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A história não é um sofá, é um trampolim”. Esta é uma frase que ouvi há dias numa entrevista a uma das pessoas responsáveis pela organização da “Guimarães capital da cultura 2012”. Não é nova , a frase, nem sequer representa a inovação de conceitos que lhe estejam subjacentes. Todos o sabemos, de que sem a compreensão e aceitação do passado, do nosso passado, dificilmente conseguiremos projectar o futuro.
Guimarães, mesmo não sendo consensual, é assumida como o “berço” da nossa nacionalidade. Aceita-se ( ou não ) que daí se gizaram os planos de D.Teresa e depois D.Afonso Henriques, seu filho e primeiro rei de Portugal, para o alargamento do reino.
Do mal o menos, que nessa altura ainda se faziam planos e o reino tinha objectivos, mesmo que tais objectivos não passassem, principalmente, pelos interesses colectivos da nação e sim pelos do rei e de alguns cavaleiros, enquanto senhores feudais.
O que nos deve preocupar, actualmente, como nação, é a incerteza quanto ao nosso futuro, e não estou apenas a falar do futuro de um povo com uma identidade própria, mas sim da viabilidade de mantermos os fundamentos dessa identidade.
Vem isto a propósito de hoje, aos microfones da Antena 1, ter sido dito que Portugal está a resvalar perigosamente para níveis de pobreza que o atiram para uma 3ª divisão da Comunidade Europeia, atrás mesmo de alguns países, mais empobrecidos que nós, antes da sua adesão à C.E. há meia dúzia de anos. Pelos vistos, basta-nos saber que agora temos um novo tratado europeu que irá ficar na história com o nome da capital do país, Lisboa. No entanto, arriscamo-nos a que daqui por mais alguns anos nenhum cidadão europeu saiba muito bem de que país Lisboa é capital pela simples razão de que esse país se tornou de tal modo irrelevante que ninguém dará por ele.
Pelos vistos, temos aprendido muito pouco com a nossa própria história; e a nossa história, ao contrário do que os anais da generalidade dos reis nos falam, é feita mais de momentos menos bons do que de momentos bons, do ponto de vista colectivo.
Mas sobrevivemos e mantivemos, apesar de tudo, a nossa identidade. E é por isso que nos dói, ainda mais, constatarmos que, precisamente nos últimos 23 anos, Portugal se tenha perdido irremediavelmente na justa medida em que perdeu as oportunidades de desenvolvimento social e económico que lhe têm sido arremessadas de bandeja. Constatamos afinal que, ao contrário do que alguns historiadores, que defendem nunca ter o país passado por um verdadeiro feudalismo à semelhança da generalidade da Europa na idade média, o que tivemos sempre foi um “feudalismo” feroz e em que, nos últimos anos, os recursos que a Europa desenvolvida canalizou para Portugal caíram na mão de alguns “senhores feudais”, os mesmos que agora se insurgem contra o aumento de 25 euros ao salário mínimo nacional e não o querem aceitar, mesmo que isso represente um aumento irrisório e continue a fazer de Portugal um dos países com o mais baixo salário mínimo na União Europeia.
Ou seja: a história, em Portugal, foi sempre sofá e raramente trampolim, pelo menos para as sucessivas camadas dirigentes desde o 25 de Abril de 1974.
O que me falta saber é se, como povo, merecemos ou não isto, isto é: se não teremos nós próprios levado a que isto pudesse ter acontecido deixando dessa maneira de sermos vítimas mas culpados pelo futuro com que, com toda a legitimidade, a história se prepara para nos brindar. Quem não quer sair do sofá, dificilmente se pode por em marcha. Quanto muito afunda-se na sua dor identitária, sempre a sonhar que Alcácer Quibir lhe resgate as perdas de sonhados impérios.
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Jacinto Lourenço