sexta-feira, 30 de setembro de 2011

As Verdades de um Pantomineiro...





O homem que foi à BBC "confessar" que "há três anos sonhava todas as noites com uma recessão como esta para poder fazer mais dinheiro" fez hoje outra espantosa confissão: Não passa de um pequeno empresário com apenas 985 libras (1133 euros) no banco, que nos últimos quatro anos perdeu mais de 10 mil libras na bolsa.

A revelação surgiu no jornal The Telegraph de hoje. "Procuro atenção. É por isso que falo e por que aceitei ir à BBC. A bolsa para mim é apenas um hobby, não é um negócio. Mas eu gosto de falar, falo muito, e adoro a ideia de falar em público", afirmou Rastani ao jornal britânico.

Rastani talvez apenas quisesse "chamar a atenção", como diz agora, mas conseguiu muito mais do que isso. Pôs os mercados a falar sobre eles próprios e até afectou alguns governos - Elena Salgado, ministra das Finanças espanhola, disse mesmo que as suas declarações eram "imorais".

A BBC ainda não explicou como foi possível ir para 'o ar' um pequeno empresário apresentado como corretor. Mas na sua edição online alerta para outro facto: Rastani não deixa de ter razão naquilo que disse. Algo que também é argumentado pelo jornal The Guardian [...].


Diário de Notícias online
* * *


Pode não passar de um pequeno empresário, um gato pingado, um aventureiro oportunista, um chico-esperto e não ter até onde cair morto, mas uma coisa já ninguém lhe tira: os seus cinco minutos de fama, e logo na insuspeita e transnacional  BBC. Mas este pequeno fait divers mostra a completa desorientação do mundo desenvolvido para lidar com os problemas económico-sociais que tem pela frente e mostra também que os media, mesmo os supostamente mais sérios, correm atrás de factos e notícias e divulgam-nas sem antes indagarem da sua veracidade ou credibilidade. Ou seja os media actuais, na ânsia de share ou aumento de tiragens, empanturram a opinião pública com não-notícias ou não-factos que só alimentam jogos especulativos e produzem alarmismo e medo. 

Costuma dizer-se que o diabo tem as costas largas, e na maior parte das vezes é verdade, agora que ele tem muitas faces lá isso tem.  O dito Alessio Rastani pode não passar de um zé-ninguém ou de um pantomineiro, mas a BBC tinha a obrigação de ter feito essa triagem, detectar o logro e não o colocar no ar. Não o fez e empenhou a sua credibilidade jornalística.

Porém  parece que toda a gente concorda  que  Rastani  disse algumas verdades sobre este sistema capitalista selvagem em que vivemos e sobre quem é que manda num regime globalizado e de via aberta  para a completa diabolização do dinheiro e da sua utilização, que tem servido para, literalmente, destruir nações, pessoas e países e o mais que se verá ainda. 


Jacinto Lourenço   









segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Assim é Tudo mais Complicado...


Bem sei que nem sempre conseguimos uma boa explicação para tudo mas  a verdade é que há coisas que parecem ser completamente  inexplicáveis, como a letargia e falta de ambição que observamos em certas zonas do país.

Sexta-feira à noite, dez horas. Viajado metade do percurso,  tantas vezes feito,  que nos levava ao nosso destino no nordeste alentejano, saídos de terras ribatejanas e abordada a primeira sede de concelho já no alentejo,  era nossa intenção anunciada  parar,   para aconchegar o estomago, como tantas vezes fazemos num dos dois cafés-restaurantes que ali existem com um mínimo de condições para isso. Pura ilusão: o primeiro encontrava-se encerrado, sem nenhuma explicação aparente, e nem sequer era dia de folga. Andamos mais uns metros e o cenário repete-se no segundo, também sem nenhuma explicação plausível ou informação para o encerramento. A hora não era tardia, era sexta-feira à noite, uma noite de bom tempo, a vila está na rota de passagem para quem se dirige à beira ou ao alentejo nordeste, o país está em crise, o interior queixa-se do isolamento a que é votado, mas os dois cafés onde se pode comer e descontrair um pouco neste pedaço de alentejo na fronteira ribatejana acham que os passantes e potenciais clientes podem voltar outro dia qualquer; fossem mais prevenidos, trouxessem lancheira... E assim vão definhando as terras alentejanas do interior.

Segundo dia, já no destino. A brincadeira durou pouco. Após trabalho duro no dia anterior para alindar algumas coisas à volta da casa, vamos encetar a aventura de aero-modelismo. O André ofereceu-me um modelo daqueles que voam mesmo, comandados por rádio. Depois de duas ou três tentativas para fazer descolar o pequeno aparelho, lá vai ele a voar sobre a velha ponte. A expectativa da família quanto às minhas possibilidade de fazer voar o brinquedo foram satisfeitas, pena que por breves instantes. Por manifesta imperícia minha, o modelo começava a subir a pique, o que não augurava nada de bom. Um toque nos comandos, ele inverte a marcha, vem em voo picado em direcção a terra e desfaz-se em dois. Durou pouco, a minha aventura aeronáutica. E agora, o que fazemos ? Sugeri irmos  tomar um café à sede de concelho. Uma terra pequena, acastelada e com história medieval relevante para além de fronteiras concelhias consideráveis no interior alentejano. Não tem muita vida própria, a vila, comom outras do nosso alentejo,  mas possui um bom conjunto de casas senhoriais brasonadas que vale a pena olhar com detalhe. Por lá passa muita gente e pára para visitar o castelo, bonito e imponente mesmo no centro da terra, da casa de Bragança, todo remodelado e com acessibilidades para pessoas  portadoras de deficiência motora. Isto, claro, sem falar nesse outro interesse turístico maior que é o cavalo e a importante coudelaria do país onde se apura uma das melhores raças de cavalos a nível mundial.

Pois é, mas café com esplanada para usufruir da paz e da calma alentejana no amplo e aprazível centro da povoação,  é que não. É meio-dia de domingo, o dia solarengo, embora um pouco quente demais para a época, convidava. Mas não, não podemos. Pese a hora adiantada, ser domingo e a temperatura e clima estarem óptimos, nesta terra bonita e agradável do interior alentejano, isso não conta para nada e os proprietários das duas única e agradáveis esplanadas em plena praça central da vila preferem o encerramento; os turistas e passantes, ou os locais, podem esperar ou passar outro dia.

O isolamento geográfico não explica tudo o que está mal no interior de Portugal. O isolamento  das ideias, da falta de ambição de mudança de vida e a falta de atitude positiva face à realidade, esse sim pode explicar quase tudo, mesmo se medido pela simples dificuldade de se encontrar comércio aberto à sexta-feira às dez da noite ou ao domingo ao meio-dia em duas sedes de concelho, de algum relevo, separadas entre si por uma boa centena de quilómetros,  num alentejo que gostaríamos de ver mais ambicioso e atento a quem por lá passa.



