Com 20 anos de idade meus olhos foram abertos para a - inacreditavelmente dura - realidade da vida. Naquela época, lembro-me muito bem, passava o dia inteiro na praia - das 6h às 18h - chegava em casa, almoçava-jantava, saía à rua para encontrar os inesquecíveis Rogério, Chicre e Baiano, que compunham um grupo enorme de uma rapaziada da era pré-internet, que vivia para o mar e os seus grandes amores. Deitava no sofá da sala e sonhava - ao som de Triumvirat, Emerson, Lake and Palmer, Renassance - com ilhas paradisíacas, ondas nunca surfadas, amores arrebatadores com gosto da água salgada do mar e pele queimada de sol.Meu pai era um policial duro (tanto de grana, quanto no trato) e não me dava moleza. Pouco dinheiro, mas muito sucesso com as mulheres, saúde para esbanjar (conseguia ficar 5 horas dentro d'água, sem problema), amigos engraçadíssimos e acesso livre e gratuito ao mar. O cenário só não era perfeito porque naquela época o Botafogo estava em baixa (eu sei, não só naquela época...).Porém, com 20 anos, tornei-me um existencialista francês sem ter lido Sartre. Senti a náusea ou a angst. Louco para viver, mas esmagado pelo caráter transitório, breve e finito da vida. Caí em desespero. Aquela vida que tanto amava era irreal.Tornei-me cristão. Não porque ouvira algum sermão sobre o horror do inferno na vida além, mas porque experimentara o horror do inferno na vida presente. Grandes amores, mar, sol, amigos, saúde, num cenário em decomposição.Entrei de cabeça no cristianismo. A tal ponto, que decidi anunciar sua mensagem por todo o resto da minha vida, dedicando-me de tempo integral à tarefa de ser pregador do evangelho. Virei pastor. Título que até hoje me traz desconforto, porque não me identifico com o formato que essa profissão assumiu e nem mesmo desempenho uma atividade estritamente pastoral. Eu gosto de falar da história do espancamento e morte de um ser extraordinário que se apresentou ao mundo como o Filho de Deus. Sou cristão até a medula e não me envergonho do evangelho que sustenta minha sanidade mental. Mas, não sou pastor na acepção da palavra.O que antevi com 20 anos - todo o horror que se anunciava - uma vida sujeita à morte e a incapacidade de ilhas, mulheres, sol e mar, satisfazerem uma alma faminta por algo que não é dessa vida - hoje é experimentado por mim numa tal extensão, que não tenho palavras para descrever o espanto que experimento todos os dias.A morte de Patrick Swayze, que acabei de tomar conhecimento através dos jornais, mostra que Pascal estava certo ao dizer: "Aposte tudo em Deus. Se você ganhar, ganhou tudo, se perder, não perdeu nada".Estou certo de que não perdi nada e que vou ganhar tudo, ao lado de todos aqueles que morreram para o mundo a fim de estarem vivos para Deus:"Porque o mundo passa, bem como a sua concupiscência, mas o que faz a vontade do Senhor, permanece para sempre".
António Carlos Costa
Via Genizah