Jesus desafiou o sistema religioso da Sua época, mesmo sabendo o alto preço que teria que pagar pelo Seu atrevimento. Ele disse que faríamos obras ainda maiores. E porquê maiores? Quem somos nós para superarmos o nosso Mestre? O facto é que, quando Jesus caminhou entre nós, o sistema religioso, por mais refinado que parecesse, ainda era rudimentar em comparação com os nossos dias. Hoje, se quisermos seguir os passos de Cristo, teremos que enfrentar uma verdadeira indústria religiosa, onde as pessoas são vistas, ora como produtos, ora como clientes, ora como engrenagens. O que muitas vezes é chamado "discipulado", nada mais é do que a produção de seguidores em série, soldadinhos de chumbo, réplicas perfeitas dos seus mentores. Não foi isso que Jesus planeou quando recrutou Seus primeiros discípulos na Galiléia. Jamais foi Sua pretensão que a igreja se tornasse numa fábrica de lunáticos. O discipulado autêntico é aquele que nos desafia a encarnar a mensagem de Cristo, tornando-nos agentes transformadores do Reino, inseridos numa sociedade corrompida. O verdadeiro discipulado é o que envia ovelhas para o meio de lobos. O mais importante não é encher a igreja, mas encher o Mundo com o conhecimento de Deus. Enquanto quebramos maldições hereditárias, o abismo entre gerações acentua-se, e assim, 'maldições existenciais' perpetuam-se. Buscamos cura interior, enquanto lá fora, há chagas sociais que precisam cicatrizar, hemorragias que ainda não foram estancadas. Discutimos o sexo do anjos, enquanto pequenos anjos, abandonados nas ruas, são molestados diariamente por quem deveria protegê-los. Reagimos violentamente contra leis que poderiam prejudicar a igreja, mas não nos importamos com leis que prejudicam os mais necessitados. Mania de coar mosquitos e engolir camelos! Limpem bem seus pés quando entrarem no templo para não estragar o carpete novo. Amém ou não amém? E não se esqueçam de se inscrever em mais um congresso a ser realizado no hotel tal, por uma bagatela de 160 euros. Tornámo-nos numa caricatura da igreja de Jesus. Enquanto a sociedade se debruça sobre questões de primeira grandeza, voltamo-nos para nós mesmos, preocupados com questiúnculas.- Não podemos perder para os gays, não é verdade? Se eles reuniram três milhões em sua infame parada, vamos reunir o dobro em nossa marcha pra Jesus... Grande coisa! Ah se os crentes soubessem que muitos dessas manifestações são apenas demonstrações de poder político! É por essas e outras que, a cada dia, cresce assustadoramente o número de pessoas desinteressadas em frequentar qualquer igreja. Uma massa descontente com o rumo da igreja em geral. Quando sairemos às ruas em favor dos oprimidos? Quando deixaremos de lado a nossa postura arrogante e estenderemos as mãos aos necessitados? Enquanto mantivermos o dedo em riste, em espírito inquisitório, o mundo apontar-nos-á outro dedo. Quando as igrejas deixarem de ser currais eleitorais, e se tornarem centros de cidadania; quando deixarem de se preocupar com o próprio umbigo, e se voltarem para fora, então a esperança triunfará. O dedo que antes apontava os erros, passará a indicar o caminho.
Fonte: Hermes Fernandes
Via Genizah