Jacinto Lourenço  

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Perigoso Paradigma Monetarista


Vivemos num mundo em plena agitação motivada pelas incertezas económicas e sociais. Em Portugal,  nem mesmo a seguir ao 25 de Abril ( a Revolução dos Cravos, lembram-se...? ), senti tanta incerteza e dúvidas nas pessoas como no tempo presente. Pelo menos, nos momentos a seguir a Abril de 1974, as pessoas tinham consciência de que tinham chegado a um momento e a um desiderato pelo qual tinham aspirado durante décadas: Liberdade. Talvez por isso, sabiam o que queriam, para onde queriam ir e qual o seu objectivo: uma sociedade democrática  mais livre e justa, mesmo se só sabiam o que era isso através de exemplos que imaginavam ou conheciam de além-fronteiras.

Hoje sabemos que a liberdade é afinal um valor que só faz verdadeiramente sentido quando vem acompanhado de Paz, Justiça social e desenvolvimento cultural e humano.

No outro dia ouvia um político, que enquadrou os primeiros governos de direita, a seguir ao 25 de Abril, dizer na televisão que a única coisa que se aproveitou  dessa data e desse acontecimento de ruptura e de mudança de paradigma no país foi a Liberdade, como se ele não tivesse também ajudado à "festa"... Pensei que o melhor seria perguntar aos líderes políticos sucessivos o que fizeram afinal do resto que a Revolução dos Cravos prometera. A resposta, vinda deles, seria decididamente complexa e provavelmente perder-se-iam em explicações metafísicas ou filosóficas hegelianas antes de a encontrar. Mas nós, o povo, sabemos muito bem o que aconteceu com aquilo que Abril prometeu: Falhaço total da sociedade portuguesa em chegar aos objectivos enunciados. Culpa de quem ? De todos, mas principalmente daqueles que sucessivamente ocuparam o poder, da esquerda à direita. É que para atingir os objectivos, é preciso trabalhar, lutar e sofrer por eles, não basta enunciá-los ou gritá-los em campanha eleitoral e muito menos torpedeá-los quando se chega a governar. 

Não vou escalpelizar o semi-falhanço de Abril em Portugal quanto ao aproveitamento de uma ocasião única para mudar de vida. Tenho uma opinião sobre isso, mas não vou entrar agora por aí. O que gostaria de deixar feita era essa comparação: mesmo falhando, em Abril Portugal e os portugueses sabiam para onde queriam ir. Podiam pedir-lhes sacrifícios que eles seriam mais bem aceites e compreendidos, até com alguma naturalidade.  Mas hoje, quando nos pedem sacrifícios a compreensão para os mesmos é de difícil entendimento  já que ninguém sabe para o que servem nem onde nos conduzirão, nem mesmo aqueles que os pedem. Não há paradigma e, se há, é o do capital, o da submissão ao capitalismo e ao enriquecimento, ainda maior, de quem o representa. E a isto, governos ditos de esquerda e de direita, à vez, parecem submeter-se mesmo não sabendo onde essa submissão os leva. Será que ao menos se vai salvar a Liberdade ? Pessoalmente não tenho a certeza. Que liberdade pode haver quando há uma sumissão e uma escravização das pessoas em relação a quem as governa e que, no caso presente, é o dinheiro ?! Difícil é descobrir um caminho de justiça social num registo global em que o dinheiro e a economia monetarista comandam a vida dos homens. Talvez por isso, Paulo alertava Timóteo para os riscos implícitos no dinheiro e procurava que ele estivesse atento e alertasse o povo de que, acima do dinheiro, há outros valores de muito maior relevância na vida das pessoas: Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se trespassaram a si mesmos com muitas dores.


Jacinto Lourenço 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Bandeiras a Meia-Haste...



"...A demissão do economista-chefe do BCE, Jürgen Stark, é apenas o último gesto da oposição germânica à tentativa do BCE de impedir o colapso dos mercados de dívida da Itália e da Espanha. Contra a compra da dívida desses países no mercado secundário já ergueram as suas vozes o antigo e o actual presidente do Bundesbank e o presidente federal, Christian Wulff. O comissário europeu da energia, Guenther Oettinger, propôs até que as bandeiras dos países relapsos sejam colocadas a meia haste nos edifícios comunitários! O furor teutónico está à solta. Já não se tomam decisões na base do cálculo custo-benefício, mas com raiva. Só um milagre vindo de fora, de uma América que já não tem poder, de uma Ásia que ainda não o tem, ou de um FMI que não deve ter tempo, pode impedir o suicídio da Europa de voltar a incendiar o mundo."

Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias online




A história, pelos vistos, é uma disciplina que não é ensinada em nenhuma escola alemã de qualquer grau de ensino ou, se é, os alemães não aprendem nada com ela, a avaliar pelo percurso dos líderes e responsáveis alemães da última década.

Depois de duas guerras mundiais provocadas pela alemanha e uma reunificação, após muitos anos de partilha do seu território por soviéticos, europeus e americanos precisamente na sequência da guerra de 1939/45 com meio mundo a suportar os colossais custos de reconstrução e reunificação, não sei se há algum outro país no mundo que tenha sido tão ajudado ou que tenha sido tão beneficiado financeira, social e economicamente quanto a alemanha o foi, particularmente na segunda metade do século XX. 

É por isso que são tanto mais incompreensíveis as posições dos alemães no que concerne às dificuldades que a europa enfrenta actualmente, particularmente as suas posições que vem eivadas de ofensa implícita e radicalismo teutónico num estilo a roçar um quase neo-nazismo. 

Se os jornais e muitos jornalistas pouco responsáveis,  e ainda menos credíveis,  vão publicando umas atoardas jocosas sobre a realidade dos países europeus em dificuldade nós damos isso de barato pois sabemos que há meios de comunicação sensacionalistas que vivem dessa comédia mediática que faz vender jornais e porque, reconhecidamente,  cada um tem a pocilga que escolhe ou merece, agora se vem um comissário europeu da energia, que por sinal é alemão, propor que os países europeus em dificuldade sejam obrigados a ter a sua bandeira nacional a meia-haste nos edifícios comunitários, então o caso já não é para ser encarado de ânimo leve pois este já é um assunto sério e muito grave, particularmente porque não se trata de uma brincadeira ou de uma conversa de amigos meio bebidos à mesa duma cervejaria de Munique ou Berlim. Não, a proposta  do senhor Guenther Oettinger, assim se chama o comissário alemão, pretendia isso mesmo, a aprovação da medida nas instâncias europeias visando com efeito "envergonhar" os países com défices excessivos que, para os políticos alemães, são agora os maus da fita e os culpados de todos os males, talvez um pouco à semelhança do que aconteceu com os judeus há meia dúzia de décadas atrás...

