A laicidade das sociedades é uma falácia quase sempre escondida nos interesses político-económicos de cada país. Veja-se a Turquia, a Argélia ou outras nações, cujos governos, por razões económicas, se vêm na contingência de abdicar dos valores religiosos em prol da economia e do mercado. Veja-se igualmente a União Europeia, composta maioritariamente por uma população de matriz cristã, mas que não quer o seu cristianismo a atrapalhar as relações económicas, embora não menosprezem, alguns dos países que a compõem, a referência às raízes cristãs , numa cada vez menos provável constituição europeia.
A razão para a rejeição ( ainda que velada ) à entrada da Turquia na U.E. tem, quanto a mim, duas forças que a cruzam e moldam vontades: a primeira é que a Turquia assusta Franceses e Alemães pela extraordinária grandeza da sua população, na casa dos setenta e poucos milhões. A segunda é porque a Turquia assusta igualmente a EU, em geral, por ser neste momento a 15ª economia mundial.
Os responsáveis da UE acham que, fazer passar a mensagem, ainda que dissimuladamente, de que o que os assusta é o facto da Turquia ser um país esmagadoramente muçulmano, pode constituir-se numa boa desculpa no sentido do adiamento, para as calendas gregas, da adesão Turca. E a verdade é que têm a psicologia da história do seu lado. Será sempre fácil assustar os povos europeus com o passado Otomano e conquistador, em nome de Alá, cruzando esse passado com um presente de terrorismo dito islâmico, mesmo se o nome da Turquia, enquanto país e nação, nunca tenha sido, nessa matéria, aflorado ou insinuado. Ao mesmo tempo oculta-se, por exemplo, esse outro relevante dado histórico de ter sido, precisamente, o Império Otomano, a ter dado guarida e proporcionado liberdade e descanso aos judeus sefarditas fugidos da Península Ibérica, debaixo da perseguição que lhes foi movida e que coincidiu, em Portugal, com o reinado de D. Manuel I. Antes isso do que dizer aos europeus que a adesão da Turquia à União Europeia não anda, porque Bruxelas, e em especial os maiores países da UE , não irão gostar de ter dentro das fronteiras europeias um país que será só o mais populoso de todos os que a integram. Isto, claro, tem implicações para quem quer ter o poder pelo poder apenas porque acha que é mais “limpo” e mais civilizado por ostentar o nome de “cristão”. A história passada e recente aí está para lembrar os morticínios operados pelo poder político em nome da religião e de Deus, independente se a primeira é de pendor muçulmano ou cristão.
É certo que os problemas internos e externos que a Turquia ainda enfrenta, nomeadamente a questão dos curdos e de Chipre são um obstáculo. Mas talvez não o fossem se os turcos se contassem em menos uns milhões e a sua eventual pequenês demográfica não assustasse tanto…
A Turquia, daquilo que conheço, não é nem mais nem menos laica que qualquer outro país europeu. Vi, numa cidade de média dimensão como Bodrum, duas mesquitas. Vi em Kos, cidade de muito menor relevância no lado grego, muito mais capelas ortodoxas. Se o Laicismo duma nação se medisse por este indicador, então a Turquia sairia claramente vencedora, à frente da Grécia, como país menos interessado nos valores religiosos.
Também não me assusta o facto da primeira dama turca tapar a sua cabeça com um lenço; as mulheres cristãs faziam-no igualmente, e até em tempos não muito recuados, e o apóstolo Paulo, numa das suas epístolas, recomendava-lhes o seu uso em determinados contextos. Também não me interessa que esse objecto tenha um peso significativo para uma mulher muçulmana e não o tenha já para uma mulher cristã. As sociedades não evoluem todas da mesma maneira nem ao mesmo ritmo. O que interessa saber é que tipo de religião temos no coração. O que o exterior revela pode não querer dizer rigorosamente nada relativamente à piedade e vivência espiritual de cada pessoa.
Os europeus gostam de afirmar a sua religião cristã de séculos, como modelo de superioridade cultural e cívica versus a religião muçulmana. Mas isso já os fariseus faziam…
Ser nominalmente cristão ou muçulmano não faz ninguém herdar o céu como não faz nenhuma pessoa ser diferente da outra. Sou Cristão, porque sei que Jesus, o Filho de Deus, Deus encarnado, salvou a minha alma, e experimento, diariamente na minha vida, esse toque particular e íntimo que faz de mim uma pessoa diferente e, espero eu e o meu Deus, melhor a cada dia que passa.
Deus olha para mim, português, europeu, cidadão da UE, da mesma maneira que olha para um turco, cidadão da Turquia: com Amor profundo e isso não é sinal diferenciador para se estar dentro ou fora da UE.
É por isso que eu defendo a Turquia na U.E. Pior é se ela ficar de fora. Por todas as razões.
Jacinto Lourenço