terça-feira, 6 de novembro de 2012

Os Judeus em Sefarad



...A palavra, o topónimo Sefarad, surge em Abdias, no versículo 20, e veio a ter grande impacto na cultura judaica, pelo menos até ao século XIX. Vejamos o contexto das palavras do profeta:



“Os deportados deste exército,
Os filhos de Israel
Ocuparão as terras dos cananeus até Serepta
Os deportados de Jerusalém
Que estão em Sefarad
Possuirão as cidades de Négueb.”



Abdias, um dos chamados Profetas Menores, pelo escasso tamanho do seu texto, 21 versículos apenas, deve ter escrito depois de 586 a.C., isto é, posteriormente à destruição de Jerusalém, na época de Nabucodonosor.
Desde muito cedo, não sabemos quando, esta realidade designada por “Sefarad” foi identificada com a Península Ibérica. Não podemos saber desde quando, de facto, existiram judeus no território peninsular, mas podemos dizer, com certo grau de verosimilhança, que isso terá acontecido muito cedo, logicamente antes do domínio  romano, aquando da grande expansão comercial dos fenícios.
Mas mais que "Sefarad", a palavra "Hispânia" também nos pode revelar alguns aspectos interessantes. De facto, a palavra pode ter origem semita, de cariz fortemente comercial, podendo ter designado “ilha/costa do Norte” ou “ilha/costa dos metais”.
O Périplo de Hanão, escrito no século V a.C., é uma das fontes mais ricas e mais interessantes para a análise da capacidade de navegação, mobilidade e domínio dos mares por parte dos Fenícios, cultura bastante semelhante e geograficamente contígua ao espaço tradicionalmente atribuído a Israel. Neste contexto, que trata uma viagem fenícia para além das Colunas de Hércules, vemos como seria a navegação para o Atlântico.
Contudo, arqueologicamente, pouco podemos dizer sobre essa antiguidade. Mas temos indicadores que nos falam bem alto. O Antigo Testamento fala-nos de uma sociedade significativamente ligada ao comércio, com as características essenciais de uma sociedade fundada na economia de troca. Assim encontramos nos alvores do mundo dos reinos de Judá e de Israel , nomeadamente no que respeita a todo o tempo dos patriarcas, todo o mundo de semi-nomadismo, as famílias de Abraão, Isaac e Jacob, mas também de José e a sua célebre venda como escravo para o Egipto.
Esses tempos, mergulhados na incerteza das datações, mas remetidos para meados do segundo milénio antes de Cristo, levam-nos a um mundo em tudo diferente do urbano. Um espaço largo, onde as pastagens dimensionavam o horizonte, e onde a troca de víveres era a base da economia fechada de cada grupo humano, de cada família alargada, de cada tribo. Não será por acaso que a organização em tribos se manteve até tarde no imaginário de Israel.
No fundo, e esta generalização quase se pode fazer para todo o mundo semita, Israel tem na sua base identitária, que lhe formulou radicalmente tanto a religião como a sociedade, uma estrutura seminómada onde o elemento tribal e de caravaneirismo é fulcral. De que se podem fazer valer os grupos familiares que pastam o seu gado de pastagem em pastagem, senão vender parte dele de tempos a tempos?
Este horizonte familiar mas, ao mesmo tempo, difuso no espaço, nunca mais o judaísmo o iria perder. No que respeita ao primeiro aspecto, a malha familiar será sempre base de organização dos negócios, sempre de matriz familiar, mesmo quando internacionais. No que respeita ao segundo aspecto, a forma difusa de organização e confinação no espaço, será a própria história a fazer prevalecer este sobre os outros aspectos.
Realmente, desde tempos muito recuados que os judeus trilharam caminhos de fuga, de desvio, de êxodo e de exílio. Desde, pelo menos, os séculos IX/VIII a.C. que comunidades de proto-judeus devem ter acompanhado os fenícios no estabelecimento e desenvolvimento de linhas comerciais com toda a bacia do mediterrâneo, incluindo a Península Ibérica. Desde essa data, mas com especial desenvolvimento desde as conquistas de Alexandre, e depois com o domínio intolerante dos Antíocos, que se espalharam comunidades organizadas de judeus no Norte do Egipto, na Grécia, nas costas da Península Itálica, na Ibéria, podendo mesmo ter chegado ao Vale do Indo, criando hoje uma milenar forma de estar no mundo fundada nessa mesma dispersão das comunidades.
O que fora uma terrível perda de ligação efectiva ao centro do mundo religioso, ao Templo de Jerusalém, foi desde cedo compensado pela criação de laços inter-comunais. Há mais de dois mil anos, um judeu que se lançasse num qualquer negócio, poderia ter a quase certeza de, em qualquer metrópole mediterrânea, encontrar um parceiro, também ele judeu, com quem tratar. Desde esses assentamentos fenícios que os hebreus chegaram ao território actualmente português.[...]

Paulo Mendes Pinto

Em Grandes Enigmas da História de Portugal, Vol. I – da pré-história ao século XV, da Editora Ésquilo
Ler texto integral AQUI no Blogue Por Terras de Sefarad