O senhor  Oettinger talvez esteja esquecido ou nunca lhe tenham ensinado nada  da história recente,  dos últimos cerca de noventa anos, da sua alemanha natal, que foram passados a provocar sofrimento e morte na europa e, por tabela, nos estados unidos da américa e noutros locais do mundo, ou a receber ajuda económica a fundo perdido para se recuperar dos males que causou a si própria e aos outros países. Os problemas dos países europeus em dificuldade continuam a agravar-se precisamente porque a alemanha não está nesta construção europeia para construir nada a não ser a defesa dos seus interesses económicos imediatos que, ainda que sejam "legítimos", como para qualquer outro país, não se podem sobrepor aos interesses económicos e sociais da generalidade dos povos.

 A proposta do sr. Oettinger faria em primeiro lugar sentido se aplicada à alemanha já que esse país tem sido muito mais "coveiro" europeu do que "locomotiva". Só a segunda guerra mundial, despoletada pela alemanha, provocou a morte de mais de cinquenta e cinco milhões de pessoas, e os custos económicos, esses talvez nunca consigam ser apurados, tanto os da destruição como da reconstrução de que os alemães foram os principais beneficiados, sim, para não falar das vidas perdidas  porque  essas não têm preço nem aparecem em nenhuma folha de cálculo.

Sr. comissário Oettinger, se tiver lá por sua casa uma bandeira alemã, coloque-a já a meia-haste no jardim da sua casa e no Bundestag,  e terá que a manter lá durante muitos anos antes que gregos, irlandeses, portugueses, espanhóis ou italianos tenham que lhe seguir o exemplo, se é que têm... a mim não me parece que tenham.

Vergonhoso, para além do desplante, que não foi mera retórica, é que este sujeito continue a ser comissário europeu, mas também que as instâncias comunitárias se permitam não demitir de imediato pessoas que, com ideias peregrinas, estúpidas e perigosas, para poupar no vocabulário,  como esta, se mantenham nos seus altos cargos na união europeia à custa dos dinheiros e contribuições de todos os países que integram a UE.


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Momento das Decisões Difíceis...


Por razões familiares, pessoais, profissionais e pelos liames que estes círculos vão desenvolvendo ao longo da nossa vida  adiamos decisões que devíamos tomar em tempo oportuno, reconhecidamente para nosso bem, e que não tomamos antes de sermos realmente  forçados in-extremis.

Não é fácil romper relacionamentos sedimentados no tempo. Construções que duram anos são sempre dificilmente "desconstruidas" sem riscos ou sem consequências imediatas na vida de cada um de nós; mas adiar, adiar e voltar a adiar por falta de coragem não deve ser a solução a ser escolhida. As decisões que devem ser tomadas, têm que ser tomadas no momento indicado para tal, ainda que isso nos custe e nos deixe momentaneamente numa letargia que só o tempo, esse velho mestre, nos ajudará a superar. Claro que qualquer decisão que consideramos complicada deve merecer sempre muita reflexão e ponderação, aconselhamento externo ao nosso círculo, quiçá, mas isso não quer dizer que tenhamos que viver para sempre num limbo em que não sabemos qual  o sentido em que devemos seguir porque recusamos o sofrimento duma decisão difícil, mesmo que esse caminho, por vezes, até se apresente doloroso no seu início ou percurso.

Algumas das decisões mais importantes que já tive que tomar na minha vida, prenderam-se forçosamente com igreja. Sim, porque uma parte da vida significativa de qualquer cristão passa pela sua comunidade cristã e, no meu caso, foram cerca de trinta e cinco anos de vida na mesma comunidade cristã;  de comunhão, de entrega, de serviço, de partilha, de amizade, de fraternidade, de cumplicidades, etc.   Mas quando chega algum problema ou dificuldade em que são confrontados os valores e padrões cristãos que defendemos e que recebemos biblicamente  versus a  vontade dos  "poderes" que se constituiram nas comunidades ou igrejas locais e esta  não pode ser validada nem pela Palavra nem pelos valores culturais ou tradicionais, então, entre nós e esses ditos "poderes" o choque é inevitável, como foi no meu caso.

Pensamos muitas vezes que trinta e cinco anos de vida dados a uma comunidade podem eventualmente traduzir uma mais valia para a estabilidade espiritual, psicológica e emocional na nossa vida e na nossa família. As pessoas conhecem-nos, os amigos que temos, os mais próximos, os mais íntimos estão na igreja, parte da nossa família de sangue está ali também, relacionamentos e cumplicidades foram  sendo sustentados por décadas de convivência espiritual e humana. Os nossos filhos cresceram na igreja, foram inculcados dos valores que ela defende, mesmo que nós não concordemos em boa parte com eles. Mas vamos sublimando as coisas menos boas em prol de salvaguarda de um ambiente que não choque ou não "escandalize" os irmãos  mesmo que seja certo que isso nos escandalize a nós, à Palavra de Deus e à prática de uma vida cristã saudável e equilibrada. E de repente chega o dia em que, por qualquer razão, ou por um conjunto de razões acumuladas, decidimos que não é tolerável continuar numa atitude de negação dos valores cristãos, humanos e bíblicos, e é aí que descobrimos que muitos dos que se batiam connosco pelos mesmos príncipios bíblicos irrevogáveis alargam o círculo e se afastam como se nós tivéssemos sido repentinamente acometidos de lepra...

Poucos ficam ao nosso lado quando levantamos democraticamente  a voz na denúncia das situações menos claras, a vários níveis,  que subsistem na igreja e a lesam gravemente, mesmo se reconhecem estarmos cobertos de razão bíblica. É aí que descobrimos que já não há mais nada pelo qual valha a pena lutar no meio de uma comunidade que tem um comportamento de Laodiceia e que tolera   "poderes" ao estilo de Tiatira. Uma comunidade que desistiu há muito de ser Éfeso dos melhores tempos e a eles não quer ou não sabe voltar. 

É por isso que, em defesa da nossa fé, da nossa saúde mental e espiritual e da verdade bíblica, não será possível continuar mais numa comunidade com as características que alinho acima. Nada justifica já a nossa permanência em semelhante convívio mesmo se, com muita pena, deixamos para trás alguns irmãos que amamos, que amam o reino de Deus e que nos amam verdadeiramente mas que, por circunstâncias externas à sua própria vontade ali têm que permanecer. Uma comunidade de cristãos que perdeu a visão de Cristo e que deixa que se sobreponha à bíblia e aos príncipios cristãos as ordens emanadas de poderes que não os respeitam nem respeitam as pessoas nem a verdade, está condenada a desaparecer, mesmo que pense que tem o domínio de toda a "verdade" e "razão" isso não conta para nada e muito menos para o seu crescimento e permanência no reino de Deus.

