segunda-feira, 27 de junho de 2011

Uma Carta de Séneca para Sócrates...


Consta que o  até há pouco tempo primeiro-ministro, José Sócrates, decidiu dar um rumo diferente à sua vida e ir um ano para França estudar filosofia. Acho que faz bem, até porque só o facto de ir para França já revela uma óptima opção desde que, claro, aproveite a ocasião para aprender alguma coisa... Terá em primeiro lugar que aprender Francês. Pode sempre aproveitar os domingos, à beira do Sena, que são sempre dias muito produtivos para aprender línguas, e ele até tem uma boa experiência nesse capítulo...

A razão de eu estar para aqui a arrazoar sobre a possível ida de José Sócrates para França com o declarado intuito de estudar filosofia tem a ver com as cartas que Séneca escreveu a Lucílio e de que incluo abaixo um excerto. Espero que José Sócrates aproveite bem o conteúdo deste breve excerto, talvez encontrasse mais facilmente um caminho para uma melhor abordagem do seu revelado, e quiçá repentino, interesse filosófico. Aí fica, meu caro. Com um grande bem-haja.


Jacinto Lourenço


* * *



A Sabedoria

A filosofia, essa, ensina a agir, não a falar, exige de cada qual que viva segundo as suas leis, de modo que a vida não contradiga as palavras, nem sequer se contradiga a si mesma; importa que todas as nossas acções sejam do mesmo teor. O maior dever — e também o melhor sintoma — da sabedoria é a concordância entre as palavras e os actos, o sábio será em todas as circunstâncias plenamente iguala si próprio. "Mas quem será capaz de atingir um tal nível?" Poucos, decerto, mas mesmo assim, alguns! Não escondo que a empresa é difícil; nem te digo que o sábio avançará sempre ao mesmo ritmo, embora o rumo seja sempre o mesmo. Auto-analisa-te, portanto, e verifica se há discordância entre a tua roupa e a tua casa, se és pródigo para contigo mas mesquinho para com os teus, se é frugal a tua ceia mas luxuosa a tua habitação. Adopta de uma vez por todas uma regra de conduta na vida e faz com que toda a tua vida se conforme com essa regra. Há pessoas que se retraem em casa e que se expandem sem inibições fora dela; semelhante variedade de atitudes é viciosa, é indício de um espírito hesitante que ainda não achou o seu ritmo próprio. Posso explicar-te, aliás, donde provém esta inconstância, esta divergência entre os propósitos e as acçções. A causa é que ninguém fixa nitidamente aquilo que quer nem, se o fez, permanece fiel ao seu propósito, antes pretende ir mais além; e não se trata apenas de mudar de objectivo, acaba-se por voltar atrás e de novo cair na situação anteriormente rejeitada e condenada. Em suma, deixando as antigas definições de sabedoria e abarcando numa fórmula todo o ciclo da vida humana, acho que seria bastante dizer isto: a sabedoria consiste em querer, e em não querer, sempre a mesma coisa. Não é necessário acrescentar, como condição, que devemos querer o que é justo, porque só é possível querer sempre a mesma coisa se essa coisa for justa. Ora sucede que as pessoas ignoram o que querem excepto no próprio momento do querer; ninguém determina de uma vez por todas o que deve querer ou não querer; todos os dias se muda de opinião, mudança por vezes diametralmente oposta; para muitos, em suma, a vida não passa de um jogo! Quanto a ti, mantém-te fiel ao propósito que adoptaste, e assim conseguirás talvez atingir o ponto máximo, ou pelo menos um ponto tal que apenas tu compreenderás não ser ainda o máximo.



Séneca, Cartas a Lucílio II.20.2-6

( Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: 2009. - trad.: J. A. Segurado e Campos )
 
 
Via Origem da Comédia

sábado, 25 de junho de 2011

Erasmo e a Bíblia




" Eu desejava que as mulheres simples lessem o Evangelho e as epístolas de Paulo. Que sejam traduzidos em todas as línguas ! Que o lavrador cante extractos ao empurrar a charrua, que o tecelão os cantarole a meia-voz quando estiver ao tear, que o viajante abrevie a estrada com essas conversações "



( Erasmo de Roterdão )

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Máscara do Pragmatismo



Hoje, "por dá cá aquela palha", faz-se uso da palavra pragmatismo, mas o que se esconde por detrás dela, e do uso que lhe é dado,  é o conceito associado a relativismo. A relativização  dos valores, dos padrões, dos comportamentos, dizem, leva a sociedade a resvalar para um modus vivendi  que já não assume  uma dimensão apenas ética, ou melhor dito, da falta dela. A moral,  deixou de ser apenas  desdenhada nas sociedades ditas democráticas para  passar  a valer zero.  É agora uma palavra que corre o risco de desaparecer da linguagem comum e  banida dos  dicionários. Talvez tenhamos, a breve prazo, que voltar a debruçar-nos seriamente sobre a semiótica dos comportamentos para tentar perceber o que nos está a acontecer.

