Terá acontecido há mais de dez anos, talvez quinze, e aqui em Curitiba. Não lembro em que rua estava nem para onde queria ir; não lembro com clareza o rosto do motorista. Se fosse arriscar, puxaria pela memória e pela imaginação um rosto mulato de meia-idade, o cabelo grisalho agasalhando uma pequena clareira de calvície frontal; um sorriso maroto, a meio caminho entre o bondoso e o provocador. O protótipo do brasileiro camarada. Um cara.
Logo que entrei no táxi vi a poesia rabiscada no bloquinho de notas, as frases curtas calcadas no papel branco com caracteres duros, angulares, quase rúnicos, de alguma esferográfica azul. Na parada de um sinal vermelho perguntei se a poesia era dele, se escrevia sempre. Ele, “de vez em quando. Quando aparece a inspiração”.
Antes de saltar, depois de pegar o troco, perguntei se podia levar a folhinha como lembrança. Sem parecer especialmente surpreso ou satisfeito diante do meu interesse, ele disse que sim, eu podia levar a coisa. Estendeu-me a folhinha arrancada do bloco e, para dar uma de simpático e um desfecho à situação, pedi que ele deixasse no papel o seu autógrafo. O homem puxou a Bic do bolso ou da orelha e logo abaixo do poema escreveu Carlos B. Duarte, TÁXI 1498.
Em pé na calçada depois que o carro foi embora, reli a mensagem e na minha lembrança minhas pernas falham e minhas mãos tremem com o papelzinho na mão:
Já escreveram todas as palavras.
Já sugaram todo o bagaço da prosia.
Já levaram todas as esperanças.
Já não entenderam o sentido da existência.
Trago o papel comigo até hoje, como prova para os outros e advertência para mim.
Paulo Brabo In Bacia das Almas