A descrição do clima no nosso coração é, na melhor das hipóteses, muito semelhante ao coração dos filhos de pais muito severos. Mais provavelmente, a nossa posição é semelhante à dos escravos e de como estes se sentiam quando estavam diante dos seus senhores: com muito medo de lhes desagradar, porque corriam risco de vida.
Na verdade, o nosso medo é o de pecar. Às vezes ele é amplificado por frases do tipo “e se o Senhor Jesus voltar neste momento?”. Mesmo quando não há essa componente “do castigo eterno”, temos medo de estar fora da vontade de Deus: a mão dele vai pesar, vamos perder a bênção, etc. O nosso Deus “inspira-nos medo”. Temor. A imagem que temos de Deus é muito séria, atemorizante. Portanto, o nosso medo – que causa as nossas neuroses – é de Deus.
Quando eu tinha cerca de 14 anos, numa reunião de adolescentes respondi a um apelo para dedicar a minha vida ao serviço do Senhor (isso queria dizer ser pastor ou missionário, os únicos ideais imagináveis de dedicação em “tempo integral” ao trabalho de Deus naquela época ). Três anos depois, com a conclusão do ensino secundário, chegou o momento de decidir que curso iria tirar. Eu, com base no compromisso assumido da resposta ao anterior apelo, já pensava em frequentar o seminário. Mas outras pessoas, especialmente professores do colégio, encorajavam-me a tentar uma profissão “secular”.
Fui aconselhar-me com um pastor amigo, que falou sabiamente e me disse que, se fosse de Deus, essa chamada iria permanecer. Mas na igreja ouvi várias vozes não tão sábias, inclusive de outro pastor, que diziam algo como: “se Deus te chamou para o ministério, não irás ser feliz em nenhum outro lugar; nada mais vai dar certo até que estejas no ministério”. Que Deus exigente este, não?
Provavelmente você conhece este medo de tomar decisões erradas. Esta busca por saber a vontade de Deus, “o que devo eu fazer ? ”. É um processo de muita oração, talvez pedindo sinais, talvez pedindo conselhos de pastores ou buscando palavras de profetas, tudo movido pelo medo de errar, que é o nosso medo da ira de Deus.
Vejamos o paradoxo: nesta situação, quanto mais Bíblia e oração e pregações buscarmos, provavelmente piores ficaremos, mais neuróticos do que antes; o medo só crescerá, pois não estamos em paz. Na prática, não conseguimos assumir, por nós mesmos, a responsabilidade de tomar decisões - queremos “empurrar para Deus” essa responsabilidade (mas desconfio que, como qualquer pai interessado no crescimento de seus filhos, Ele gostaria que aprendessemos a tomar decisões por nós mesmos, utilizando a formação que Dele já recebemos até então).
Muitas vezes, na Sua misericórdia, e percebendo que nós “empancámos” horrorizados, Ele até manda um sinal, uma resposta mais objectiva, e assume o que seria a nossa responsabilidade. Mas outras vezes a nossa ansiedade impede-nos de ouvir a Sua voz suave, e vamos junto do primeiro
“servo” que falar mais autoritariamente (e por via de regra, damos-nos mal...).
Via Pavablog
Adaptado ao português usado em Portugal por Ab-Integro