sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Exemplo de Florença à Atenção do governo...




Em Florença há dois palácios que todos os turistas conhecem. O primeiro é o Palazzo Vecchio, sede histórica do governo florentino, na Piazza della Signoria. Longe dali, do outro lado do rio Arno, ergue-se o imponente Palazzo Pitti, residência da família Medici.
Aquilo que muitos visitantes da cidade desconhecem é que existe uma ligação física entre os dois edifícios, passando pelo interior dos Uffizi, atravessando o rio na galeria superior da ponte Vecchio, continuando depois pelo interior de uma igreja e sucessivas casas, até chegar ao Pitti.
Este "corredor" foi construído por Vasari, em 1564, a pedido do Grão-Duque da Toscânia, Cosimo de Medici. Cosimo tinha medo que, saindo à rua, ele próprio ou o seu herdeiro, Francesco de Medici, fossem assassinados. Com a construção do corredor Vasari, os Medici passaram a deslocar-se entre a sua residência e a sede do Governo sem necessidade de contactar o povo nas ruas.
As notícias que nos vão chegando sobre os reforços de segurança de Passos Coelho e dos seus ministros fazem-me pensar no corredor Vasari. Agora os ministros do Governo português têm medo de sair à rua e, por isso, andam rodeados de agentes de segurança, ao mesmo tempo que evitam ao máximo as deslocações para fora dos gabinetes. O seu corredor Vasari são os carros de vidros fumados, os agentes da polícia, a rapidez dos movimentos cuidadosamente planeados.
Os membros deste Governo têm razão em ter medo do povo porque, tal como Cosimo e Francesco, decidiram sobrecarregá-lo de impostos e governar contra os seus interesses. Para este Governo, tal como para a autocracia florentina, o povo não é o centro do regime político, mas apenas uma entidade longínqua, à qual se "comunica" decisões tomadas previamente e sem consulta pública, no segredo dos gabinetes.

Há duas lições que sucessivas gerações da família Medici aprenderam à sua custa e que Passos Coelho e os seus ministros aprenderão à custa deles.
A primeira é que o povo aguenta muitas malfeitorias, mas tem um limite - que nunca ninguém sabe bem onde se situa. No dia em que esse limite é transposto, o povo entra pelas janelas do palácio, por assim dizer, e expulsa o príncipe e os seus ministros. Nesse momento eles lamentarão terem governado a favor dos "grandes" e contra os interesses dos "pequenos".

A segunda lição é a evidência, já muito experimentada, de que, quando a população não afasta os maus governantes, são aqueles que estão mais próximos do príncipe que se encarregam de desferir o golpe final. Francesco de Medici conseguiu escapar à ira dos seus súbditos mas, segundo a lenda, terá morrido na bem protegida Villa de Poggio a Caiano, envenenado pelo seu irmão Ferdinando.
João Cardoso Rosas
In Diário Económico