Os liberais por não estarem unidos e devido a algumas medidas tomadas contra a nobreza e o clero, bem como a independência do Brasil, precipitaram o pais num clima de instabilidade que provocou muito descontentamento. Por tudo isto foi fácil aos absolutistas pegar em armas e proclamar a restauração do Absolutismo, em Vila Franca de Xira. Foi a Vilafrancada em 27 de Maio de 1823. Na proclamação de D. Miguel, que a seguir se transcreve, podem encontrar-se todos os motivos que o levavam a assumir a liderança do movimento: o rei ultrajado, transformado num «fantasma» sem poder efectivo, os membros da nobreza e clero atacados nos seus direitos e regalias, etc.
"A força dos males nacionais, já sem limites, não me deixou escolher: a honra não me permitiu ver por mais tempo em vergonhosa inércia a majestade real, ultrajada e feita ludíbrio dos facciosos, todas as classes da nação com diabólico estudo deprimidas, e todos nós o desprezo da Europa e do mundo, por um sofrimento que passaria a cobardia; e em lugar dos primitivos direitos nacionais que vos prometeram recobrar em 24 de Agosto de 1820, deram-vos a sua ruína, o rei reduzido a um mero fantasma; a magistratura diáriamente despojada e ultrajada; a nobreza, à qual se agregaram sucessivamente os cidadãos beneméritos e à qual deveis vossa glória nas terras de África e nos mares da Ásia, reduzida ao abatimento, despojada do lustre que outrora obtivera do reconhecimento real; a religião e seus ministros objecto de mofa e escárnio.
Que é uma nação quando sofre ver-se assim aviltada? Eia, portugueses, uma mais longa prudência seria infâmia. Já os generosos transmontanos nos precederam na luta; vinde juntar-vos ao estandarte real que levo em minhas mãos; libertemos o rei e Sua Majestade livre dê uma Constituição a seus povos; fiemo-nos em seus paternais sentimentos; e ela será tão alheia do despotismo como da licença; assim reconciliará a nação consigo mesmo e com a Europa civilizada.
Acho-me no meio de valentes e briosos portugueses, decididos como eu a morrer ou a restituir Sua Majestade à sua liberdade e autoridade, e a todas as classes seus direitos. Não hesiteis, eclesiásticos e cidadãos de todas as classes, vinde auxiliar a causa da religião, da realeza e de vós todos: e juremos não tornar a beijar a real mão senão depois de Sua Majestade estar restituído à sua autoridade.
Não acrediteis que queremos restaurar o despotismo, operar reacções ou tomar vinganças; juremos pela religião e pela honra que só queremos a união de todos os portugueses e um total esquecimento das opiniões passadas."
Informado pelos seus conselheiros do que se estava a passar, D. João VI foi ter com seu filho e embora submetendo-o à sua autoridade, fá-lo comandante do exército, restitui os poderes retirados à rainha, manda libertar os presos políticos e nomeia outro governo. O entusiasmo provocado por estas medidas foi tão grande entre os absolutistas e a população descontente que ao chegar a Lisboa o coche real, foi abordado por cerca de 40 militares que desatrelaram os cavalos e puxaram eles mesmo o coche. Um jornal da época, a Gazeta de Lisboa, publicou até uma lista com os seus nomes. Dias mais tarde foi publicado no mesmo jornal, um anúncio anedótico em que se indicava que «... no dia 24 do corrente mês se há-de arrematar em hasta pública umas parelhas de bestas que puxaram o carrinho de el-rei quando mudou de bestas a Arroios.». Esse número do jornal foi retirado da circulação e o seu redactor demitido, mas a partir de então os ultra realistas foram denominados de burros, pelos liberais.
Fonte: História Aberta