Belmonte, Portugal, 22 de Março de 2009
Calcorreamos calçadas de Belmonte como quem perpassa história que toca o divino.
Percebemos o particular, mas confunde-nos o geral.
Belmonte, terra de Cabral, descobridor do Brasil, é um nome bonito para uma vila beirã, plena de história e de estórias, por certo, neste meus país, onde a geografia nos parece confusa, já que algumas vezes subverte a meteorologia, fazendo-se banhar com a solar estrela e remetendo para o litoral sul uma neblina mais própria das fraldas da serra que bordejámos.
Belmonte encanta-nos e prende-nos com o seu percurso de tolerância humanista e religiosa, que notamos a cada esquina , visivel nas muitas capelas católicas, alguns painéis de azulejos nas frontarias das casas, ou até nos cemitérios em que paredes comuns separam a fé dos que ali tiveram derradeira morada terrena. Catolicismo e Judaísmos partilhando em Belmonte ventos e paisagem, de serena grandeza, estes, lavando-nos, por momentos breves, o físico e a alma.
Insinua-se a sinagoga judaica, pequena, é verdade, quando comparada com os restantes templos, mas incrustada na alma da explendidamente bem conservada, e habitada, judiaria, que assiste, viva, aos ritos mosaicos, em cada desenrolar da velha Tora, pelo rabino de serviço a cada sábado, desafiando o tempo mas também as réplicas duma religião que nos transmite imagens duma outra fé letárgica...que teima em ferir a visão triunfante do Cristo Ressurecto. Percebemos ambos os ritos e suspeitamos dos dois e da sua missão de reconciliação do homem com Deus. Se ao menos reconciliassem a consciência humana, de uns e de outros, uns com os outros... Mas nem isso!!
Belmonte possui uma pequena mas desenvolta comunidade judaica que espera o seu messias, sem atender à história, aos relatos bíblicos ou às vozes que maioritariamente a rodeiam ( um caso de manifesta cegueira espiritual ), às quais, por outro lado, pelos vistos, o Messias “não resolveu” a questão da Salvação individual, quando expirou na cruz e ressuscitou ao 3º dia; a fazer fé, pelo menos, na velha, que, qual corvo devorador de cabalas, nos aborda, desafiando-nos a visitar a "sua senhora" ( quiçá temendo a forte procura das referências judaicas de Belmonte pelos turistas passantes ), recuando abruptamente, maldizendo-nos, quando lhe falámos do Cristo que morrera e ressuscitara, também por ela, também para ela, tal como por todos e para todos os judeus, incluindo os que integram a pequena comunidade de Belmonte.
Choca-nos a realidade histórica de Belmonte. Parecendo de tolerância, manifesta ela própria, nos memoriais existentes, as evidências do que também por ali sofreram cripto-judeus a quem não bastou o batismo/conversão cristã forçados para escapar das garras do santo ofício.
Os corvos sempre existirão à espera de um qualquer “banquete” de intolerância, mesmo que , em geral , tudo à nossa volta nos queira indicar que reinam beleza natural e convivência pacífica de ícones religiosos .
Belmonte é bonita, sim, mais as suas vertentes de verde embutido nos sopés dos montes fronteiros . E nós toleramos até os “corvos” que, pese embora, ainda por lá se sastifariam nos restos de um qualquer auto de fé, assim ele tivesse lugar.
Que Belmonte continue a ser, neste Portugal de brandos costumes, um lugar cimeiro de diálogo inter-religioso, e um referencial de tolerância numa velha europa mal resolvida nas questões da dimensão ética das fés que a enformam. Deus não se impõe, apenas propõe!
Corvos, sempre os teremos a sobrevoar a Paz provida de Tolerância, na expectativa de ocasional festim, mesmo se lhe for dada designação cristã.