[…] O historiador Eric Hobsbawm defende que um século pode ter mais ou menos que cem anos, dependendo dos eventos que no período ocorram e que demarquem uma mudança de fase ou de era na história. Sendo que o que se aplica ao século, se aplica a qualquer evento, é possível dizer que a Segunda Guerra Mundial, que oficialmente termina em 1945, de fato acaba em 1989, com a queda do muro de Berlim, que anuncia o fim do embate entre o capitalismo, representado pela OTAN, e o socialismo, representado pelo Pacto de Varsóvia, com a vitória do capitalismo. Foi esse o fato que levou o filósofo Francis Fukuyama a propagar a tese do “fim da história”, justamente por não haver mais embate entre as ideologias.
O fim dessa luta entre as ideologias contrastantes deixou a sociedade sem olhos. Quando da luta, as sociedades se observavam e a crítica era constante, exigindo de cada uma não só a defesa de seu ponto de vista; a presença do contraditório acabava também por forçar aprimoramentos, no sentido de sustentar a suficiência do sistema como solução para a humanidade em sua busca por felicidade.
Dessa forma, em vez de dizer que a história acabou, seria mais preciso dizer que a sociedade humana perdeu a meta perspectiva e assim a capacidade de visão, partindo do pressuposto de que ter somente a visão particular de si significa não ter, de si, visão alguma. A sociedade foi acometida de cegueira.
Sempre se pode argumentar que a queda dos estados socialistas, por excelência, não representa o fim do sonho socialista e que, portanto, a crítica e o contraditório estão mantidos. Porém, as duas ideologias tinham algo em comum: a crença de que tudo se tratava de uma relação de poder. Quem conquistasse o poder ganharia o direito de normalizar o direito, a justiça, a verdade, a ética e a moral. Desse modo, qualquer reação dos derrotados apenas reforçaria a posição do vencedor, que passaria a exigir do vencido o reconhecimento do lugar que a história, agora, lhe reserva: lugar nenhum.Como enfrentar essa força hegemónica? Aqui entra a Igreja, a teologia. A Igreja jamais aceitou a lógica da relação de poder, porque a teologia argumenta que o Criador é quem estabelece o conteúdo das palavras ‘direito’, ‘justiça’, ‘verdade’, ‘paz’, ‘ética’ e ‘moral’. Tais conceitos não são fruto de construção, mas de revelação. Assim, a teologia irrompe como a propugnadora da ética e do direito, e a Igreja força a retomada da noção de história. O contraditório e a crítica continuam presentes, porém não mais como contraponto ideológico, e sim como compromisso profético, a partir do grande observador -- como diria Berkeley -- que, com sua observação, além de garantir a existência, lhe dá conteúdo. Diante da teologia está o desafio de passar de momento segundo para a emuladora da mudança.
O fim do embate ideológico recolocou a Igreja e a teologia na ribalta, já que só a partir dessa lógica judaico-cristã é possível retomar o debate sobre o direito, a justiça, a ética, a paz e a moral. Por sua teologia, a igreja hoje voltou a ser os olhos da sociedade. É a única força capaz de se contrapor à lógica capitalista e de forçar a sua humanização -- ou capitulação -- frente à lógica da solidariedade. Cabe-nos que esses olhos não sejam trevas, mas luz de libertação.
Por pr. Ariovaldo Ramos