(Camille Pissarro - As Lavadeiras)
António Gabriel Pissarro. Pelos anos de 1747, na cidade de Bragança impunha-se uma florescente e laboriosa geração de cristãos-novos. Do ponto de vista da economia, nunca como então crescera o fabrico e o comércio das sedas, com a Rua Direita transformada em um autêntico formigueiro de micro e, pequenas unidades industriais, extraordinariamente competitivas e geradoras de riqueza. No seio dessa comunidade, brilhou a estrela de António Gabriel Pissarro. A ponto de um seu contemporâneo ter proferido o seguinte testemunho:
- Acorriam a ele como a pai!
Nascido em 1716, era filho de Pedro Álvares Pissarro e Luzia Nunes, que ambos conheceram as prisões do santo ofício, sendo ele acusado de ser dogmatista e rabi. Em Bragança fez António os estudos preparatórios no colégio dos Jesuítas, posto o que ingressou na universidade de Coimbra onde se licenciou em direito. Regressado a Bragança, abriu um escritório de advogado, assim iniciando uma brilhante carreira.
Na terra, havia mais de uma dúzia de advogados e padres formados em cânones, que nesses tempos existia uma ligação muito grande entre as varas judiciais eclesiásticas e civis. E uma grande parte desses profissionais juntou-se na promoção de um processo perante o juiz de fora da cidade, visando impedir o dr. António Pissarro de exercer a sua profissão nos tribunais da comarca, baseados em argumentos de natureza ética. Parece que o instigador dessa demanda e da campanha de contestação ao dr. Pissarro foi o padre/advogado António Carlos Vilas Boas que tinha sido seu colega na universidade de Coimbra e em Bragança conseguiu o estratégico emprego de notário do fisco e do santo ofício, por ele passando o registo de todas as penhoras e confiscos de bens aos processados pela inquisição. Se bem que perdessem o processo no juízo de Bragança, os inimigos de Pissarro recorreram para a Relação do Porto, onde voltaram a perder e foram condenados a pagar as custas. E a aura do nosso advogado mais cresceu, medrando em paralelo as invejas e os ódios recalcados. E fatal seria que acabasse preso pela inquisição, acusado não apenas de práticas judaicas mas ainda de ser, tal como o pai, entretanto falecido, o rabi da sinagoga que os “judeus” de Bragança faziam em casa de António Rodrigues Gabriel, seu parente.
Não vamos aqui falar do seu processo. Apenas diremos que foram dois longos anos de sofrimento. E uma nota interessante: em sua defesa, acorreu o comissário da inquisição de Bragança, padre Morais Antas, que fez uma informação para Coimbra falando das invejas do padre Vilas Boas e outros e que a acusação partia apenas do facto de o dr. Pissarro ser de origem hebreia e não de qualquer infracção às leis da igreja.
Finalmente, refira-se que na família deste ilustre advogado de Bragança viria a nascer, em 1831, em St. Tomas, uma das Antilhas, um dos maiores pintores do século XIX, aquele a quem Henry Matisse chamava o “Moisés da pintura contemporânea” e acerca de quem Paul Cézanne dizia:
- Todos descendemos de Pissarro!
Estamos falando, naturalmente, de Camille Pizarro, o famoso mestre do impressionismo que faleceu em Paris em 1903.
António Júlio Andrade
in Por Terras de Sefarad