimentamos a vida de fé, vemos tudo como possível, sem precisarmos de explicações ou aprofundadas reflexões de como é que isso vai acontecer. Desconfiança é uma palavra que não cabe no limitado léxico infantil. Na infância, as palavras têm o valor que aparentam ter, desnudadas de sofismas, duplos sentidos ou diferentes significações ao gosto de quem as usa. Os gestos são o que são e valem pelo que trazem. Temos a capacidade de aprender com eles . As pequenas desilusões de uma criança lavam-se com algumas lágrimas ocasionais que cristalizam apenas na face e não na alma . Quando crianças, só olhamos para a frente, nunca para trás. É por isso que a infância, enquanto tal, não tem passado, apenas presente ou futuro. Em criança, criamos tudo de novo, todos os dias, e cada dia é um novo dia e não a continuação do anterior. Na infância tudo se faz de novo, e tudo é diferente do que foi. Somos únicos, somos vencedores, somos heróis, senhores do bairro, da rua, da aldeia, salta-pocinhas com avidez de viver a efemeridade de cada momento o mais intensamente possível. Desafiamos sorrisos e conquistamos ternuras no olhar de cada adulto . Nesse instante da vida, na infância, estamos por construir e temos ainda uma vida para usar. A mácula é um terreno que nos impõem corações sem infância.

*** Foi por isso que saltou à minha mente e ao meu coração a frase do meu Senhor, que me ama desde sempre. Para Ele quero ser uma criança de olhar guloso repousado na certeza das bençãos do Pai. Neste Dia da Criança, que cada um de nós tenha a capacidade de o voltar a ser, na aproximação ao nosso Pai e na vivência da fé, usando a vida de que ainda dispomos aqui para a revisitação dessa pueril felicidade infantil.

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Jacinto Lourenço