Foi por tudo isto que eu tomei a decisão de romper com a comunidade onde passei trinta e cinco anos de vida, boa parte destes anos acompanhado pela minha família, esposa e filhos. São necessárias coragem e certezas se concluimos que nada mais temos ali a fazer, se a nossa comunidade não cuida dos seus membros e não zela por eles, como é que pode zelar pelos interesses do reino de Deus ? Esta é a pergunta fundamental que deve ser respondida por cada um de nós individualmente, enquanto cristãos envolvidos pelo Amor de Cristo e convictamente seguros da salvação. Uma comunidade cristã, se não serve para a edificação e elevação dos seus membros, a todos os níveis, não serve para nada. Torna-se apenas num palco para festas e eventos, e isso eu não quis para mim. Disso há muito por esse mundo fora. Igreja é outra coisa, mesmo que não seja isenta de erros e dificuldades  não deve estar apenas focada no seu próprio umbigo ou no umbigo dos que a deviam levar a pastos verdejantes mas que  se sentem melhor e mais à vontade na promoção de "solenidades e luas novas". Os seus actos, as suas atitudes, as suas mentiras e difamações deturpam e ofendem todos à sua volta e ofendem a Cristo e por isso não é aceitável uma igreja com esta matriz. Talvez por isso Deus diz através de Ageu: "Por isso os céus por cima de vós retêm o orvalho, e a terra retém os seus frutos."

Todos os dias dos últimos quatro anos penso na minha decisão de ter rompido com a minha anterior comunidade cristã, e todos os dias encontro mais uma razão para o acerto dessa decisão. Há alguma coisa que eu lamente profundamente ? Há ! Ter permanecido tanto tempo no meio do erro e tolerado tantos dislates sem ter levantado alto e bom som a minha voz, preferindo o falar baixo, preferindo submeter-me à forma de agir dessa comunidade e dos  seus "poderes" bem como permitindo que isso me fosse detruindo por dentro e à minha fé. Devia ter assumido a ruptura muitos anos antes a partir do momento em que identifiquei que as comunidades deste tipo com poderes deste tipo na sua direcção não mudam nunca, tornam-se feudos políticos sustentados e dirigidos  por gente ambiciosa que  escolheu a dedo, para seus pares,  meia dúzia de pessoas, "homens de mão", fariseus de ocasião,  que partilham ou sustentam esse desejo de quem encontrou  uma  igreja para subsistir no seu sonho de exercício de poder e protagonismo, papel  que a sociedade lhes negou  face à sua impreparação intelectual e humana para o mesmo. Infelizmente estas comunidades ainda não descobriram que já não estão no plano de Deus e continuam a deixar-se  arrastar, como cegos sem guia,  para o abismo. 


Jacinto Lourenço        

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

As Distâncias que nos Unem


Há diferenças vincadas na geografia de Portugal e começamos a perceber isso ao viajar de sul para norte logo que abordamos o nordeste alentejano e o atravessamos rumo à beira baixa. Vamos subindo e a paisagem vai tomando conta de nós e dos nossos sentimentos em relação ao que nos rodeia. A sua diversidade  influencia as vidas das pessoas económica e socialmente e as mudanças são perceptíveis à medida que os  quilómetros  viajados se vão somando.

Aproveitamos 3 dias de férias para rumar a Resende, concelho onde a cereja é rainha efémera. O destino é o douro e as suas margens luxuriantes que só tinhamos visto até então a partir dos cruzeiros a navegar no centro do rio.

Havíamos já subido muito após ladear a Guarda, os ouvidos começavam a acusar as diferenças de pressão. Chegamos a um miradouro dito de S.Cristóvão antes de iniciar a descida para Resende, mais precisamente para o lugar onde iríamos permanecer os próximos 3 dias. A paisagem é avassaladora e dominadora. Há um silêncio que se solta do meio de uma neblina e que nos encontra em estado "embasbacado" perante os vales que se afundam por entre montanhas verdes em Agosto. Percebemos melhor o país na sua realidade, e as suas gentes, quando o contemplamos desta forma: o homem em interacção com uma natureza de sonho mas bruta, inclemente e incontornável nas dificuldades que levanta à sustentação da vida. Olhamos e só podemos sentir respeito pela geografia multisecular que nos envolve mas também por quem teve que a ela se adaptar para sobreviver.

Descemos, descemos e continuamos a descer. Pouco mais de meia dúzia de quilómetros parecem não ter fim na estrada estreita que nos sufoca e testa a habilidade de condução e a mecânica da viatura. As pequenas aldeias e lugarejos vão ficando para trás, a ritmo lento, tal como as arouquesas e cabras que por aqui pastam encavalitadas nas encostas íngremes. O douro teima em esconder-se de nós apesar dos vales que parecem querer adivinhá-lo. Dou comigo a pensar que um povo e um país assim, com esta beleza e diversidade mereciam realmente um presente muito melhor e um futuro muito mais auspicioso; talvez a responsabilidade seja nossa, desta geração demasiado ocupada  a quem ainda não foi mostrado o país fantástico que somos e o privilégio que é viver e senti-lo.

Chego ao destino, após uma viagem por entre curvas e ravinas, arrumo o carro. Olho o douro que serpenteia a 50 metros do local onde fica a cama de hotel onde dormirei as duas próximas noites. Sinto-me em casa mesmo se estou a a 400 quilómetros dela.

O temporal nessa noite obrigou-me a jantar no hotel, a mim e a quase todos os hóspedes; um arroz de pato sem tempo para poder ser promovido muito mais  além de canja  face à enorme e inusitada e inesperada freguesia . Conversa de circunstância e percebo que uma das jovens funcionárias é de Cinfães, a vinte e poucos quilómetros do lugar onde se situava o seu trabalho, o hotel onde eu estava hospedado. Dizía-me que só ia a casa na sua folga semanal devido à distância... Percebi no meu regresso a casa, quando me internei de novo nas apertadas estradas, que a distância, aqui, não pode ser medida em quilómetros mas sim em tempo, o tempo que levamos para percorrer mesmo que seja uma curta distância. Percebemos então a resiliência que é preciso ter para ser português no meio de uma paisagem e de um território como este. Tirando o alcatrão e o meio de transporte, afinal os caminhos são capaz de nem ser assim tão diferentes dos que Eça aqui percorreu e assinalou em algumas das suas obras. O povo, as pessoas é que sublinharão sempre a diferença fundamental. Sim, os portugueses merecem a beleza do seu país, e saberão também que devem saber ser dignos dela com trabalho, orgulho e decisões acertadas para o seu presente e futuro.

