segunda-feira, 11 de março de 2013

A Vida Aprendida à Bruta




O sol acordou  preguiçoso, como em todos os invernos. Iluminou o dia e afugentou frios e medos  que as madrugadas acoitam. O rádio dá novas/velhas notícias  duma europa perdida , sufocada pelo garrote económico apertado sem dó nem piedade por quem manobra a economia a seu favor a milhares de quilómetros mais a norte. Houvem-se também coisas de um país que só encontra o caminho da ruína conduzido por mercadores de almas e vidas.                                                                                  

Por entre urbanos sons matinais, o pensamento voa-me para a minha infância,  na escola primária, com a mala às costas para aprender o futuro numa sala fria, hostil em todos os invernos; pensei na professora Helena, todos os dias má e todos os dias temível para alguns alunos. Havia os alunos de "primeira" e os de "segunda", mesmo se isso não tinha nada a ver com a classe frequentada. Os de "primeira", normalmente de famílias mais facilitadas de vida,  eram poupados à pancada e  elogiados; ocupavam as primeiras filas. Os outros, os de "segunda", nas últimas filas, eram sempre candidatos naturais à ponteirada e reguada; estavam, paradoxalmente, sempre na linha da frente, mas apenas para  o castigo, houvesse ou não motivo de maior. O recreio era a libertação, tal como as segundas-feiras, quando a camioneta das onze, que vinha de Montemor e que trazia a dona Helena, se atrasava e    nos dava mais uma hora de alegria. 

Hoje de manhã, quando Deus  nos visitou no sol,  lembrei-me que Ele nasceu para todos   mas lembrei-me também que a vida, no meio dos homens, e à revelia de Deus, é normalmente aprendida à bruta. A rudeza dos dias, mesmo os de sol, castiga sempre os mais frágeis, os que pouco ou nada têm, nem mesmo uma simples escapatória. Este (des)governo,    faz quase o papel da dona Helena: marginaliza, açoita, despreza, castiga e fere ostensivamente. Distribui reguadas e ponteiradas aos que põe nas últimas filas. Em Portugal, a não ser que tenhamos vontade e determinação para isso, as coisas dificilmente vão mudar para quem está nas últimas filas... Restam-nos os pequenos recreios da história, quando ela se lembra de nós, por entre dias e tempos  feitos de invernias duras para quem foi condenado às  zonas de sombra  em Portugal,  a quem  o sol, quando chega, já está no seu declinar.


Jacinto Lourenço