"Segundo a tradição cristã, Pedro morreu crucificado de cabeça para baixo, por ordem do imperador romano Nero.
Católicos de todo o mundo vêm o apóstolo Pedro como o protótipo dos papas, o homem que fundou a sucessão ininterrupta de líderes da Igreja que chegou até Bento XVI; mas o papel do "príncipe dos apóstolos" provavelmente foi bastante mais modesto, afirmam historiadores. Embora seja possível que Pedro tenha vivido, pregado e morrido em Roma, ele não fundou nenhum governo centralizador da igreja em Roma. O Catolicismo, com governo romano demorou alguns séculos a emergir.
Mais importante ainda, e embora a igreja de Roma tenha conquistado, desde cedo, uma posição de destaque entre as comunidades cristãs espalhadas pela bacia do Mediterrâneo, as outras igrejas não atribuíam tal facto ao "papado" de Pedro, mas sim devido a que tanto ele quanto o seu companheiro de apostolado, Paulo, haviam pregado o evangelho e morrido em Roma. É pelo menos o que diz um texto escrito, por volta do ano 180 A.D., por Irineu de Lyon.
Segundo Irineu, a comunidade de Roma havia sido "fundada e organizada pelos dois apóstolos, Pedro e Paulo". "Para Irineu, a capacidade espiritual da igreja de Roma devia-se ao facto da sua fundação de ter tido por base o trabalho dos dois apóstolos, Pedro e Paulo, e não só por Pedro", resume o historiador irlandês Eamon Duffy, da Universidade de Cambridge, no seu livro "Santos e Pecadores: História dos Papas".
Na verdade, a realidade era ainda mais diversa do que Irineu imaginava. Tudo indica que a comunidade cristã de Roma foi fundada por um anónimo seguidor de Jesus, provavelmente um cristão de origem judaica que se juntou às dezenas de milhares de membros da comunidade judaica da capital do Império Romano. Paulo, ao escrever para os cristãos de Roma, na década de 50 do século 1º A.D., em nenhum momento menciona a presença de Pedro na cidade.
Sobre Paulo, sabemos, pelos Actos dos Apóstolos, livro do Novo Testamento escrito no fim do século 1º A.D., que foi até aquela cidade para ser julgado pelo imperador romano num processo movido contra si. Outros textos, também do fim do século 1º A.D. e começo do século 2º A.D., dão conta de que tanto Paulo quanto Pedro foram mortos durante a perseguição contra os cristãos ordenada pelo imperador Nero entre os anos 64 e 67 A.D. O registo acerca deste martírio é relativamente próximo dos eventos, embora a Bíblia não o mencione (…).
Para o padre e historiador americano John P. Meier, professor da Universidade Notre Dame e autor da monumental série "Um Judeu Marginal" (ainda não concluída), acerca da figura histórica de Jesus, o Novo Testamento traz uma série de informações importantes e confiáveis sobre Pedro. Originalmente, ele era um pescador da Galileia (norte de Israel), casado, e pertencendo ao grupo de discípulos de Jesus tal como o seu irmão André. O nome do seu pai era João ou Jonas. O nome original de Pedro era Simão.
O mais provável é que Jesus lhe tenha dado o apelido aramaico de Kepa (ou Kephas, como escreve Paulo), "a pedra" ou "a rocha", traduzido como Petros, ou Pedro, em grego. Todos os evangelistas o apresentam como o principal membro do grupo dos Doze Apóstolos, ou como o seu porta-voz , relatando-o também como um homem, a um tempo generoso e extremamente apegado a Jesus. “Cabeça-dura” (talvez uma conotação irónica com o seu apelido), indeciso e dado a súbitas mudanças de opinião.
Nas suas epístolas, Paulo dá conta de um relacionamento tempestuoso com Pedro. Após a sua conversão à fé em Jesus (anteriormente era perseguidor de cristãos ), teria passado alguns anos sozinho até ir a Jerusalém falar com Pedro e os outros apóstolos (…). Posteriormente entrou em conflito com este, chamando-lhe hipócrita. É que Pedro tendo ido de visita à comunidade cristã de Antioquia, na Síria, inicialmente fazia as suas refeições com os cristãos de origem gentílica, coisa proibida pela lei judaica. No entanto, quando outros cristãos judeus apareceram na cidade, afastou-se dos crentes de origem gentílica, o que provocou a repreensão por parte de Paulo.
Relativamente à questão do pretenso "papado" de Pedro, Eamon Duffye diz que Roma, aparentemente, não teve um bispo único até cerca do ano 150 A.D., ou seja, até quase um século após a morte do apóstolo. É bom lembrar que, originalmente, o papa era o bispo de Roma, que recebia especial atenção dos seus pares por governar a comunidade cristã onde teriam sidos martirizados Pedro e Paulo. No entanto, em vários documentos do começo do século 2º A.D., escritos à comunidade de Roma, e por membros desta, em nenhum momento se faz menção a um bispo, mas apenas aos "anciãos da igreja" ou "dirigentes da igreja".
Para Duffy, a explicação mais provável é que a unificação do comando da igreja romana nas mãos de um só bispo veio mais tarde, por causa de uma série de pressões externas e internas, entre elas o aparecimento de heresias poderosas, que contrariavam os ensinamentos cristãos originais. Como forma de defesa, as igrejas, entre elas a de Roma, teriam instituído a "monarquia" dos bispos."
Por Reinaldo José Lopes
(Adaptado ao português usado em Portugal por Ab-Integro)