Volto à planura alentejana onde a distância se mede em quilómetros percorridos e onde o tempo volta a ser marcado pela diversidade sociológica e geográfica, mas onde há também um povo que trava a mesma  luta nas curvas do  futuro. Mesmo se as estradas são largas e as rectas se perdem de vista nunca nada foi fácil no alentejo, bem pelo contrário, tal como no interior das beiras.


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Respeitar os Pousios da vida


Volto de novo ao convívio de quem segue com alguma frequência esta  página. Nunca como no passado mês de Agosto estive tanto tempo ausente no que concerne à actualização do meu blogue. Mas este ano, como já tive oportunidade de confessar aqui, as férias de verão foram algo diferentes. Alguns trabalhos caseiros de "construção civil" a que decidi pôr ombros impuseram escolhas. Para além do sucesso com que os tais trabalhos decorreram, mesmo se foi a primeira vez que que coloquei as mãos a semelhante tarefa, não ousarei  dizer que  o tempo em que me mantive num relativo exílio alentejano tenha sido de todo desperdiçado noutros planos da vida, bem pelo contrário. O afastamento voluntário dos meios de comunicação e do ruído da crise a que os mesmos nos têm sujeitado  de forma depressiva ultimamente, acrescido da ocupação mental, psicológica e espiritual envolvidas por um  outro contexto geográfico e humano soube-me muito bem, mesmo que  pontualmente os "trabalhos manuais" a que me dedicava fossem  interrompidos pelo monótono canto das rolas que pululam às dezenas nos campos do alentejo onde decidem, ao arrepio das leis migratórias, manter-se todo o ano ( já nada é como dantes... ), pelo canto do galo, o cacarejar das galinhas, o grasnar dos melros, também em hordas por aquelas bandas como nunca se viu em  anos mais atrasados. Sim mesmo com toda esta bicharada por vizinhança,  este tempo representou uma certa terapia natural  em que o contacto humano praticamente se resumia à saudação do vizinho do quintal do lado esgueirado por sobre o muro a avaliar o andamento dos trabalhos ou, quiçá, a observar, desconfiado das novas competências que me desconhecia; no fim rendeu-se à minha plasticidade rústica para o duro trabalho construtivo desenvolvido.

Para além das marcas de desgaste físico evidentes e de umas quantas "amolgadelas" a que chamarei "ossos do ofício", julgo poder concluir que me soube a pouco este "tempo trabalhoso"; talvez por isso deixei mesmo prometido repetir a breve trecho, até porque agora a experiência já é outra...

 Foi fantástico não ter que ouvir, ver ou ler os agouros do costume que são lançados sobre o país, a europa, o mundo e sobre as populações dos países mais debilitados económica e socialmente. Não, não fiz o papel da avestruz, mas que foi fantástico não ser massacrado todos os dias pelas variações sobre o mesmo tema dos media, lá isso foi. Deu para limpar a cabeça e o coração e reflectir sobre muitas outras coisas importantes da vida.

Às vezes precisamos deste "silêncio" e deste breve isolamento para olharmos mais além, por cima da barreira dos problemas que se levantam à volta, para perceber que tudo tem um propósito e de tudo se retiram lições de vida. Lembrei-me de Elias e do quanto ele aprendeu em solidão e isolamento visitado apenas por umas aves, conotadas normalmente com imagens pouco positivas, longe de tudo e de todos, mas contando com o olhar de Deus a repousar sobre si e a conduzir a sua vida. Sim o silêncio e o breve isolamento que nos afaste dos contexto habituais, podem ser fundamentais para o nosso trajecto pessoal e cristão.

De resto, cá estaremos para continuar a caminhar, mesmo que, como dizia Habacuque na sua oração, "o fruto da oliveira minta", respeitando os silêncios e os isolamentos necessários ao ao pousio e ressurgimento da vida.


Jacinto Lourenço

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O Trabalho que Dignifica




Em  anos anteriores tinha sido diferente. Mas este ano aconteceu assim. Nas férias de verão estou com muito pouco tempo para escrever e actualizar o Ab Integro. Talvez porque nos anos anteriores as férias foram diferentes e o lazer tinha prioridade nas minhas actividades de veraneio. Este ano não. Havia trabalho para fazer e vontade de poupar uns euros para o realizar mesmo se nunca nos tinhamos desafiado a semelhante tarefa. As últimas três semanas foram passadas em "reclusão" no alentejo profundo a tentar não defraudar as melhores intenções que nos moviam. A coisa resultou bem mesmo se tivémos que suportar durante muitos dias temperaturas a roçar os quarenta graus. Foram litros e litros de água e outras bebidas frescas que tínhamos à mão. "Borregas" nas mãos, como se diz no alentejo, ou "bolhas", como se diz na cidade; corpo dorido porque mal habituado a estas andanças de trabalho duro de construção mas imenso gozo pessoal por ter atingido com sucesso o objectivo. Isto, claro, para além de uns quilinhos que de outra forma não seria possível serem perdidos.

O trabalho, quando os seus objectivos são claros, motivadores e recompensadores,  realiza-nos, anima-nos e fortalece-nos. Julgo que nada retira mais força anímica, psicológica e moral  a  qualquer pessoa do que não ter uma ocupação, um trabalho recompensador quer materialmente quer psicologicamente e  que lhe transmita a perene certeza de que é útil à sociedade em que se insere e a si próprio.

Fala-se hoje muito de formação profissional e académica, mas a questão mais candente é a de que a essa formação correspondam oportunidades reais de ocupação em linha com as capacidades das pessoas e o tempo, motivação e dinheiro investidos por elas. Aquilo a que assistimos actualmente no mundo, e particularmete nos países desenvolvidos,  é preocupante a vários níveis; formar gente, dar-lhe competências elevadas e depois não preparar a economia para dar respostas consequentes transforma-se num drama que terá consequências que nem sequer conseguimos ainda imaginar, e todos os cenários de conflitualidade político-social são de admitir. Não será possível a existência de sociedades sadias e que sustentem o bem-estar das populações onde uma larga fatia destas sobrevive sem trabalho, a cargo do estado, das famílias, das instituições. Lentamente, esses milhões de pessoas irão perder a sua auto-estima e a vontade de investirem em si próprios e no futuro das famílias e das sociedades. Os sinais dessa degradação social vão ocorrendo um pouco por todo o lado e não adianta dizer que eles resultam apenas de má educação, crime, ou de gente demasiado mimada e protegida pelos governos dos países. Quando as pessoas trabalham e o seu trabalho é reconhecido e recompensado justamente, a saúde social aumenta e os problemas diminuem. Marginalidade e criminalidade é uma outra história e que é opção de quem não quer ter outras opções mesmo se elas existirem à sua disposição. Sim, o trabalho e a ocupação serão sempre recompensadores, menos quando estes são vistos e encarados pelos governos como penalidades para os que não têm nem conseguem emcontrar um trabalho. As políticas neo-liberais, em praticamente todo o mundo, na aplicação ao mundo do trabalho só conseguiram produzir menos trabalho para menos gente, mais exploração, menos interesse pelo trabalho e mais conflitualidade social. Duvido que em Portugal vá ser diferente.

