Tem sido assim nos últimos dois anos. As minhas "férias" têm servido essencialmente para dar um jeito na casa do Alentejo, ou melhor, no espaço exterior adjacente à casa. "A necessidade aguça o engenho", diz o adágio. Ora tem sido a necessidade de fazer óbvias economias que me conduziram para os domínios do "faça você mesmo" e tentar assim ordenar o tal espaço exterior que estava anteriormente mais vocacionado para "zona agrícola". Não sendo eu, declaradamente, pessoa ligada ao cultivo da terra nem tendo nesse domínio possibilidade nem conhecimentos para acompanhar os seus ritmos, a opção entre deixar à natureza selvagem um espaço para que esta desenvolvesse a flora herbácea como entendesse e a de embelezar, sustentadamente, o local, parecia-me não oferecer dúvidas. Deitei, desde há dois anos, mãos à obra. Acho que não me tenho saído mal quando comparo o trabalho executado com o de outros ditos profissionais lá da terra: o meu está melhor. Ganhei-lhe o gosto e este ano continuei. O pior é que as férias anuais se mudaram do puro lazer e hedonismo para elevadas doses de cansaço do corpo e desgaste físico. Claro que há sempre compensações: os duches no pátio fora de casa, ao ar livre, com a água tépida aquecida pela terra a sair pela torneira, nostalgicamente com os calções de banho vestidos como se estivesse a sair da areia, para não perder a prática... O largo chapéu de sol na esplanada construída com as próprias mãos a fazer sombra a uma bebida fresca, mais do que merecida, diga-se; o velho churrasco feito numa churrasqueira que eu próprio erigi, e tudo isto como preâmbulo para os longos almoços e convívio com a família de passagem pelo veraneio ou residente. A culminar, a bela, salutar, inquestionável e elementar sesta alentejana naquele período em que o inclemente sol do Alentejo não permite veleidades aos humanos. A noite, após o jantar, é normalmente de passeio pelas mesma ruas já antes percorridas, com velhas curiosas sentadas nas soleiras das portas a perscrutar nos mapas das fisionomias dos passantes os traços que lhes identifiquem as origens. A brisa nocturna tanto pode ser abafada como fresca, dependendo dos humores do tempo. As estrelas, essas brilham como em nenhum outro lugar do mundo. Volto ao meu jardim, observo a incursão da novel fauna que aproveita a fresquidão induzida pela rega que mantém o agradável relvado. Olho para uma pequena osga que arma emboscadas aos insectos atraídos pela brancura das paredes que exalam ainda o calor do dia; ouço os guinchos dos morcegos a circundarem, a grande velocidade, quais fórmula 1 dos ares, os candeeiros da rua, exercitando a sua habitual caça insectívora . Por esta mesma altura do ano talvez me sentisse menos exausto, fisicamente, sentado numa qualquer explanada junto à praia, apinhada de gente a falar alto e a lutar por um café junto do empregado, seguramente já pouco disponível depois de dez ou doze horas a aturar clientes, mas não estaria mais feliz e realizado do que ali, na quietude do Alentejo profundo, a doze quilómetros do local mais próximo onde poder comprar um jornal que nos diga o mesmo de sempre: que a crise continua e a vida também, com as dificuldades de sempre, agravadas pelo desgoverno daqueles que supostamente nos deviam governar. Saudades, longe da minha praia habitual, ficam-me, entre outras, as do impagável e não cambiável Romero, em Ayamonte, paragem sempre obrigatória e não dispensável para quem não desdenha momentos de convívio, descontracção e alegria retirada do contacto humano desprovido de regras de etiqueta desnecessárias. Talvez lá volte um ano destes mais próximos quando as folgas no meu jardim me permitirem.
Jacinto Lourenço