quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Rádio um Dia depois do seu Dia


Sim, bem sei, porque me informam todos os manuais de consumismo ocidental, que hoje é o dia dos namorados, mas  o que eu quero mesmo lembrar é algo menos prosaico mas  muito mais importante para a humanidade do que um simples dia de S.Valentim de vocação comercial anódina. Ontem, por manifesta falta de tempo para o fazer, não assinalei aqui a celebração do Dia Internacional da Rádio. Não, não falo apenas da descoberta de Pierre e Marie Curie do elemento químico com esse nome, falo da Telefonia Sem Fios, que designamos sinteticamente por Rádio. Ontem, 13 de Fevereiro, celebrou-se o Dia Internacional da Rádio. Poucos terão dado por tal e, os que deram, não lhe atribuiram a importância que ela tem nas suas próprias vidas, mesmo que não se dêem conta disso.

Lembro-me, como se fora hoje, quando menino com os meus sete ou oito anos, de os meus avós comprarem a sua primeira telefonia a pilhas; era uma Philips, daquelas que tinham uma pega em plástico na parte superior e uma antena que abria em arco rectangular. E lá foi a família toda, em procissão ao estabelecimento do sr. Arranca, para trazer para casa essa importante inovação: uma telefonia a pilhas, sim, a pilhas, daquelas grandes, porque electricidade era uma inovação que ainda não havia chegado a Lavre. Apanhava onda média e onda curta. Não estou certo de que já houvesse FM ao tempo, nos finais da década de sessenta do século passado. Mas lembro-me dos programas que mais se ouviam lá em casa: Serão para Trabalhadores, da FNAT, Parodiantes de Lisboa (algumas das personagens criadas por estes nunca mais nos sairam da memória ), rádionovelas, relatos de futebol, noticiários e, à noite, em alguns dias da semana, o meu avô José, precavendo-se primeiramente com todos os cuidados contra eventuais "escutas" promovidas pela PIDE ou pela GNR  lá da vila, alguns tão engraçados  que, relatados hoje, nos pareceriam quase anedota, ouvia a Rádio Moscovo e a Rádio Portugal Livre onde passavam programas contra o regime instalado em Portugal promovidos pelos partidos políticos portugueses na clandestinidade.

A televisão, nessa altura, não era ainda grande alternativa. Uma programação reduzida e uma informação breve e formatada pelo estado novo. Excepção  era o Bonanza, ao sábado à noite ou o Super-Rato ao domingo à tarde. Eram os tempos da Rádio, do Raúl Solnado com as suas histórias da guerra de 14, dos cançonetistas, dos Reis da Rádio, da Madalena Iglésias, do Artur Garcia, do António Calvário ou da Simone. Todos e cada um com as suas claques. As pessoas reuniam-se à volta de uma telefonia, onde quer que a houvesse, para ouvir as novidades e os relatos da bola ou da volta a Portugal em bicicleta. Desde então muita coisa mudou, mas a Rádio soube sempre preservar o seu lugar e o seu espaço. Para além de uma óbvia companhia na solidão ou nas noites longas de muita gente, é uma  excelente  cúmplice no trabalho ou nas viagens. Pessoalmente continuo a gostar muito de ouvir Rádio em várias circunstâncias: no automóvel, no computador, antes de dormir, ao acordar, durante o dia ou no decorrer da noite, quando estudo ou quando trabalho. Prefiro-a à televisão, em muitos casos. 

Podem perguntar-me se eu poderia viver sem Rádio ? Claro que podia, mas não era a mesma coisa...  Garanto-vos que, na actualidade, sobreviveria muito melhor sem Televisão do que sem Rádio, por várias razões. 

Durante muitos anos fui radialista amador. Produzi, realizei e fiz locução de programas de rádio em estações emissoras locais e nacionais. Enquanto cristão mantive-me cerca de quinze anos como colaborador na locução de programas cristãos-evangélicos no Programa Novas de Alegria de boa memória para muita gente que, por seu intermédio,  teve um encontro pessoal com Cristo. Atravessei o período das designadas rádios piratas em Portugal, nos anos oitenta, produzindo e realizando programas próprios. A rádio continua a ser, ainda hoje, um dos melhores meios de comunicação de massas e chega mesmo onde outros meios com outros recursos técnicos e tecnológicos não conseguem chegar. Do meu ponto de vista, a Rádio irá subsistir a todas as inovações e tecnologias de ponta que forem aparecendo, por razões óbvias e quase redundantes: é simples, relativamente barata, acessível, dúctil, tecnologicamente sustentável e limpa, adaptável aos tempos de modernidade que se vivem a cada momento, e chegando a todos, ricos e pobres.
Eu gosto da Rádio. Felizmente, com algumas excepções,  faz-se muito boa rádio em Portugal.


Jacinto Lourenço