Jacinto Lourenço  

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Humor Judaico - Os Dez Mandamentos...




Deus perguntou aos Gregos:- Vocês querem um mandamento?
- Qual seria o mandamento, Senhor?
- Não matarás!
- Não, obrigado. Isso interromperia a nossa sequência de conquistas.

Então Deus perguntou aos Egípcios: - Vocês querem um mandamento?
- Qual seria o mandamento?
- Não cometerás adultério!
- Não obrigado, isso arruinaria os nossos fins de semana!

Deus perguntou então aos Assírios: - Vocês querem um mandamento?
- Qual seria o mandamento?
- Não roubarás!
- Não obrigado, isso arruinaria a nossa economia!

E assim, Deus foi perguntando a todos os povos, até chegar aos Judeus:
 - Vocês querem um mandamento?
- Quanto custa?
- É de graça.
- Então manda dez.


Fonte: Por Terras de Sefarad

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Montemor-o-Novo: Epicentro de Viragem no Portugal Quatrocentista


Montemor-o-Novo representou no século XV não apenas um importante ponto de passagem obrigatório na estrada que ligava Lisboa e Santarém a Évora, povoações de primeira grandeza medieval no reino e particularmente na zona sul do país; a vila acabaria por se tornar, por inegável consequência disso, em relevante ponto de paragem e estadia mais ou menos prolongada para reis, fidalgos, senhores para além de outra gente que gravitava em torno da corte e da nobreza. Mesmo não revelando uma grandeza urbanística significativa nem uma dimensão comparável às da vizinha Évora, por exemplo, quer em termos populacionais ou das habitações construídas intra-muros, o posicionamento geográfico de Montemor-o-Novo acabaria por se mostrar determinante no papel que a história lhe reservou antes, e durante o século XV. Como é evidente, e apesar de uma notada tendência de desertificação populacional da Cerca da vila, cujos moradores eram aliciados por um Termo que prometia actividade económica muito mais pródiga e lucrativa, particularmente no capítulo da agricultura, Montemor-o-Novo continuou a fazer sempre parte integrante, ao longo de todo o século XV, da vida política nacional e de todos os jogos político-sociais que nesse âmbito iam marcando o pulsar do reino.

Durante todo o século XV a história de Montemor-o-Novo é marcada e pautada por cinco importantes reinados saídos da geração de Avis: D.João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II bem como ainda os primeiros anos de reinado de D. Manuel I, sem esquecer, é claro, a regência do Infante D. Pedro, no período abrangido pela menoridade de D. Afonso V.
Teve Montemor-o-Novo, como outros municípios, momentos de maior relevância e/ou apagamento. De um ponto de vista lato pode dizer-se que Montemor-o-Novo não estando  no “olho do furacão” esteve porém extremamente envolvido no turbilhão da história Portuguesa no século que encerrou a época medieval portuguesa.

Se tivéssemos que isolar um facto marcante, em definitivo, para a vida do concelho de Montemor-o-Novo, e até de Portugal, no período em estudo, escolheríamos o acontecimento mais dramático representado no degredo e posterior fuga para Castela do donatário e Marquês de Montemor, D.João, irmão de D. Fernando Duque de Bragança, bem como a morte deste último, ambos os factos ordenados por D.João II que pretendia com isto “dizer ao que vinha” e inaugurar uma nova época de retoma política e administrativa do reino por parte da coroa e que estava a ser contestada pelos grandes senhores de Portugal. Este facto representa, uma viragem dramática na orientação do reino muito desejada por D. João II e que ao desferir rude golpe no Duque de Bragança, na sua família e no seu vastíssimo património económico, militar e territorial, dava assim um sinal importante para o reino e os seus mais importantes senhores sobre qual era o seu projecto político para Portugal. Montemor-o-Novo foi palco privilegiado dessa exibição da visão e esperteza política de D.João II e da sua aplicação prática  que levariam  Portugal  ao fausto dos descobrimentos e do grande incremento de  todas as ciências a estes ligadas bem como a alcandorar-se como grande potêncial mundial dos mares e do comércio ultramarino. Uma grande gesta para um pequeno povo. 

Mesmo que não se goste de homens providenciais, há-de reconhecer-se esse papel em D. João II na afirmação do reino de Portugal feita em parte com o combate feroz ao até então domínio senhorial do país pela grande nobreza senhorial e pelo poder esmagador da Casa de Bragança.  A Montemor-o-Novo há-de creditar-se o facto de ter sido palco de uma das maiores viragens positivas da história de um país.  


Jacinto Lourenço

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Crónica de uma Morte Anunciada


Diz-me a comunicação social que Amy Winehouse morreu devido a uma overdose e que esse desfecho seria mais ou menos previsível devido ao estilo de vida que escolhera para si própria.
Só comecei a ouvir falar de Winehouse à coisa de 3 para 4 anos. Não sou grande melómano, como é bom de ver, caso contrário já teria ouvido falar da cantora há mais tempo. O conhecimento com que fiquei dela é aliás mais focado no seu comportamento, no ambiente dentro e fora dos concertos, do que propriamente na sua música. Lamento profundamente que aos vinte e sete anos de idade  ela tenha partido da vida imaginando que o melhor que esta teria para lhe oferecer se resumia   apenas a drogas e alcool. O seu percurso parece-me saido de uma escolha pessoal, mais do que de influências externas, por muito peso que estas possam eventualmente ter tido nas suas opções.

Não pretendo aqui trazer lições de duvidoso moralismo, até porque a ideia que me ficou após a sua morte, pela postura dos seus amigos e familiares  foi precisamente a de que esta seria uma morte esperada e anunciada. Mas não posso deixar de registar que  um ser humano, no auge de uma vida jovem, plena de fama e  sucesso profissional não encontre nada melhor para escolher do que as drogas e o alcool. Que estranha forma de vida, diz a letra de um fado. Que estranha forma de viver uma vida.