Por qualquer coisa banal ou em qualquer conversa simples de intervalo para o café, por todo o lado, a qualquer hora e a título da desculpa mais esfarrapada que se possa encontrar, o que se ouve as pessoas dizer é : "há eu nisso sou muito pragmático" ou:  "quanto a esse aspecto sou totalmente pragmático".  Quer a introdução da palavra venha parar à conversa a tempo ou a destempo, a verdade é que o conceito que as pessoas pretendem  associar a pragmatismo tem mais a ver com relaxamento de processos e comportamentos do que com simplicidade de relacionamentos e construção da vida sem hermetismos conducente  ao não isolamento conceptual do mundo em que vivemos.

Pragmatismo não tem que ver com a lassidão dos  comportamentos sociais que se estão a tornar num barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento.

Pais são "pragmáticos" com a educação dos filhos. As políticas, os partidos e os políticos, afirmam-se e entendem-se a si próprios o mais pragmáticos possível e as ideologias já não são reconhecidas nem nas suas próprias idiossincrasias e fazem quase parte da arqueologia da história da democracia. Organizações, empresas e igrejas acham que ser pragmáticas é que é actual. Os meios de comunicação defendem o pragmatismo da informação em prejuízo da objectividade, honestidade e oportunidade da mesma. Patrões e empregados entendem que as relações laborais devem ser pragmáticas para permitir a rápida adaptabilidade às mudanças. Enfim, podíamos ir por aí fora a esmiuçar, pragmaticamente, esta falsa questão do pragmatismo de que todos se reclamam.
 Mas voltamos ao princípio: o pragamatismo é a máscara moderna com que se pretendem encobrir o relativismo e o laxismo dos comportamentos nos eixos horizontal e vertical da sociedade.

Entraram, de facto,  as férias escolares que no meu tempo se chamavam grandes e que hoje são mais pequenas. Começam a circular pelas ruas, a qualquer  hora do dia ou da noite, "bandos" de adolescentes de várias idades.  Observo.  Parecem-me em completa roda-livre,  ostentando nas mãos, como se isso fosse um  ícone  de modernidade,  garrafas de toda a sorte de bebidas, longe da supervisão dos pais ou dos encarregados de educação. Assumem modos e  linguagem onde se detecta facilmente o gosto pelo pisar do  risco comportamental.  Sentem-se protegidos pelo "bando" quando lhes resvala o pé para a asneira, e resvala muitas vezes. Transportam a agressividade,  adquirida nas dinâmicas do grupo, para o interior dos relacionamentos com a família e os educadores, mas também com a escola e os outros estudantes e professores. Revelam falta de aquisição de padrões éticos e morais,  substituidos estes pelos valores do "bando"  face à  "pragmática"  ausência dos educadores que, descuidados das suas responsabilidades educacionais,  familiares e sociais, não percebem que o seu próprio comportamento os leva a perderem, a trecho breve, o controlo dos menores. 

Tornámo-nos, infelizmente, num país em que de há pelo menos uma geração para cá  a adolescência e a juventude já não são períodos da vida apenas irreverentes  mas sim  onde se denota uma confrangedora deseducação social e de vida em comunidade. Valores como o trabalho, a deferência social no interior das comunidades, a respeitabilidade, entre outros, já não fazem parte da educação dos filhos ou pelo menos não lhe são passados como prioridades de vida. As actividades dos adolescentes e jovens são calculadas e ajustadas aos interesses e aos horários dos pais e educadores  que não têm tempo no curto tempo que têm para os filhos  e para lhes poderem transmitir padrões éticos e morais que os apetrechem no sentido de poderem distiguir o bem do mal, o certo do errado.

