Qual importância da esperança no meio das dores deste mundo? Ela nos faz caminhar, seguir em frente, quando parece já não haver mais o que fazer. Esperança é esta força interior que Deus nos deu, a fim de enfrentarmos a vida, porque algumas coisas parecem nunca mudar.
Ano passado escrevi um conto abordando este assunto. Publico hoje, dedicando-o aos que sofrem.
Certa noite, antes de dormir, Zumba perguntou a sua mãe:
- Por que somos escravos?
Zumba precisava esquecer a humilhação e a dor da surra que sofrera à tarde. Seu coração adolescente estava amargo. Nada parecia fazer sentido porque, há bem pouco tempo, era um príncipe livre em terras da África.
Na tentativa de amenizar sua dor através da esperança e enquanto passava delicadamente a mão em sua cabeça, a mãe respondeu com a seguinte fábula:
- Havia um mundo triste. Era tanto estranho, quanto triste. Há muito, a esperança que reinava iluminada, fora dominada e aprisionada pelo reino da desesperança. Densas nuvens cobriram a planície e tudo eram só trevas. Os habitantes do vale sofreram uma terrível maldição que os tornou nanicos, caolhos e com os olhos vendados.
Naquele estranho mundo, havia um nanico que era o pior de todos. Muitos dizem que o reino da desesperança emergira de seu próprio coração. Havia também uma ave rara, invisível, chamada Idéia. Tinha a aparência de um assum preto e o tamanho de um gavião. Era inconformada por natureza. Estava sempre voando entre os nanicos caolhos que tinham vendas nos olhos. Colocava em seus corações a lembrança do que um dia fora o reino da esperança. Contudo, eles não conseguiam vê-la, nem ouvi-la. Era parte de sua maldição. Todavia, aquela ave incomodava porque seu canto, apesar de quase inaudível, incitava à mudança aqueles que amavam a acomodação, o nanismo e a pouca visão. Tinham medo de mudar e desenvolveram o medo de ter esperança.
Em um feio dia, o mais gordinho dos nanicos, incomodado com o perigo que o canto da Idéia representava, coçou sua careca horrorosa, pensando em como capturá-la. Afinal, a desesperança reinante lhe dava certa sensação de poder. Quanto mais desesperançados estavam os nanicos, mais necessitavam do gordinho careca e barbudo. Assim, fez uma arapuca, capturou a Idéia e confinou-a numa masmorra. Ela foi oprimida, cuspida, amaldiçoada e banida do mundo dos nanicos.
Na masmorra, a Idéia encontrou-se com outra ave aprisionada, a Solidariedade. Ela tinha a aparência majestosa de uma garça, só que era maior. Sofreram muito na clausura, a Idéia e a Solidariedade. Seus olhos foram vazados, seus bicos cortados e suas asas podadas, para que não mais voassem, nem cantassem, nem enxergassem. Entretanto, quanto mais sofriam, mais se uniam e se fortaleciam. O canto, na dor, extraiu a mais bela melodia já entoada. Na dor, o canto da Idéia chama-se esperança e o da solidariedade, ação.
Em uma dessas noites escuras. Enquanto choravam e cantavam, raios e trovões encheram a masmorra. Uma luz muito forte e quente raiou e, como por milagre, ouviram uma voz suave encher todos os lugares da masmorra, unindo-se ao seu canto. Era a esperança que renascera porque, ainda que as idéias não tenham vez no mundo dos nanicos, o poder da solidariedade faz nascer um novo tempo.
Zumba levantou-se com os olhos arregalados pela curiosidade pré-adolescente e perguntou:
- E os nanicos caolhos de venda nos olhos?
Sua mãe sorriu e lhe respondeu em tom irônico, falando muito mais a si mesma do que a Zumba:
- Eles continuarão sempre assim: nanicos, caolhos e de venda nos olhos. Agora durma, para que o canto da esperança também encha seu coração. Amanhã será outro dia.
Moral da estória:
A razão da esperança, enquanto virtude, não é a vitória; é a não desistência. Ela traz expectativa de dias melhores, apesar dos seres esquisitos que habitam nosso mundo. Qual a utopia, ela nos faz seguir em frente, apesar de tudo.
Não desista.
Via PavaBlog