Não sei se no caso de Amy Winehouse se pode aplicar aquela velha máxima de que "uma pessoa é ela e as suas circunstâncias" ; quero acreditar que não. Não há nenhuma circunstância  que nos possa obrigar ao estilo de vida da cantora em causa, especialmente quando se sabe onde ele nos pode levar. É por isso que me parece que Amy Winehouse fez uma escolha voluntária e isso pode ser ainda mais intrigante; porquê essa escolha ?!

Independentemente das escolhas dos famosos ( boas ou más ), não podemos iludir o facto de que elas terão influência nas gerações suas contemporâneas. Mas não podemos deixar de procurar também, enquanto cristãos, de mostrar que há escolhas que nos levarão sempre por caminhos potencialmente perigosos, mesmo se vivemos num mundo em que tudo é relativizavel, até a morte.

Amy faz parte de um grupo mais ou menos restrito de cantores e músicos famosos que trilhou o mesmo caminho minado, um caminho largo onde tudo é consentido, até a morte calculada, e isso só significa que o culto da fama e do sucesso não pode substituir-se ao culto da vida. A vida é uma oportunidade única que nos foi oferecida e que deve ser vivida usufruindo em pleno da felicidade e responsabilidade existente em cada minuto da mesma.


Jacinto Lourenço

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Nostalgia do meu Agosto



Hoje é segunda-feira de um novo mês de Agosto. Já passaram pela minha vida mais Agostos do que eu gostaria que tivessem passado, mas apesar disso, não enjeito nenhum dos que por mim passaram.
Há alguns anos atrás, Agosto surgia no calendário como mês de férias por excelência, sempre um mês de férias seguidas. As empresas fechavam portas, o parque escolar idem dando oportunidade a trabalhadores, famílias e portugueses em geral a usufruir de um mês inteirinho longe das actividades de um ano de trabalho. Praia, campo, aldeia, destinos mais próximos ou mais distantes, tudo era uma surpresa e uma vertigem constante de novas aventuras e descobertas de verão mesmo se não havia dinheiro para restaurantes e menos ainda para viagens ao estrangeiro, isso já era para gente de outro estatuto num tempo em que à classe média se dava o nome de pobres e os outros, os que podiam ir para o estrangeiro, eram os ricos.

Confrontado com o meu Agosto de 2011, constato como perdi entretanto qualidade de vida. Em lugar da praia no Algarve e alojamento num parque de campismo ou em apartamento, estou confinado à necessidade de aplicar a maior parte do mês numas obras de reconfiguração do espaço livre da casa da aldeia. Poupa-se na mão de obra mas gasta-se o físico que deveria estar a recompor-se algures numa praia algarvia. Sei que lá mais para a frente surgirão outras compensações alternativas à praia que não tive em Agosto. Por estranho que pareça, sinto a nostalgia do cheiro das águas cálidas do sul onde não rumarei este ano mesmo se nos últimos anos os ares do sul algarvio não eram muito consensuais para mim. Talvez porque sempre me habituei a ir de carro cheio ( somos uma família de cinco lá em casa ) e isso já deixou de acontecer de há dois ou três anos para cá; Ou talvez porque as férias a dois precisem ser repensadas e ajustadas a uma realidade familiar diferente e a um Agosto que já não tem a mesma graça do Agosto de 30 dias seguidos de há uns anos atrás, ou porventura porque as férias em Agosto já não têm o mesmo sabor de quando éramos todos mais felizes nas águas quentes do pós-levante algarvio.

Jacinto Lourenço

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Os Ricos estão cada Vez Mais Ricos...Os Pobres, esses, Pagam a Crise !



Em todos os processos de ajustamento económico e financeiro, é a massa dos trabalhadores - sobretudo os por conta de outrem - quem mais paga os seus custos. Não pode deixar de ser assim, devido à implacável lei dos grandes números. Se o que se pretende é travar o consumo das famílias, que representa 67% do produto interno bruto (PIB) do País, isso significa aperto do cinto em rendimento disponível ou em poder de compra real para a grande maioria dos portugueses, constituída pelos pobres e os remediados. E, mesmo quando estes não são tocados por medidas extraordinárias, como a sobretaxa do IRS, acabam por ver cerceado o seu nível de vida com subidas muito altas dos preços de bens essenciais, como os dos passes sociais dos transportes públicos, dos medicamentos, da electricidade ou da água.

O reforço da poupança é desejável e necessário, pelo que é aconselhável actuar com prudência quanto à taxação das poupanças que, aliás, envolvem, em menor ou maior grau, boa parte da população. Mas é difícil de perceber para muitos portugueses que os rendimentos correntes provenientes dos lucros distribuídos pelas empresas não participem equitativamente no esforço de ajustamento, que se proclama nacional.
A revista Exame actualiza hoje o valor das 25 maiores fortunas do País. Em conjunto, elas montam a 17 400 milhões de euros (equivalentes a 10,1% do PIB) e cresceram, entre 2010 e 2011, 17,8%, ou seja, 2630 milhões de euros - o equivalente ao rendimento médio de 210 mil portugueses. É certo que o grosso desta valorização provém das cotações dos seus patrimónios empresariais. Mas note-se que só o contributo de 3,5% deste acréscimo de 25 fortunas renderia 92 milhões de euros ao Estado. O Governo, porém, exige-lhes zero e não se ouve uma só voz entre os 25 portugueses mais afortunados a exortar os seus pares a contribuir patrioticamente para o esforçadíssimo programa nacional de estabilização.

Nos tempos da Administração liderada por George W. Bush, deu brado o célebre manifesto de um conjunto de bilionários americanos (incluindo Warren Buffett e Bill Gates, os dois mais ricos do país) recusando a prorrogação de isenções fiscais em seu próprio benefício, numa situação difícil das contas dos Estados Unidos, a braços com duas guerras em curso no estrangeiro. Entre os nossos muitíssimo ricos, a importância de um sinal dado ao País, de que a solidariedade nacional devia tocar, de facto, a todos, ainda está por acontecer.


quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Pele que Habitamos


Olhemos-nos corajosamente, todos nós, homens e mulheres de Portugal, de frente, sem os risos e os olhares tolos – quase infantis – com que aprendemos a mirar o mundo para disfarçar a nossa abissal ignorância das coisas, porque tudo tornámos ligeiro em nós. Interroguemos-nos seriamente, como gente adulta: vivemos bem connosco, vivemos bem na nossa pele? O mal estar que nos assalta continuamente é natural? Este jeito infantil de vivermos, sem abraçarmos causas, movidos apenas por um primitivo e animal desejo de sobrevivência, é natural?