Esta (a)normalidade assumida pelos comportamentos duma grossa fatia dos adolescentes e jovens portugueses, que se cruzam todos os dias connosco nas ruas urbanas, havemos de a pagar cara, mesmo se, felizmente há bastantes e gratas excepções que contrariam tudo o que aqui escrevemos sobre os jovens portugueses.  Mas Portugal irá pagar o preço da desatenção, falta de cuidado e irresponsabilidade de muitos pais e educadores dos tempos actuais que entendem  que cumular os "meninos" de tudo o que é gadget, jogos electrónicos, computadores,  roupa de marca, e bem assim oferecerem-lhe a possibilidade de ostentarem outros sinais exteriores de promoção de exibicionismo visualmente impactante no  "bando" os pode ilibar da ausência no acompanhamento dos seus educandos. Esta "pragmática" geração de educadores confunde relativismo com pragmatismo. Quem sofre é Portugal e os portugueses, as famílias, as escolas, as empresas, a sociedade em geral,  se não se resgatar ao "bando",  urgentemente,  a ética dos valores e a sua aprendizagem  no seio da família, subtraindo também os jovens e adolescentes ao isolamento quase autista  do brilho hipnótico de um ecran. A escola tradicional, e o ensino não resolverão, por si só, este problema, também  porque o pátio da escola já não consegue ser um lugar de recreação e socialização; tornou-se porventura numa feira de vaidades e exibicionismo,  quando não mesmo num campo de luta entre  elementos de gangs e  sala de aula não é sinónimo  de sala de estar das nossas casas. Mais tarde os pais dividir-se-ão na assumpção de culpas pelos malefícios que o seu "pragmatismo" provocou na educação dos filhos nos quais já não conseguem encontrar parecenças   com ninguém da linha recta na sua genética parental. Mas será tarde de mais. Voltar atrás, ao registo de comportamentos responsáveis socialmente, será uma actividade dolorosa e cara que deixará sempre marcas para a vida dos hoje adolescentes e jovens. Os pais hão-de recriminar-se por isso.


Jacinto Lourenço

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Vida segundo Saramago


Já escrevi noutras ocasiões sobre este tema, e expressei a minha opinião sobre Saramago, o seu carácter e os seus livros. Sinto-me honrado, enquanto português, por Saramago ter recebido o único Nobel da literatura  que premiou um escritor português. Ficaria igualmente honrado se outro qualquer escritor português ( e temos felizmente alguns que o mereceram e  merecem ainda na actualidade ) o tivesse conquistado. Entre mim e o autor existe, a separar-nos e unir-nos, um livro ( "Levantado do Chão" ) onde é romanceada a história de vida do meu tio-avô João Serra e sobre isso julgo não ter mais nada a acrescentar ao que já disse em anteriores textos que se encontram nos arquivos deste blogue. Respeito em Saramago a sua obra literária, a sua força interior e a sua coerência política e social, tal como respeito e admiro, mesmo se algumas vezes contraditória, a sua visão do mundo. Respeito também a sua opção ateísta, mesmo se esta me parece consolidada sobre as ruínas de uma negação do divino e uma luta permanente com Deus sempre mal explicadas pelo autor. Reside aqui uma das suas poucas fragilidades intelectuais; julgo que ninguém se envolve em tão grande luta de negação de algo ou de alguém que "sabe" não existir. Se Deus, não existe, como pretendia Saramago, porquê uma "guerra" tão encarniçada contra uma entidade inexistente !?  O escritor deu explicações públicas sobre esta matéria, mas nunca explicou cabalmente o que estava na origem íntima da sua  luta com e contra  Deus. Não se decide, como o ouvi  repetir várias vezes, ser ateu quando se tem apenas seis ou sete anos de idade. Nessa altura da vida há muita coisa que não está claramente presente na nossa estrutura de pensamento, na nossa personalidade ou na nossa intimidade  espiritual, seja para a manifestação de uma atitude ateia ou de afirmação de fé definida e vinculativa para o resto da  vida. As excepções, eventualmente, só confirmam a regra.

Dito isto, vou então esclarecer  ao que venho hoje.

