Morreu em 30 de Outubro o homem que devolveu a alma aos indígenas das Grandes Antilhas e aos brancos Espanhóis, após a descoberta da América. Uns enviavam comissões para se saber se os índios tinham alma, e outros afogavam os descobridores europeus para verificarem se os cadáveres entravam em putrefacção.
Morreu o homem que deu rostos humanos à densidade fechada da Amazónia, e restaurou para o pensamento teológico da Europa a inocência da nudez do primeiro Éden do primeiro homem e da primeira mulher, entre as tribus dos Nambikwara e dos Tupi-Kawahib.
Morreu o homem que afirmou que «existem muito mais culturas humanas do que raças humanas» e que repentinamente espaço e tempo se confundem.
O seu estruturalismo edificou no inefável dos arcanos das raças esquecidas um espaço imaterial para a alma humana, que era negada pelas raças ditas superiores.
Foi o antropólogo, dos homens e das suas linguagens, dos morfemas e dos fonemas da linguagem humana perdida nos meandros das selvas, que odiou as viagens e os exploradores, mas viajou nas décadas de 30 e 40 sobretudo, para trazer à dita civilização europeia, civilizações alegadamente perdidas.
Por isso foi como linguista também que transformou os tabus sobre o desconhecido em antropologia, em homens e mulheres sobretudo.
Percebi isso quando há 35 anos li Raça e História. E entrei no coração dos trópicos, na alma devolvida aos indígenas, quando li, mais tarde, Tristes Trópicos.
E para os dias de hoje foi um profeta, anteviu na década de 50 o nosso rosto ocidental em transformação na Ásia, a mesma que estava e está a antecipar o nosso futuro, e já isto nos seus tempos de vigor o assustava.
Morreu aos 100 anos em plena globalização daquele seu medo - descrito nos Tristes Trópicos - «o que me assusta na Ásia é a imagem do nosso futuro por ela antecipada».
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João Tomaz Parreira
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( Colaborador )