terça-feira, 5 de março de 2013

Frau Merkel segundo Maquiavel...


Muitos vêem em Angela Merkel a rainha não coroada da Europa. Se perguntarmos qual a origem exacta do poder da chanceler alemã, descobriremos uma marca característica da sua acção: a sua tendência para não agir, não agir ainda, agir  mais tarde, para hesitar. Merkel hesitou desde o início da crise da Europa e continua a hesitar até hoje. Ao início, nem sequer queria colocar a tragédia do endividamento grego na agenda política da Europa. Depois recusou-se, primeiro a salvar a Grécia, mais tarde  resistiu quando era necessário ajudar a Espanha e a Itália. O verdadeiro interesse de Angela Merkel não está em salvar em primeiro lugar os países devedores, mas sim em ganhar as eleições na Alemanha. E, para tal, como escreve a revista Der Spiegel, tem de "proteger o dinheiro alemão para preservar a competitividade da Alemanha nos mercados mundiais e, além disso, eventualmente, salvar a Europa". Ela faz uma política interna europeia que serve sobretudo à preservação do poder nacional.

Uma outra característica típica da chanceler alemã consiste na sua agilidade que se poderia considerar maquiavélica.  Segundo Maquiavel, o príncipe só deverá cumprir a palavra política da véspera se tal lhe trouxer vantagens no dia seguinte. Se aplicarmos esta regra à situação actual, o princípio é o seguinte: as pessoas podem fazer hoje precisamente o contrário daquilo que anunciaram ontem, se isso aumentar as suas hipóteses nas próximas eleições. [...]

Hesitação enquanto táctica de dominação - é este o método "Merkievel". O meio coercivo utilizado não é a entrada agressiva do dinheiro alemão, mas sim o contrário: a ameaça de saída, a protelação e a recusa de créditos. Se a Alemanha recusar a sua aprovação, a ruína dos países endividados é inevitável. Portanto, só existe uma coisa pior do que ser esmagado pelo dinheiro alemão: não ser esmagado pelo dinheiro alemão.

Entretanto, Angela Merkel aperfeiçoou esta forma de domínio relutante, legitimado como o cântico dos cânticos da poupança. Aquilo que parece algo absolutamente apolítico, nomeadamente não fazer algo, altera a estrutura de poder na Europa. A transformação da Alemanha na potência hegemónica na Europa é, assim, levada por diante e, simultaneamente, disfarçada. Este é o artifício que Merkel domina. Maquiavel podia, de facto, ser o autor do argumento.[...]

Ulrich Beck


Do livro "A Europa alemã"- de Maquiavel a "Merkievel" : estratégias de poder na crise do euro, Ulricch Beck, Edições 70, páginas 70 - 73