Vi esta semana na SIC o documentário, por sinal muito bem realizado, sobre Saramago e Pilar. Gostaria mais se este tivesse esmiuçado  profundamente as origens de Saramago, pois julgo que talvez se clarificasse uma certa  "antipatia", relativamente a Azinhaga, a sua terra, manifestada  pelo Nobel no próprio documentário. É certo que Saramago nunca negou as suas origens humildes e isso, quanto a mim, é um ponto relevante a seu favor, mas não entendo a sua "má vontade" em regressar a Azinhaga para que lhe fosse prestada uma homenagem. Percebo muito bem a sua mágoa e a sua revanche contra Portugal que o levaram a refugiar-se em Lanzarote.  Saramago foi apenas mais um intelectual a quem o país desprezou.  Só tardiamente emendou a mão e isso também não reverte em dignidade para o estado português. José Saramago foi reconhecido, honrado, glorificado pela sua obra em praticamente todo o mundo menos em Portugal e isso traduz muito do espírito mesquinho e personalidade reles que ainda povoa a identidade do poder em Portugal e de quem o ocupa. José Socrates, valha a verdade, teve pelo menos a decência ( que outros nunca tiveram antes dele ) de honrar a obra e o seu autor, mas tarde demais, quando Saramago já não precisava disso para ser reconhecido mundialmente, mostrando-se o escritor, aliás, vagamente incomodado ( quiçá desconfiado )  das honras que o estado lhe prestava, e não seria caso para menos face ao tratamento que até então lhe tinha sido dispensado.

No documentário que vi, surgiu aos meus olhos um homem que perdeu vitalidade física mas não intelectual. Tinha urgência, pela partida adivinhada,  em dizer ao mundo o que pensava dele e das pessoas que o habitavam. Gritou até ao fim da sua vida  a sua revolta contra o Deus em quem dizia não crer. Notou-se sempre no seu discurso a necessidade de afirmação do não receio da morte mas também a incerteza sobre o que estava para além dela. O Nobel ansiava por preparar o melhor possível a  viagem que achava ser final.  Fez-me lembrar, no documentário, uma pessoa, como qualquer de nós, que indo viajar, prepara a sua bagagem sem saber que tempo vai  fazer no destino e que por isso enche a sua mala de coisas desnecessárias. Foi isso que Saramago transportou da vida, uma mala carregada de coisas desnecesárias que podia ter deixado resolvidas antes da partida.

De resto, não deixarei de gostar de ler Saramago, mesmo que isso possa não agradar a muitos cristãos, ou não cristãos, que me lêm a mim. Ser cristão é tambem, e fundamentalmente, um exercício de tolerância e gratidão. Estou grato a Saramago por ser português e por ter construido uma obra literária de que gosto e por essa obra e o seu autor terem ganho o único Nobel da literatura para Portugal. Deploro a atitude de Portugal e de alguns "eminentes" portugueses que movidos sabe-se lá porque obscuros interesses preferem ignorar e desprezar um prémio Nobel que todos os anos leva os países do mundo a envolverem-se na promoção dos seus autores visando a projecção e prestígio que isso acrescenta à  dimensão cultural e humana dos respectivos povos e à univesalidade das suas literaturas.



Jacinto Lourenço

terça-feira, 21 de junho de 2011

O Blogue do Ministro...



Tinha até hoje, nos links do meu blogue, um que ia directo ao blogue Desmitos. Este blogue pertence ao agora ministro da economia e trabalho, Álvaro Santos Pereira. A razão pela qual eu gostava de aceder ao seu blogue, era porque, mesmo sabendo que era uma voz neo-liberal e , confirma-se agora também, próxima do principal partido do novo governo, entendia necessário manter-me a par de outras opiniões e até de eventuais "desmontagens" dos estratagemas políticos do governo de José Sócates com os quais este ia "tapando o sol com a peneira". Não tenho e não virei nunca a ter qualquer filiação partidária, no que depender de mim e da minha sanidade mental; o meu grande compromisso na vida é, em primeiro lugar, com Cristo, com a minha famíla, com Portugal e com o bem-estar dos portugueses. E isso, como é bom de ver, não reduz nem coarcta em nada a minha disponibilidade e vontade de intervenção social e o exercício de cidadania, bem pelo contrária, responsabiliza-me ainda mais. 

