Firmeza nas mesmas Coisas O meio ambiente religioso de Filipos da Macedónia era propenso aos sincretismos. Foi terreno fértil tanto para os cultos de Ísis e Artémis, como para os cultos greco-romanos, até o culto inelutável de uma religião imperial. O conhecimento do judaísmo helenizado também não seria esquecido. A própria magia corria pelos dedos dos filipenses como rios de dinheiro, o uso mercantilista dos espíritos demoníacos. Foi neste contexto que Paulo chegou a Filipos e fundou uma igreja cristã, pela qual passou a sentir grande afecto. Como o apóstolo Paulo nunca foi um produto da assimilação das opiniões que corriam nos seus dias, em certo sentido, diríamos que foi líder de opinião. Fosse qual fosse o território onde as suas viagens missionárias o levassem, a aplicação da Verdade do Evangelho, da ética e da moral cristãs, a Salvação do homem e a Vida Eterna deste como retribuição futura, consistia no seu primordial objectivo. Onde Paulo chegava, contra o monte Párnaso, ou o altar ao «deus desconhecido», ou mesmo os judaísmos voltados para o monte de Jerusalém, ele contra tudo isso, levantava o Gólgota, que era também a contra-cultura do seu tempo. E, na verdade, de todos os tempos. Pela causa de Cristo crucificado, Paulo envolveu e conquistou a Macedónia. Como aos atenienses divulgou a infinitude e a glória do «deus desconhecido», que os gregos supunham brindar com a «santa» ignorância, aos macedónios filipenses ensinou que o verdadeiro «Deus Altíssimo» não ficava como refém de uma simples frase de uma mera adivinhadora. Sim, porque às vezes é preciso que se saiba quem é o Deus Altíssimo e o que significa nos lábios de quem o pronuncia (At 16,17; Lc 8,28), seja através das «pedras» que falam quando os homens se calam ou seja através de uma jovem endemoninhada. Contextualizações para valorizar a firmeza No meio dos ataques do sincretismo religioso, das políticas anti-tudo que viesse da Judeia, da legislação em vigor nas colónias greco-asiáticas do Império Romano acerca de actividades religiosas prosélitas, o autor da epístola aos Filipenses propugnava pela firmeza dos crentes da Igreja, na Macedónia. «Abundância na caridade, na ciência e no conhecimento», «aprovação das coisas excelentes», «cheios de frutos de justiça», são alguns dos pontos iniciais que Paulo desejava e nos quais os cristãos filipenses deveriam abundar (1,9-11) com firmeza. Com efeito, pontos fortes indubitavelmente contra os sincretismos para aqueles dias e para hoje também. Cem anos de Fundamentos Pensamos que no século XXI os sincretismos tomaram forma avassaladora como produtos do chamado pós-modernismo relativamente às religiões e aos valores, até mesmo sob a forma do profetizado Choque de Civilizações ( do recentemente falecido prof. Samuel Huntington), contudo os avisos sobre os sincretismos religiosos começaram cedo nos inícios do passado século XX. A primeira e prevalecente «civlização», segundo a leitura do autor supracitado, foi sem dúvida a Ocidental. Nem se podia falar nessa altura de um «choque», o Ocidente começava a instalar-se sobre todas as demais: latino-americana, islâmica, chinesa, hinduísta ou mesmo africana, etc. O Ocidente prevalecia também definido em torno de uma religião, o Cristianismo. Em 1909, há exactamente cem anos, «Deus levou dois Cristãos leigos, Lyman e Milton Stewart, a comprometerem-se com os gastos da publicação de uma série de doze volmes que deveriam apresentar os fundamentos da fé cristã.»( Os Fundamentos, R.A.Torrey, Hagnos, 2005) Os referidos magnatas do petróleo californiano, dispuseram a sua fortuna para espalhar os Fundamentos. As suas doutrinas foram e continuam a ser fundamentais na Fé Cristã, aqui algumas em síntese: Bíblia Sagrada, no seu conteúdo espiritual e na sua estrutura literária, veículo para conhecer os fundamentos da humanidade, Palavra de Deus para a Salvação, para a Moral e a Ética do criatura humana. Deus, Pai Criador, omnipotente, omnisciente e omnipresente no Universo. Deus em Cristo. O Deus-Homem, o nascimento virginal de Jesus Cristo e a Sua ressurreição corporal dentre os mortos. Espírito Santo, Pessoa divina que intervém no confronto do coração humano com a necessidade de Salvação que Deus-Homem trouxe à humanidade, a Redenção por causa do Pecado. Vida Eterna como retribuição futura do crente. Então, era preciso combater as incursões do liberalismo. As armas práticas foram remetidas «gratuitamente a ministros do evangelho, missionários, supervisores da escola dominical». Sabe-se hoje que três milhões de volumes foram então distribuídos, ainda que exclusivamente no mundo anglo-saxónico. Nesse momento da história em que a conjugação do chronos e kairos se realizaram felizmente como tempo e oportunidade, o Fundamentalismo tornou-se um enorme e inexpugnável «Pártenon» doutrinário.
João T. Parreira In "Papéis na Gaveta"