Simone Weil é uma intelectual francesa da maior importância neste século. Ela converteu-se ao cristianismo. Uma citação do seu pensamento que gostaria de fazer é:
“Ao homem foi dada uma divindade imaginária, para que ele se desprenda dela, da mesma maneira que Cristo se despojou de uma divindade real.”
Trata-se de um comentário de Fp. 2.5-11, onde o apóstolo Paulo comenta o movimento de Cristo de abandonar toda a glória da sua divindade para se tornar servo, servo mesmo face à possibilidade da morte. Não possuímos nenhuma divindade real, apenas imaginária. Contudo estamos firmemente ligados a esta divindade imaginária. Sentimos que os nossos desejos, necessidades e sonhos são o centro. Mais que isto, estamos de tal forma encapsulados nesta visão, digamos narcísica, que não podemos realmente reconhecer o desejo e o sonho de qualquer outro. Nutrimo-nos e sentimos omnipotência como se realmente pudéssemos controlar o destino e as nossas principais relações. Não podemos.
O caminho proposto por Simone Weil é o do arrependimento desta pretensão. É suportar a dor de se saber finito, mortal, apenas humano. O verdadeiro louvor pressupõe esta renúncia de qualquer omnipotência. Quando cultuo a Deus, quando digo que ele é Deus verdadeiro, fica implicado que eu não sou Deus. Louvar significa reconhecer que eu sou apenas homem ou mulher. Li um poema simples de Violeta Caballero que coloca, com enorme delicadeza, estas verdades:
Tu não forças a uma flor que se abra.
A flor a abre Deus.
Tu plantas, regas e a guardas.
O demais faz Deus.
Tu não obrigas a que a alma creia.
A fé a dá Deus.
Tu oras, trabalhas, confias e esperas.
O demais faz Deus.
Tu não obrigas a um amigo que te ame.
O amor o dá Deus.
Tu serves, ajudas, em ti a amizade arde.
O demais faz Deus.
Não quero falar de modo apenas teórico. Quero falar em experiência real. Para que haja encontro com Deus (espiritualidade) e para que haja encontro amoroso (sexualidade) é necessário despir-mo-nos das nossas fantasias de omnipotência e controlo e entregar-mo-nos à experiência do encontro como tal. Isto é fé, o contrário de tentar - o que é inútil, controlar a acção de Deus e do próximo.
A devoção e o romance podem ser facilmente comparados a uma dança. É necessário aprender a dançar, o que inclui a aprendizagem para se deixar levar. A pessoa dispõe-se para o encontro, abre-se para ele. Já não tenta controlar mas entrega-se ao ritmo e melodia da música. Na devoção a pessoa afina os ritmos da sua respiração com os ritmos divinos. No amor também.
No livro de Cantares o tema da espiritualidade e da sexualidade estão presentes e reunidos. Na verdade o encontro humano é metáfora do encontro com Deus. O que me surpreende muitíssimo é que o poema - veja, trata-se de um poema, não teoriza sobre os temas, mas convida, pelos seus movimentos internos, ao amor e à devoção. Teorizar sobre o encontro com Deus e com o próximo é criar resistências para a vivência do encontro real. É necessário despir-mo-nos das fantasias que temos, não apenas de nós mesmos (fantasias de omnipotência e controlo), mas despir-mo-nos das fantasias que temos sobre os outros e sobre Deus. Ir para o encontro para nos surpreendermos, e conhecer-mo-nos, e deixar-mo-nos transformar pelo novo.
Transmito-lhe o convite de amor e fé do livro de Cantares.
Fonte: Carlos Hernandez, CPPC via “Igreja do Jubileu”
Adaptado ao português usado em Portugal por Ab-Integro