São assim, as coisas, e não há golpe de asa tecnológico ou realidade virtual que as modifique, por enquanto.
Imaginava que tudo se iria passar, mais ou menos como eu previa, quando aqui chegasse, e foi sobre isso que escrevi ontem no Ab-Integro.
Era forçoso ter que abandonar, de modo próprio, terras do algarve. Animavam-me expectativas de céus e das noites do Nordeste Alentejano, do sereno tardio, do estio sufocado por algumas brisas sopradas, como que por esmola, sobre quem se expõe à torridez alentejana que sem dó nem piedade fustiga noites como se os dias lhe tivessem sido curtos para a função.
À medida que subia e vencia, quilómetro a quilómetro, a centena e meia que me separam do local de destino, adensavam-se nuvens negras no horizonte, negando, meio comprometidas, aquilo que o sol do sul do fim do mapa me tinha jurado. Descobri, quando cheguei ao meu destino alentejano, que o sol também não é de fiar, pelo menos em certos dias e, nesses dias, envergonhado, esconde-se atrás das nuvens; essas, já sabíamos, são defensoras do astro-rei nos seus "dias-não" e cumprem escrupulosamente o seu papel na tarefa de nos ocultar a estrela envergonhada por não brilhar pontualmente para nós. As nuvens, essas, continuam fiéis ao compromisso assumido e esperam, qual esposa fiel, que a solar estrela desperte da soneca a que se dispôs após cruzar hemisférios. Por este andar, suspeito que amanhã ainda não terei de volta o meu céu luxuriantemente estrelado, uma de entre muitas outras razões para que eu seja apaixonado, desde que me conheço, por todos os alentejos. Mais do que o dia, é a noite alentejana, qual moura encantada, que me traz perdido de amores de muitos verões, dependurado em estrelas, cometas, constelações e planetas.
Hoje não ouço rebanhos em nocturnas pastagens. Não há cigarras a cantar e os ralos, esses artistas canoros de terceira categoria, por respeito à arte do canto que costuma prencher as noites , julgo, decidiram calar-se. Só um humilde grilo, a que os qmores não correspondem, ameaçou romper este soturno silêncio em noite fugida do verão nas terras de Alter. Hoje, o silêncio na rua deixa perceber nuvens baixas carregadas de humidade que erguer riquissímo odor de terra húmida, a antecipar outros tempos de mais para diante. Estranho é que Agosto ainda só há pouco atingiu a idade adulta.
Amanhã, se não puder encantar-me com o céu estrelado por cima de mim, prometo ser breve anfitrião pela história de terras prenhes de história, e lembrar, por exemplo, de como desta região saiu um Grão Mestre da Ordem de Avis para ser Rei em Portugal , um caso raro "sufragado", contra a vontade de muitos, pelo povo levantado na rua. Posso contar-vos também um pouco da vida de ilustres vizinhos nestas terras de Alter do Chão e que muito honram um país sem grandes motivos agregadores de orgulho nacional. Isto, claro, se não me puder voltar a perder de amores pelo brilho das estrelas no céu sobre a minha cabeça e de novo repetir as palavras de Kant :
" Duas coisas enchem a alma de admiração e respeito sempre novos e crescentes(...): o céu estrelado por cima de mim e a lei moral dentro de mim".
Êxtase puro, é o que sinto meu amigo Kant, com esse céu estrelado. É que, a sua produção tem o mesmo ponto de origem da minha alma vivente: Aquele que me outorgou a tal lei moral de que falas e fez de mim, e de ti, homens com esta capacidade de se perderem na admiração constante da notável vida que nos congemina, nos cerca e nos enlaça .
Jacinto Lourenço