sábado, 15 de agosto de 2009

Pais, Filhos e Aviões

Pai monárquico costuma ter filho revolucionário. Pai democrático costuma ter filho tirano.
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Busquei criar uma frase que rendesse graça, consegui ser preconceituoso. O preconceito é o fracasso do humor. O banheiro do avião me convenceu de algumas bobagens paternas. A mania de controlar o filho. Controlar é dominar. Dominar é ter poder. Ao pai, resta influenciar. Outras formas de autoridade envolvem submissão. Dar exemplo é para quem não deu amor. Meu filho já se mostrava irritado. Tinha antecedente. Entrei na fila preferencial de embarque e utilizei sua infância como desculpa. Afinal, é uma criança. Ele esclareceu: - Não sou de colo, pai. Olhei bem para ele, errei as contas, tinha a impressão que poderia carregá-lo. No avião, meu menino sentou na janela. Trajecto São Paulo-Porto Alegre, eu engolia pedras de gelo para me livrar logo do copo de plástico; pensava nisso, na demora do serviço de recolhimento do lanche, pensamentos bobos, de repente Vicente diz que vai ao banheiro. Eu sigo em seu encalço. Não confio que ele é capaz de ir ao banheiro sozinho. Esqueço que está na 2ª série. Parto atrás, ele fecha a porta na minha cara. Aflito, retorno às incertezas. Observo o visor: ele botou a tranca do sanitário. Trancou-se, e agora? Um homezinho em cor vermelha. Vermelha de perigo. Se ele não souber abrir, se não achar o papel, se não assimilar o mecanismo de esguicho da água, se não localizar a descarga, se ele cair com o balanço da nave e bater a cabeça...Nenhuma das hipóteses me assustava tanto quanto o provável facto dele acertar todos os movimentos. Cuidei minuto a minuto de sua ausência. Uma licença infinita. Ainda chovia, uma revoada de relâmpagos e turbulências agressivas. Meu nariz era a própria asa inclinada. Velava seu banco com um livro. O carrinho de comida passou na hora em que entrou. Elaborei simpatias obsessivas. Aguento a dupla de aeromoças desocupar o corredor e corro para verificar se ele depende de algo. Ele estava demorando. Não fui cauteloso. Não fui previdente. Deveria acatar os pressentimentos ruins e tomar uma atitude. As pálpebras estalavam como chicotes. A culpa e o castigo contaminam a paternidade. Xingamos a criança porque sofremos em demasia na nossa imaginação. Brigamos muitas vezes sem que ela decifre o que fez de errado. Ela não fez nada de errado, nós é que cogitamos tudo de errado que poderia acontecer com ela. E explodimos. Descarregamos um revólver vazio. Entenda, não estava preocupado com ele, mas comigo, ele não dependia mais de mim. Quando o carrinho libertou meu assento, levantei. Ao dar o primeiro passo, ele abriu a porta e veio me abraçar. Simulei que me levantei para que gentilmente voltasse ao seu lugar.Vicente é mais resolvido do que eu - sofro de prisão de ventre e tenho vergonha de usar banheiro que não o de minha casa.