A minha participação  nas pequenas discussões e debates políticos que se vão levantando no país, que é o meu, não passam de conversas de amigos que gostam de pensar esta velha nação europeia , o seu passado, o seu presente e o seu futuro. E isso tem ocorrido também por aqui, pelo Ab-Integro. Procurarei sempre tomar atenção a todas as vozes que se levantam no sentido de ser mais fácil a formação da minha opinião, mas nunca farei depender a mesma de qualquer ideia deste ou daquele  protagonista inscrita em qualquer corrente política ou ideológica. Mas, neste último âmbito, desconfio sempre das correntes ideológicas vindas do neo-liberalismo,  porque visam, em primeiro lugar, a defesa e instauração de regimes capitalistas normalmente mais preocupados com os seus lucros e benefícios do que propriamente com as pessoas e  o bem-estar colectivo da totalidade dos povos. Defenderei sempre linhas orientadoras que visem o bem-estar e a preocupação com as pessoas e com quem cria valor acrescentado no sentido do desenvolvimento humano que tenha em conta transformar a vida colectiva das nações sempre no sentido positivo, mesmo sabendo que há  reveses nessa caminhada.

Para que não existam quaisquer confusões que  extrapolem para processos de intenções, retiro hoje mesmo do meu blogue o link directo para a página do actual ministro Álvaro Santos Pereira. Isto não quer dizer que, mesmo desconfiando da sua "escola" neo-liberal, não continue a analisar o seu desempenho e intervenção no país nas áreas onde é responsável. Na actual situação em que se encontra Portugal, só posso desejar-lhe os maiores sucessos na sua função, e que tais sucessos sejam também os de Portugal e dos portugueses face aos dias difíceis que se seguem.


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Pedido de Salomão


A vida é feita de intermitências, não é seguida, não obedece a um projecto rígido ao contrário daquilo que tantas vezes escutamos. A vida não é uma coisa plana e pode até ser feita de íngremes e complicadas subidas e, sem que cheguemos todavia ao topo, dar-se no percurso uma repentina, perigosa e acidentada descida. Por muito bem que a desenhemos e projectemos tudo pode ir parar ao cesto dos papéis inúteis, rasgado ou amarfanhado. A melhor ciência que possamos escolher para delinear os dias que nos são dados viver, nada pode contra a sua  imponderabilidade e  repentismo. A vida é afinal uma equação com muitas incógnitas e nem nós sabemos quantas, pois uma sucede a outra como se fosse um jogo de escondidas em que ao valor do "x" se acrescentam linhas, potências, radicais e tudo com o objectivo de desafiar a nossa inteligência para superar o labirinto que se segue. Talvez porque a vida é assim, e sempre foi assim em todos os séculos que já foram vividos por pessoas com outras visões, culturas e direcções, é que o nosso pedido a Deus,  para podermos viver esta vida, devia ser como o pedido que Salomão fez. Sabedoria, Senhor, sabedoria é o que eu quero Senhor. Sabedoria para poder discernir o coração dos homens e de Deus, e as coisas complicadas que a equação dos dias nos põe à frente e perante as quais nos sentimos meninos incapazes de encontrar o valor das incógnitas que se ocultam de nós.

De que serve  revelarem-nos o resultado final da equação da vida se não tivermos a sabedoria que baste para descobrir os caminhos  de como se chega  lá ?  É por isso pertinente e relevante o pedido de Salomão. Sabedoria para viver e descobrir caminhos com que as equações  da vida nos confrontam. Tanta coisa para pedir e o novo rei pediu só sabedoria. E foi sábio, Salomão, enquanto viveu dessa sabedoria que lhe foi dada por Deus. Resolveu equações de grau elevado de dificuldade a contento do seu reino e da sua vida. E Salomão nunca deixou de ter sabedoria, o que desistiu foi de ter  a sabedoria que havia pedido a Deus. A sua própria sabedoria só lhe trouxe falta de ciência. Não mais foi capaz de resolver equações. O seu reino, a sua vida, tornaram-se um labirinto para o qual nunca encontrou uma saída. A descida, no seu percurso pessoal, foi acidentada, penosa e dolorosa. Sem a sabedoria que pedira a Deus, o projecto de vida de Salomão, foi parar ao cesto dos papéis amarfanhados e rasgados da história. 



Jacinto Lourenço  

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Cristãos ou Zumbis !?!


...O verdadeiro cristão não é um zumbi. Alguém que morreu espiritualmente e foi reanimado para continuar entre os vivos, como vivo (embora permaneça morto). Cristo não veio nos reanimar, ele veio nos ressuscitar; gerar-nos outra vez; Fazer de nós novas criaturas, Seres dotados de uma nova mentalidade para o oficio do bem.

