Chegamos com a ilusão da Grande Grécia antiga. Berço de culturas e civilizações. Janela aberta para a compreensão do bom e do mau, mais do que do bem e do mal, onde radica muito daquilo que pensamos, ainda hoje, e como o pensamos. Do que aprendemos a ser e como o ser.
Da nossa posição no anfiteatro das ideias herdadas, queremos, mais do que voltar a ouvir, de novo, por interpostas pessoas, o que nos queiram dizer os mestres do saber helénico, sentir o que os inspirou. O que orientou a sua leitura do mundo, dos homens, e tudo à volta. Queremos respirar o mesmo ar, cheirar os mesmos cheiros, ouvir os mesmos sons, olhar o mesmo céu e observar o mesmo mar de milénios rasgado por mil guerras de Poseidon.
A hora tardia a que chegamos a Kós, encerra o tesouro e adia a visão deste até que o sol faça revelar o que procuramos. O tempo urge e torna-se escasso para satisfazer tão grande ambição que a maré de oportunidade nos quer proporcionar . Acomodamos dentro do peito, o melhor que podemos, a ansiedade. A razão principal da nossa ida torna-se uma fronteira que queremos transpor mas sem defraudar expectativas laterais.
Chegar à ilha de Hipócrates, berço da medicina, no meio de um egeu nem sempre bem disposto nos dias que nos acolheram nesta mediana ilha do Dodecaneso, e estar, frente a frente, com outra não menos importante região, como Halicarnasso. Tomar o pulso aos contrastes com a nova e moderna Grécia, para nós mais desconhecida do que a antiga, eram aliciante suficiente para uma espera de algumas horas de imersão no que eventualmente tivesse resistido à roda trituradora do tempo por estas paragens. E aqui reside, sem duvida, a primeira contradição da passagem dos séculos. A antiguidade civilizacional grega marca, impassível, os modernos mas depressivos anos, não deixando, até agora, de sublinhar, como que vincado na pedra, o ritmo da vida, descontada a depressão e a desconstrução social em que estamos tão empenhados e envolvidos no presente, pondo em causa os melhores valores e padrões recebidos de antanho.
A Helenização do mundo, à vista da moderna Grécia, parece não ter nada a ver com esta e nem mesmo Hipócrates, Sócrates, Aristóteles, Platão ou Sófocles, com toda a sabedoria e discorrimento exibidos, podem já fazer alguma coisa, na actualidade, para contrariar isso. A Grécia, como a aprendemos, enquanto berço civilizacional, se alguma vez existiu como um todo, perdeu-se. E este facto não pertence à Mitologia Grega. É uma realidade observável. O que resta são apenas ruínas que os modernos gregos tratam, infelizmente, pelo menos em Kós, de forma pouco respeitosa .
Jacinto Lourenço