Desprezámos há muito o saber, e os homens e as mulheres que amam o saber. Temos o sol e um vasto oceano que nos cerca, e de luz baça e de espuma fizemos a nossa vida colectiva. Queremos todos viver para o sol e para o mar, esquecidos que há mais, muito mais que o saboroso sol e o revigorante mar. As morsas e as focas, deitadas sobre a banha acumulada, também vivem para saborear o sol e o mar… mas elas nada mais têm. Nós somos homens e mulheres, e aprendemos a olhar as coisas, para além do sol que nos aquece e do mar que nos alimenta. Pelo menos deveríamos ter aprendido…

Não nos amamos como povo, nem sabemos sequer o que isso é. Não amamos aquilo que realizámos e que realizamos todos os dias. Não construímos porque preferirmos mil vezes suar ao sol, frente ao mar, do que suar pelo nosso trabalho. Sabedoria, sim temo-la, e em excesso. Procuramo-la todos os dias, não nos livros, mas no fundo das canecas de cerveja. Nós, Portugueses, odiamos livros e mais odiamos quem os lê. E que ninguém diga que não é assim, porque mente. Ler é uma obrigação, a pior de todas, nunca um prazer.

Fomos assim forjados, há 500 anos, quando a Inquisição nos tornou a todos espiões dos homens que liam. Fugimos todos da cultura para fugirmos dos ferros e do fogo. E escondemos-nos todos dentro da nossa pele, a pele do nosso imenso medo. Cristãos-velhos denunciavam cristãos-novos e cristãos-velhos, por invejas ou por ódios. Cristãos-novos apressavam-se a denunciar outros cristãos-novos, antes que alguém os denunciasse. E os homens nunca mais foram livres, e todos nos tornámos polícias de todos, e os livros foram todos queimados, e as velas nunca mais se acenderam à sexta-feira, e as mãos e os corpos deixaram de se lavar. A brutalidade instalava-se na velha Luzidanya.

Somos nós, Portugueses, estranhíssimas criaturas. Dentro de nós habitam velhos-cristãos e velhos-judeus. Muitos, a esmagadora maioria, não conhece a origem do seu sangue, e é hoje cristã de corpo e alma, porque pensa que sempre assim foi. Outros, incomodados na sua pele, passam indiferentes diante das igrejas e das capelas, sem saber porquê. Ali foram baptizados, ali casaram, ali baptizaram os filhos. Mas dentro deles não se acende nenhuma Luz, porque aquela não é a sua casa. Eles não sabem, mas sentem. Ainda há medo na sua pele. Ainda não reencontraram o seu caminho. Mas começam a dar os seus primeiros passos. Logo estarão em movimento.

 
Via Por Terras de Sefarad

terça-feira, 26 de julho de 2011

Os Meus Avós


Se há dia que eu considero, até por razões pessoais, que deva ser celebrado, é o "Dia dos Avós", e por duas ou três questões fundamentais.
Vive-se hoje numa sociedade em que o papel da família tende a esbater-se. Em que pai e mãe trabalham, ( quando trabalham...) e em que os avós, ao invés de serem encarados como elementos enraízadores da família, são antes vistos como um peso que se despeja num qualquer lar ao virar da esquina, sendo que as razões economicistas da escolha desse lar se sobrepõem às razões de qualidade de vida e humanidade com que os idosos devem ser tratados. Todos os dias os meios de comunicação nos dão notícia do desprezo e ausência de sensibilidade humana mínima a que são votados muitos idosos, quer por quem os acolhe, quer pelas famílias que se "esquecem", literalmente, dos seus familiares, passando-se por vezes anos sem que os visitem nos lares de acolhimento, e havendo mesmo milhares de casos conhecidos em que familiares internam nos hospitais do estado os seus idosos com o claro objectivo de nunca mais de lá os quererem retirar. É dramático e chocante, e diria até, criminoso, assistir a isto.
Não quero nem devo iludir o facto de que em muitos casos os filhos não têm outra alternativa ao internamento dos pais em lares. Mas se  têm que o fazer, devem fazê-lo com a dignidade, humanidade e respeito que aqueles  merecem, quanto mais não seja, porque se sacrificaram, ao longo de uma vida, por proporcionar aos filhos a qualidade de vida e educação que eles próprios, na maioria dos casos, nunca tiveram. Felizmente, identifico muitos casos em que filhos e famílias cuidam e integram no seio familiar, de maneira extremosa, os seus pais e avós, bem como lares que são, independentemente dos preços cobrados, escolas de humanidade.
Há umas décadas atrás, os idosos eram encarados como um valor importante no seio familiar. Um esteio, um factor de transmissão de valores, padrões de vida  e conhecimentos; elementos cuidadores e ensinadores das gerações mais jovens. Nas sociedades mais primitivas sempre houve esse olhar sobre os mais velhos. Nas sociedades modernas parece que, afinal, nada disso é já importante e os idosos são olhados como desnecessários e completamente descartáveis.
A minha experiência pessoal é a de quem foi criado e educado pelos avós a partir dos seis anos de idade. Dou graças a Deus porque o amor que os meus avós e a minha família me dedicaram, não permitiu que eu sentisse grandemente a ausência dos pais. Foi-me consagrado pelos meus avós, o mesmo amor e cuidado que já tinham dedicado aos seus filhos. Numa determinada altura, eu senti-me mesmo como um pequeno "príncipe" no meio de tantos cuidados e afectos que me eram dispensados. Devo muito aos meus avós. Sei que a sua vida teria sido um pouco diferente se não tivessem que, depois de criados sete filhos, terem que criar e educar ainda  um neto. Não me consta que alguma vez se tenham queixado desse facto. E tenho a certeza de que muitas vezes tiveram razões para isso, em especial porque o seu relacionamento, em busca do melhor para mim, com os meus pais, não foi fácil, ou mesmo porque a minha entrada na adolescência e fase inicial da juventude também lhes não facilitou a vida.
Dos meus avós, não me lembro de alguma vez ter recebido um açoite ( e se recebesse teria sido provavelmente merecido, porque como também diz o adágio, "quem dá o pão, dá a educação" ), apenas cuidado e carinho. Lamento que tivessem partido cedo, que eu não tivesse usufruido, por mais tempo, da sua companhia.
Não me lembro de quantos brinquedos me compraram, provavelmente poucos - na minha geração as crianças eram, na generalidade, quem fabricava os seus próprios brinquedos -  mas lembro o amor que me dedicaram, os meus avós, enquanto viveram.
Hoje, na certeza de que os avós devem voltar a ser encarados como um valor seguro de enraizamento familiar e como cuidadores preferenciais dos netos, deixo aqui esta homenagem pública aos meus avós maternos, Gertrudes Serra e José Lourenço,  e a tudo aquilo que ao fim de muitos anos ainda representam para mim, mesmo estando ausentes fisicamente.


Jacinto Lourenço