Zumbis não tem sentimento. Não pensam criticamente, nem defendem suas convicções. Temos, como a igreja de Sardes, muitos zumbis entre nós, que não conseguem entender ainda a razão de sua existência; o propósito da manifestação do amor de Deus em favor deles. Nem sabem se foram ressuscitados ou apenas reanimados.[...]


Pensar o Meu País


De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso.

Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso, mas que vive dentro do artifício. O Alemão é uma broca ou um parafuso, mas que tem o feitio de uma broca ou de um parafuso. O Italiano é um histérico, mas que se investe da sua condição no parlapatar barato, na gritaria. O Inglês é um sujeito grave de coco, mas que assume a gravidade e o ridículo que vier nela. Nós somos sobretudo ridículos porque o não queremos parecer. A politiqueirada portuguesa é uma gentalha execranda, parlapatona, intriguista, charlatã, exibicionista, fanfarrona, de um empertigamento patarreco — e tocante de candura. Deus. É pois isto a democracia?



Vergílio Ferreira, in Conta-Corrente 2 *** via Citador

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Era uma Vez uma escola de juízes em Portugal...



"Muitos juízes são absolutamente incorruptíveis; ninguém consegue induzi-los a fazer justiça."

(B.Brecht)


Ainda me lembro dos meus dias escolares desde a infância, da escola primária ao secundário na juventude  e  anos depois a faculdade interrompida e recomeçada já adulto. Não é fácil ser estudante e menos fácil ainda ser trabalhador-estudante. É preciso muita disponibilidade, vontade, e às vezes precisar cerrar os dentes e resistir ao cansaço que nos quer levar a dizer que não conseguimos. Nem sempre as condições de vida nos permitem esse esforço, especialmente na vida adulta em que se mistura trabalho, estudo, família, filhos, etc. Mas é também por isso que tudo se torna mais  "saboroso" após concluir com sucesso cada etapa.

Cedo descobri a minha área vocacional. Apliquei-me a ela. Não tive um percurso escolar linear no sentido de começar e acabar de um fôlego e de seguida cada etapa, até pelas razões enunciadas acima. Mas tive sempre o objectivo de chegar à meta fixada. Nas aulas estava atento e tomava todos os apontamentos que conseguia para que quando estudava para testes as matérias estivessem já mais ou menos sedimentadas. Talvez por isso, nunca me assustei com quaisquer testes ou exames; não me lembro de entrar, uma vez que fosse, nervoso, para realizar uma prova, um "ponto", como  se chamava no meu tempo do secundário, ou para uma frequência. Hoje ainda me mantenho em actividade académica e continuo no mesmo registo. E isto não é por sobranceria ou "mania" de que sei tudo ou de que estivesse melhor preparado do que outros. Tinha consciência dos conhecimentos adquiridos e de que eles podiam, ou não, ser suficientes para o êxito. Nunca faltei a um teste, em nenhum grau de ensino, por não saber a matéria ou por não estar suficientemente preparado. Entrava na sala, sentava-me de imediato na primeira fila, de preferência à frente da secretária do professor, que eram lugares que ninguém queria, falava um pouquinho com o meu Senhor e isso aumentava a minha confiança e dava-me a certeza de não ser tentado a copiar por outros ou de alguém me interromper ou incomodar por querer copiar por mim. A minha escolaridade foi feita assim, com  a certeza de que não consegui resultados falseados e de que o que alcancei fica a dever-se ao meu trabalho, à minha fé, e à minha vontade, mesmo se esta última nem sempre me acompanhou, particularmente quando os meus filhos eram mais pequenos e o trabalho da minha esposa a impedia de estar em casa à noite. 

Porque é que de repente me dá para estar para aqui a falar dos meus tempos de estudante, mesmo se nunca deixei de o ser, até agora ?

