( Imagem Diário de Notícias )
Portugal esteve a um fio de conquistar os céus com Bartolomeu de Gusmão
Depois de dominar os mares, Portugal esteve a um fio de conquistar os céus quando o jovem Bartolomeu de Gusmão fez voar, perante D. João V, o primeiro balão da história da humanidade, a famosa Passarola.
A oportunidade, porém, perdeu-se e a descoberta saída da cabeça do rapaz-fenómeno vindo do Brasil, capaz de decorar obras literárias inteiras e das invenções mais audazes, acabou por revelar a incapacidade do império de entender o alcance da descoberta.
Joaquim Fernandes, professor na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, recordou à Lusa que Bartolomeu de Gusmão tinha 16 anos quando fez a sua primeira incursão a Lisboa, ficando hospedado em casa do marquês de Fontes, contacto que seria da maior importância no futuro.
A fama do jovem Bartolomeu já vinha do Brasil, onde a sua memória prodigiosa e capacidade inventiva se notabilizaram. De apelido Lourenço, era um dos 12 filhos de um cirurgião do posto militar de Santos e, segundo Joaquim Fernandes, acolhe o nome de Gusmão do jesuíta Alexandre de Gusmão, reitor do Seminário de Belém, no estado da Baía, para onde foi estudar, juntamente com vários irmãos.
Ainda adolescente, ficou conhecido por ter construído uma bomba hidráulica para fazer subir a água do rio Paraguaçu até ao cimo do monte onde se situava o seminário brasileiro, o que terá beneficiado os padres aí estabelecidos.
Regressado ao Brasil, continua a estudar para padre, até viajar de novo para Portugal, em 1708, para ingressar na Universidade de Coimbra.
Alguns meses depois já o encontramos em Lisboa, onde fica de novo em casa do marquês de Fontes, que fará a ponte entre Bartolomeu e D. João V.
Autorizado pelo rei a construir a Passarola e a apresentá-la na corte, e garantindo os direitos de utilização futura caso funcionasse, o jovem brasileiro lançou-se ao trabalho num estaleiro cedido pelo seu anfitrião.
A Passarola nunca correspondeu ao desenho conhecido, capaz de acolher um homem no seu interior, com asas e bico: esse desenho é do filho do marquês, cúmplice de Bartolomeu, e pretendia fazer contra-espionagem junto dos curiosos que rondavam o estaleiro com o objectivo de informar as potências estrangeiras.
Até o mecanismo de voo foi falseado: em vez do princípio de Arquimedes seguido por Bartolomeu, o embuste deu a entender que se tratava de magnetismo, então tanto na moda.
Segundo Joaquim Fernandes, a verdadeira Passarola é desoladoramente diferente: um pequeno balão, semelhante aos de S. João, com uma taça de combustível por baixo, que nas primeiras tentativas pegou fogo e chegou a incendiar os reposteiros reais.
El-rei não perdeu a curiosidade face aos primeiros falhanços e aceitou novas tentativas da estranha invenção, até que a 08 de Agosto finalmente o balão sobe até ao tecto da sala de audiências do rei, demora-se aí um bom pedaço e desce suavemente.
Apesar do encanto com que o invento foi recebido na corte, ninguém o levou propriamente a sério, mesmo com Bartolomeu a realçar as suas potencialidades militares.
Quatro anos depois das experiências na corte, o inventor fez uma digressão por Holanda e França, onde registou a patente de algumas ideias e trabalhou como ervanário.
Regressa a Portugal e inicia um período decadente, em que é acusado de simpatias com o judaísmo. A Inquisição aperta o cerco em torno de Bartolomeu, que acaba por fugir para Espanha em 1724. Esta é uma das histórias contadas no livro que Joaquim Fernandes lançará ainda este ano - "Mitos, mundos e medos - O céu na poesia portuguesa".
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Nós portugueses, sempre fomos um bocado assim : de costas voltadas para a história. Às vezes lá surge um visionário que nos acerta com ela...
Ab-Integro