Estamos habituados a que, para concorrer a uma boa parte dos empregos públicos em Portugal seja norma, entre outros procedimentos, a obrigatoriedade da entrega de um certificado de registo criminal. Não se discute o rigor, o que se estranha é que isso seja exigido ao comum cidadão que concorre a um lugar, por exemplo, de administrativo e não seja exigido, com mais cabimento até, aos titulares de cargos políticos ou àqueles que são nomeados por estes para exercerem funções não políticas.
Parece que, afinal, a regra só se aplica aos cidadãos que trabalham para o estado e que tiverem de se sujeitar a um concurso público para o fazerem. Para os titulares de cargos políticos ou para as pessoas por eles recrutadas e nomeadas, a norma é diferente. Isto é: ao comum cidadão, exige-se que nunca tenha tido problemas com a justiça e menos ainda que tenha sido condenado pela mesma, já os nomeados por titulares de cargos políticos são sempre considerados fulanos, ou fulanas, de boa estirpe e com pedigree certificado...
Ora, a fazer fé nos meios de comunicação, o que se constata pelo que aconteceu com a senhora Ana Moura ( não a fadista ), que é vogal da comissão política do PSD de Setúbal e vice-presidente do PSD da secção de Almada, é que esta senhora foi nomeada pela secretária de estado do tesouro, Maria Luis Albuquerque, como sua secretária. Até aqui tudo normal, se passarmos de lado os habituais esquemas de clientelismo partidário que funcionam nos partidos políticos especialmente quando estes ocupam o poder. O problema é que a dita senhora, Ana Moura, quando foi nomeada secretária pessoal da secretária de estado do tesouro, já estava referenciada como uma grande devedora ao fisco ( o que por si só a impediria do exercício de funções públicas ) e, para além disso, corria contra o PSD de Almada uma acção judicial por falta de pagamento das rendas devidas pelo prédio ocupado pela sede da referida secção partidária. Mas então o que é que a falta de pagamento das rendas tem a ver com a dita Ana Moura ? Rigorosamente nada, não fora o caso de ela ser a responsável por esse pagamento à senhoria e de, durante muito tempo, não o ter feito, agravado pelo facto de falsificar os recibos, supostamente passados pela proprietária do local da sede do PSD de Almada, e de depositar na sua conta pessoal o dinheiro que era destinado para o efeito.
Nada disto é extraordinário, numa primeira abordagem passaria até por um simples caso de polícia que tivesse chegado à justiça. A questão fundamental que este caso levanta, e que serve apenas de exemplo para o que queremos dizer, prende-se essencialmente com o escrutínio que o estado faz a à vida de qualquer pessoa que se candidata a um lugar de motorista ou contínuo e de como prescinde desse mesmo escrutínio para quem é nomeado pelos titulares de cargos políticos e escapa ao olhar perscrutador sobre as suas competências e condições para o efeito. Pelos vistos, o estado entende que um vulgar cidadão, que concorre ao exercício de funções públicas, nem que sejam as mais humildes ( e eu não contesto o processo ), tem que provar que não é criminoso, mas um outro cidadão, que está filiado no partido político , seja ele qual for, que ocupa o poder, nomeado por um titular de cargo político, é sempre considerado "boa gente" e está dispensado de fazer prova do seu passado, ainda que possa ter um currículo pouco recomendável; claro que isso não interessa nada para o caso, desde que o colega do partido "o conheça desde pequenino"... Pelos vistos, é prova suficiente da sua aptidão para o exercício de funções públicas ter a carteira de contactos partidários em dia, o resto arranja-se...
Mais difícil é acreditar num país dirigido por gente desta. Qualquer dia as tetas já não chegam...
Jacinto Lourenço