Há coisas que são intoleráveis, e indignas e que deviam envergonhar o mais humilde dos cidadãos portugueses. Mas, pelos vistos, há cidadãos, supostamente responsáveis, em Portugal,  a quem a desonestidade, imoralidade e fraude não incomodam minimamente, sendo até merecedoras de prémio. Claro,  já descobriram que falo do sucedido no Centro de Estudos Judiciários em que, estudantes que terminam o seu curso naquele centro e se preparam para serem juízes, procuradores e por aí fora, foram apanhados, de forma generalizada, a copiar no exame de uma das disciplinas desse curso. Isso já seria suficientemente grave e o mínimo que se esperava era que os mesmos fossem  severamente punidos pelo facto. Enquanto estudante, no meu tempo, qualquer aluno que fosse apanhado a copiar era-lhe anulado o teste e colocado no "olho da rua". Se fosse um exame final, era "chumbo" certo e que lá voltasse no ano seguinte. Ora era isso que se esperava que tivesse acontecido no exame no Centro de Estudos Judiciários. Mas não, os que se esforçaram por estudar e saber a matéria foram penalizados com a nota mínima de 10 valores, os que copiaram foram premiados com a mesma nota. Ou seja: passaram todos,  na boa. Podem até tirar a fotografia de curso para mais tarde recordar, quanto mais não seja que deviam ter vergonha na cara, directores e alunos.  E é gente desta que vai aceder à aplicação da justiça em Portugal. E é gente desta que forma os futuros juízes. Belo exemplo para o país e para os cidadãos que têm que recorrer à justiça para que esta julgue as suas causas.

Não querendo fazer generalizações abusivas, até porque uma grande parte dos juízes dignificam a justiça e o país, a verdade é que, de futuro, quando estivermos (oxalá que não necessitemos) à frente de um qualquer juíz, vamos sempre interrogar-nos se ele é dos tais que falsificaram os resultados dos seus testes acedendo assim à sua profissão através da fraude na realização dos seus exames. Já agora, convém também interrogar que justiça é esta, por parte da direcção do CEJ,  que beneficia o infractor e penaliza quem usa de honestidade no seu desempenho escolar e académico ? cheira-me a corporativismo bafiento e da pior espécie.

Com juízes destes e escolas de juízes deste quilate estamos todos conversados sobre o que é que podemos esperar da justiça em Portugal.  Que venha a Troica, mesmo que eu não goste de estrangeiros a governarem o país !! Mas a verdade  é que já todos percebemos que de outra forma  isto não vai mudar, nunca.



Jacinto Lourenço

Recriação Virtual da Baixa de Lisboa antes de 1755

Conferências do Casino - Antero de Quental, 1871


...Fomos os Portugueses intolerantes e fanáticos dos séculos XVI, XVII e XVIII: somos agora os Portugueses indiferentes do século XIX. Por outro lado, se o poder absoluto da monarquia acabou, persiste a inércia política das populações, a necessidade (e o gosto talvez) de que as governem, persistem a centralização e o militarismo, que anulam, que reduzem ao absurdo as liberdades constitucionais. Entre o senhor rei de então, e os senhores influentes de hoje, não há tão grande diferença: para o povo é sempre a mesma a servidão. Éramos mandados, somos agora governados: os dois termos quase que se equivalem. Se a velha monarquia desapareceu, conservou-se o velho espírito monárquico: é quanto basta para não estarmos muito melhor do que nossos avós. Finalmente, do espírito guerreiro da nação conquistadora, herdámos um invencível horror ao trabalho e um íntimo desprezo pela indústria. Os netos dos conquistadores de dois mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a fortuna, ou mendigar pelas secretarias um emprego: o que não podem, sem indignidade, é trabalhar! Uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira, são coisas impróprias da nossa fidalguia. Por isso as melhores indústrias nacionais estão nas mãos dos estrangeiros, que com elas se enriquecem, e se riem das nossas pretensões. Contra o trabalho manual, sobretudo, é que é universal o preconceito: parece-nos um símbolo servil! Por ele sobem as classes democráticas em todo o mundo, e se engrandecem as nações; nós preferimos ser uma aristocracia de pobres ociosos, a ser uma democracia próspera de trabalhadores. É o fruto que colhemos duma educação secular de tradições guerreiras e enfáticas!

Dessa educação, que a nós mesmos demos durante três séculos, provêm todos os nossos males presentes. As raízes do passado rebentam por todos os lados no nosso solo: rebentam sob forma de sentimentos, de hábitos, de preconceitos. Gememos sob o peso dos erros históricos. A nossa fatalidade a nossa história[...]


Excerto do Discurso de Antero de Quental, Casino Lisbonense, Maio de 1871

quarta-feira, 15 de junho de 2011

"Debtocracy" - Parte 5 ( Ultima )

O Toque de Midas ao Contrário ou de Como fazer uma Salada Alemã...


