Um cientista português da Fundação Champalimaud recebeu a maior bolsa de investigação da Europa, no valor de 1,6 milhões de euros, para estudar a função do cérebro nas rotinas humanas. Ao DN, Rui Costa explica que pretende compreender o que nos leva a ter dependências. Este pode ser um primeiro passo na luta contra alguns dos principais vícios.
O português Rui Costa tornou-se notícia esta semana, depois de ter recebido a maior bolsa de investigação da Europa, no valor de 1,6 milhões de euros, dada pelo European Research Council (ERC), o mais importante organismo europeu de apoio à investigação. A bolsa tem a duração de cinco anos e destina-se ao estudo das diferenças a nível cerebral entre as acções intencionais feitas para atingir um objectivo e aquelas realizadas por hábitos adquiridos. A investigação poderá trazer soluções para o tratamento de dependências, como a das drogas ou jogo.
"Foi com grande alegria que recebi esta bolsa. É sinal que o meu trabalho foi reconhecido", contou ao DN o investigador que trabalha para a Fundação Champalimaud. "No nosso quotidiano tomamos imensas decisões que pressupõem a escolha da acção certa para a obtenção do resultado pretendido. Essas acções podem ser tomadas com base nas consequências futuras da decisão que tomamos", explica Rui Costa, enquanto aproveita para dar um exemplo: "Conduzir do trabalho para casa é um comportamento por objectivos que exige uma permanente monitorização desses objectivos da acção, das consequências e requer atenção. Se repetirmos o mesmo comportamento muitas vezes começamos a poder realizá-lo de uma forma automática, usando processos habituais."
Mas "os hábitos não implicam um esforço para avaliar as consequências, e muitas vezes usamo-los tão automaticamente que mesmo quando queremos fazer algo novo ou diferente, como ir a outro local ao sair do trabalho, podemos acabar em casa", diz o investigador português.
É aqui que entra o trabalho do investigador: é a diferença entre processos que vai ser alvo de estudo, quer a nível molecular quer a nível dos circuitos do cérebro, usando as mais recentes técnicas de biologia molecular e de electrofisiologia. "Há cada vez mais indícios científicos de que os circuitos cerebrais envolvidos numa situação e na outra - quando se tomam decisões por intenção e objectivo, ou quando há apenas o hábito - são diferentes", revela.
Saber exactamente como as acções intencionais e os hábitos se formam e se usam irá permitir-nos compreender melhor os processo de decisão e os comportamentos compulsivos.
Porque é que optamos por comportamentos novos ou, pelo contrário, caímos na rotina quando fazemos certo tipo de investimentos ou consumimos algo? Esta é a pergunta que Rui Costa quer ver respondida pelo seu trabalho, para depois poder aplicar a sua investigação: "Pode ser importante para se compreender várias doenças do foro psiquiátrico, tais como aquelas relacionadas com comportamentos compulsivos ou viciantes, como a toxicodependência, vício do jogo, do álcool, cleptomania...", explica.
Agora, resta consolidar a equipa de investigadores. Entre os membros encontram-se desde físicos a biólogos, farmacêuticos de várias nacionalidades, como portugueses, norte-americanos ou mexicanos. No concurso de 2009 concorreram 2503 investigadores, provenientes de 34 países da União Europeia, Suíça, Noruega, Israel e Turquia, com 42 propostas provenientes de cientistas a trabalhar em Portugal. Três das bolsa vieram para Portugal.
In Diário de Notícias de 29 de Agosto de 2009