Não pretendo fazer teologia com verdades “puras”, abstraídas da Bíblia a partir do pressuposto de que uma correcta dissecação do texto garante a verdade. Preocupo-me com problemas éticos e práticos da pastoral. Lido com pessoas reais, que vivem problemas reais, que fazem perguntas reais. Não pretendo fazer teologia a partir de afirmações teóricas descoladas das questões “duras” que intrigam a minha alma. Quero ser realista. Entendo por realismo, o esforço de aproximar coração e mente da existência. Acredito que o Logos, o Verbo, se fez carne e habitou entre nós; vimos, tocamos e cheiramos a verdade. O conhecimento do Logos não se restringe à racionalidade, mas transborda para o compromisso, para a comunhão, para a solidariedade e para a busca da justiça. A obediência da fé tem mais possibilidade de compreender os mistérios de Deus que o estéril exercício da racionalidade. Não pretendo fazer teologia a partir da letra do texto, que mata. Entendo que certas verdades só são captadas pelo espírito. É preciso nascer, nadar, voar, absorver-se, divagar no Espírito para fragilmente intuir o Mistério. As cataratas espirituais caem dos olhos; as vestes puídas são despidas; os vícios categoriais, abandonados, mas só molhamos o calcanhar no rio eterno. Não pretendo fazer teologia a partir do sucesso. Entendo que o carreirismo eclesiástico desagua em perversidade. Sacerdotes mataram o Nazareno. Teólogos acenderam fogueiras na Idade Média. Presbíteros sustentaram o aparthaid sul-africano. A verdade não se reduz à mecânica, ao acto de funcionar. Prefiro ostracismo ao aplauso dos pelegos da fé; exílio, aos holofotes do espectáculo religioso; abandono, ao adesismo interesseiro. Não pretendo fazer teologia a partir das lógicas ensimesmadas. Reconheço que apesar de pequenos percalços, levo uma vida bem confortável. Procuro não permitir que vantagens, amparos, privilégios, me roubem da compaixão. Admito que é muito fácil abstrair sobre o sofrimento universal de dentro de zonas de segurança. Entendo o grande projeto de Deus para a humanidade: trocar corações de pedra por corações de carne. Assim, preciso molhar meus textos com lágrimas, impregnar meus discursos com misericórdia, calcar minha história com ternura. Caminho ao sabor do vento. Navego, impreciso. Trabalho constrangido pelo amor. Vivo pela graça. Espero joeirar da fragilidade a bem-aventurança da mansidão. E com ela herdar a terra.
Soli Deo Gloria.
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Via Ricardo Gondim