Alfaces, rebentos de soja, restaurantes, pepinos e sabe-se lá mais o que virá...
Que é que esta salada  tem a ver com a Alemanha ?  Tudo !

Correndo o risco de poder ser acusado de má vontade contra a Alemanha, a verdade é que este país se transformou num quase rei Midas mas ao contrário. A história mitológica de Midas diz que tudo aquilo em que este tocava era imediatamente transformado em ouro. A verdade é que nos últimos tempos tudo aquilo em que a Alemanha toca corre o risco de se transformar em lixo e pesadelo. Como se já não bastasse a indefinição política dos seus responsáveis, no capítulo da gestão da crise económica que assentou arraiais na europa comunitária e que os leva a produzir afirmações irreflectidas, mesmo irresponsáveis, que só têm servido para agravar a crise na zona euro e  em particular para penalizar os países mais frágeis que dela fazem parte, os alemães conseguiram, em 15 dias, arrasar com o sector hortícola na europa  e, para não fugir à regra, entre os mais penalizados estão os países do sul. 

As atoardas que todos os dias vêm da Alemanha à volta da origem da bactéria Escherichia coli, que tem provocado algumas mortes naquele país, sem evidenciarem  qualquer rigor científico ou mera credibilidade das  pesquisas efectuadas para detectar a "bicha",  mostram ainda   a completa ausência de triagem cuidadosa da informação prestada que visasse evitar desencadear pânicos ou criar histerias colectivas desnecessárias, revelando assim  a forma como esse país encara e desrespeita os seus parceiros europeus e as respectivas populações.

À Alemanha não interessa que a sua irresponsabilidade tenha atirado para o caos a produção agrícola de uma série de países. Tão pouco interessa que os agricultores desses países possam ter graves prejuízos e falências resultantes da falsa ou destrambelhada  informação.  A Alemanha trata tudo à sua volta com a maior sobranceria e o mais gélido desprezo que lhe ocorre, como se os alemães fossem o centro do mundo e o resto fosse apenas paisagem.  A política alemã concorre com os eucaliptos na secagem do que a cerca e está apenas preocupada com o seu próprio umbigo em atitude completamente narcísica. Não ocorre aos líderes alemães que vivem num mundo globalizado e que este tem já problemas que bastem para poder dispensar perfeitamente os que a  teutónica incontinência verbal teima em acrescentar. Claro que suponho que não ocorre também à senhora Merkel vir algum dia a indeminizar justamente todos aqueles que têm sido prejudicados pelas idiotas atitudes alemãs, que configuram,  nos tempos que correm,  o toque de Midas mas ao contrário. Não ocorre também à União Europeia e ao senhor Barroso e seus "muxaxos"  a feliz ideia de obrigar a Alemanha a pagar, proporcionalmente e não pelo terço ou pela metade, os estragos que provoca à economia de alguns países. Não,  isso não ocorre ao senhor Barroso que só tem garganta para alguns países de menor dimensão económica na comunidade, inclusive o seu. Claro que eu compreendo o senhor Barroso: não lhe convém cuspir no prato onde come a sopa.

A Alemanha, depois de todos os europeus terem passado duras penas para pagarem a sua reunificação, ao sentir-se de novo na mó de cima  retribui o "favor" lançando um autêntico clima de terrorismo económico sobre os seus parceiros comunitários. O "toque de Midas" alemão está a transformar tudo em lixo e corre a própria Alemanha o risco de provocar o seu próprio estrangulamento. Midas, diz o mito, tocou na sua filha e transformou-a em ouro. Também não podia comer nem beber porque ao deitar  mão aos alimentos estes se transformavam imediatamente no vil metal.  Teve que pedir ao deus que lhe satisfez a ganância para que lhe retirasse o dom anteriormente atribuido afim de poder reparar o mal que provocara à sua filha e a si próprio.

Até quando perdurará este comportamento da Alemanha para com os países que são contribuintes líquidos do seu crescimento e desenvolvimento ?  Provavelmente até que esta União Europeia venha a implodir. Até lá, continua a comporta-se como  se fora  uma Hidra de Lerna cujo hálito matava mesmo quem dela apenas se aproximasse. Falta à União  Europeia um qualquer  Héracles que a domine e a ponha a trabalhar em prol do bem comum, do seu mas também dos seus parceiros, em lugar de a deixar continuar a  arrasar  a economia europeia.  

Jacinto Lourenço