A semana que agora se apressa a terminar foi rica em temas , quase todos eles transversais à sociedade globalizada das nações.
Olhemos um dos de maior relevância. A morte de Eluana Englaro,aos trinta e sete anos, despoletada pela supressão da alimentação artificial que lhe vinha a ser administrada, depois dos últimos dezassete anos da sua vida terem sido passados em completo estado vegetativo na sequência de um acidente de viação, agitou a Itália e alargou-se um pouco por todo o lado, face à mediatização do caso e, fundamentalmente áquilo que lhe estava subjacente: a aplicação da Eutanásia, por vontade própria, ou em caso de tal não poder acontecer, por vontade da família em condições parentais para apresentar essa solicitação ás autoridades. Não é uma causa pacífica, mesmo nas sociedades ditas desenvolvidas. Alguns países, poucos, permitem a Eutanásia, sob determinadas condições. A maioria não a permite nem prevê vir a permitir. Claro que a vontade dos governos ou das sociedades para legislarem sobre tal tema ou mesmo considerarem a sua discussão pública, esbarra quase sempre no repúdio que tal “solução” acarreta. A Eutanásia é vista, pelos seus defensores, como um direito cívico individual , que ninguém poderá colocar em causa, e pelos detractores como uma forma de “suicídio autorizado” , chegando os mais ousados à qualificação de “homicídio” se a “ajuda” à morte de outrem partir de terceiros, ainda que a intenção tenha sido supostamente “benemérita”. Há quem lhe queira suavizar o conceito chamando-lhe “suicídio assistido”.
Não sou, nem tenho que ser, especialista nesta matéria, sendo que o que aqui escrevo tem o valor do exercício consciente da minha cidadania. Confesso que casos como o de Eluana me deixam, em extremo, muito conturbado intimamente. Não consigo parar de olhar para todas as vivências, como a de Eluana, que se quedam “presas” à vida sem sequer lhe suspeitarem o mais ténue sentido, e ficar indiferente ao sacrifício e à divisão de sentimentos que este sempre nos provoca, especialmente em casos crónicos distendidos no tempo. Nunca percebi se a dor tem um limite, especialmente a dor psicológica. Sou cristão, e por isso talvez me seja mais fácil entender a dor , mas isso não me acrescenta nenhuma vantagem, face a quem não professa a minha fé, na percepção do quanto podemos suportá-la. Por isso entendo a dor da família da mulher de 37 anos, Italiana, que dava pelo nome de Eluana Englaro. Mas entender a sua dor, face ao estado vegetativo da sua querida, sob a matriz da lembrança dos seus vinte anos de idade, não é dizer que aceito a sua morte pelos motivos que vieram a lume na imprensa e outros meios de comunicação. Nem sequer conseguimos que alguém nos diga, com segurança, se Eluana sofria, qualquer que fosse esse sofrimento, no estado em que se encontrava. Pessoalmente, e se me dizem que o seu estado era simplesmente “vegetativo”, acho que não sofria.
O direito a morrer ou o de “facilitar” a morte de alguém não pode ser determinado por coisas como o limite da dor ou do sofrimento de qualquer pessoa. Com isto não quero dizer que se Eluana não sofria, então seria caso para que a “deixassem” continuar viva. Tal como não quero afirmar o contrário disso. O que quero dizer é que, aparentemente, a dor não pode ser medida e, se a dor não pode ser medida, o argumento final para a morte ou para a vida não pode ser aferido e legitimado por ninguém que aí se estribe , mas se pudesse , então teria que ser para aquilo que , do ponto de vista da vocação humana, é sem dúvida mais relevante: a Vida. Porque só esta é consensual. A morte divide sempre.
A situação da Italiana, trouxe para a ribalta questões sociológicas de primeira grandeza, dito assim porque tocam naquilo que nos é mais elementar e basilar: a vida e a morte. Por mim, convivo perfeitamente com este limitador “segmento de recta” que só Deus pode transformar em “recta”, para usar aqui metafóricas figuras geométricas , também elas elementares, mas que nos traduzem uma verdade irrefutável da fé cristã.
Nenhum de nós, enquanto ser humano, consegue compreender facilmente o mistério da vida e da morte, e muito menos aceitar passivamente o segundo; já quanto ao primeiro, não somos chamados a dar opinião no que a cada um, em particular, diz respeito. A mim, só a fé em Jesus Cristo me reconcilia com a insondável inacessibilidade dos mistérios divinos. Só o meu “grão de mostarda” me prepara para o fecho de um ciclo . Só ele me descansa e me permite discorrer sobre o direito à vida e à morte, que é, do meu ponto de observação, um direito divino e não civil.
A eutanásia, não pode ser apenas uma questão transversal das sociedades, nos planos deontológico, politico, social, de direito ou até mesmo religioso. O “grão de mostarda” que existe dentro de mim diz-me que na minha impossibilidade se prova a possibilidade do meu Deus .
A eutanásia não pode ser entregue exclusivamente às vontades de quem acha que o sofrimento ou a dor são incompatíveis com o ser humano nos tempos que correm, nem simplesmente reduzida à opinião de religiosos afadigados e afogados na dogmática teológica apertada esta em estreitos becos dialécticos sem saída . Dito de um modo grosseiro, a aplicação do senso-comum para a criação de regras de convivência social que a todos devem obrigar, passa sempre por perceber os limites da vida e da morte impostos por Deus, na sua infinita compaixão, misericórdia e sabedoria, e aceitá-los sem restrições, delongas ou falsidades éticas e morais.
As sociedades de hoje, estão em mudança rápida de paradigmas em todos os aspectos, mas isto não quer dizer que a mudança de paradigmas tenha que ser aceite passivamente apenas para que o ajustamento social se faça com o menor sofrimento possível, mesmo que a sua pretensa supressão assente num sofisma . A vida não é “um parto sem dor”. Pessoalmente não aceito que o moderno paradigma do antropocentrismo tenha o individualismo egoista como a medida de tudo. Este tratará sempre de descartar tudo o que lhe induz sofrimento particular ou visível, tenderá sempre a anulá-lo ou escondê-lo. Infelizmente a morte de Eluana traz-nos para uma dura realidade destes dias: a da não preservação do ser humano com a dignidade que lhe entregou a criação. No limite, como diz Augusto Cury no seu livro «Os Segredos do Pai Nosso – a Solidão de Deus», “não honramos a arte de pensar, somos egocêntricos e temos pouco empenho em preservar a vida e o meio ambiente”.
“Quem não é apaixonado pela existência, não terá amor pela humanidade”, afirmou Cury na obra já citada, e isto não se pode reduzir a uma simples questão de cosmovisão ou afectação cristológica. É um princípio experimental e verificável. “Não somos seres sociais pelo instinto que promove a sobrevivência biológica, como acontece com os outros animais, mas por sobrevivência psíquica”. Acho que Darwin não concordaria com Cury, mas é um facto incontestável e cientificamente provado.
Quase sempre é a dor que faz germinar o “grão” da fé. Lamento Eluana Englaro na sua vida e na sua morte, com ela morreu um pouco de mim e da esperança que me resta quanto aos homemns e mulheres do meu tempo. Recuso feiras e espectáculos à volta de valores como a vida ou a morte. Isso traduz toda a insensibilidade à dor física, psicológica e espiritual da sociedade. Não vejam aqui hipocrisias ou cinismos impróprios de quem queria apenas um tema de Blogue. Choro com a família, de Eluana, na sua dor e no seu sofrimento, mas isso não me afasta dos meus valores fundamentais e da minha fé em Cristo.