É sempre bom tirar alguns dias, conforme o calendário de afazeres o permita, para sair e espairecer. Se até há um ano atrás isso não me trazia problemas de maior, agora já não é assim.
A ocasião proporciona-se na generosidade comedida da República - que, lembra-nos a história, foi implantada há 99 anos - e nos concede uma 2ª feira livre. E lá vamos nós , de malas aviadas, até ao Alentejo profundo para, além de limpar o espírito e espraiar a vista pelos campos ainda dourados, nos entregarmos a actividades domésticas pouco usuais nas citadinas rotinas.
Quem me conhece bem, como é o caso da minha famíla, é incapaz de me adivinhar qualidades como por exemplo a de ser um bom agricultor ou mesmo qualquer sombra disso que não envergonhe os homens da terra. Não é porque não ache digno o trabalho agrícola, até porque descendo de famílias que sempre se encontraram a trabalhar a terra; talvez por isso, quando criança, e mesmo adolescente, eu até queria ter sido agrónomo ou piloto aviador. Mas não, nada, nem uma coisa nem outra. Confesso até que tenho um medo inequívoco e pavoroso das alturas e fujo de tudo o que se assemelhe com agricultura e que ultrapasse a banca de um mercado.
Ultimamente, por razões de infeliz desenlace familiar, fui forçado a começar a aprender a fazer algumas coisas relacionadas com o tratamento de árvores de fruta. Até agora só as conhecia pelo sabor dos frutos que davam. Continuo, apesar de tudo, quando olho para a quantidade pequena mas razoavelmente extensa para os meus escassos conhecimento e tempo para elas, a deixar-me "encantar" pela motoserra, especialmente ao imaginar a relva que poderia surgir no lugar de algumas das árvores à minha frente... É quase uma atracção fatal ! Veremos o quanto vou saber resistir...
Nestes dias fora, no Alentejo, tudo se repetiu. Eu dediquei-me a alguns arranjos caseiros, que uma casa não ocupada em permanência sempre requer, e a família, esposa e filhos, aos pequenos trabalhos agrícolas. Eles dizem que lhes apazigua o espírito, pese embora também lhes faça aparecer umas "borregas" nas mãos. A mim deixa-me dúvidas, para além de me causarem apreensão as "borregas"...
Imaginava eu como poderia vir a perspectivar o necessário tratamento das árvores e parreiras existentes ( chamam-me a essa responsabilidade ), nos tempos mais próximos, quando um familiar, de visita fugaz, solta uma frase que me atingiu com o poder de um murro violento: "coitadinhas, estão a sentir a falta do dono" - referindo-se às árvores e ao meu sogro, que infelizmente nos deixou este verão, evocando, quiçá, uma especial relação íntima entre o homem e a natureza.
Claro que o que as árvores "sentem" não é a ausência da pessoa que mais de perto lidava com elas. O que as árvores deixaram de "sentir" foi o tratamento que só um conhecedor lhes pode dar. Alguém que lhes saiba a origem, a forma como se podem e devem desenvolver, quanto e quando devem crescer, o que cortar, como cortar, quando cortar e onde cortar, quando estas teimam apenas exibir, em todo o seu explendor, o verde que as enfeita, furtando-se a fornecer a quantidade de frutos que delas se espera.
Reflectia eu sobre estas questões quando se fez mais luz sobre as Palavras do Senhor, "pelos frutos os conhecereis".
Coloquei de parte, por enquanto, a ideia da relva e da motoserra. Terei que dar uma oportunidade às árvores que já estavam "assinaladas" e elas terão que a saber aproveitar. Aprender e fornecer-lhes os cuidados necessários será o meu papel, pois imagino que não vou conseguir furtar-me a isso. Esperarei depois os bons frutos que elas devem dar. Afinal de contas foi isso que Jesus fez comigo, apesar de que nem todos os frutos que dei até hoje foram suficientemente bons, sendo que alguns terão sido mesmo intragáveis para quem os colheu. Talvez por isso sou uma árvore mais trabalhosa para o Divino Agricultor. O que não quero é tornar-me numa figueira com grandes e verdes ramos, mas estéril, pois esse não é o papel de um cristão: ser apenas árvore que ocupe desnecessariamente a terra e acabar depois em vulgar lenha para ser queimada.
Que Deus me ajude a ser uma boa árvore, que não queira apenas exibir a rama mas antes dar frutos agradáveis à vista e ao sabor, pois só assim terei utilidade no Seu reino. No final, quando a a minha vida cristã já não poder ser traduzida em qualquer frutificação , que seja então útil ainda, para que outros se aqueçam nas labaredas que se soltem dos meus troncos cansados, sem seiva e sem outro préstimo que não seja o de dar esse conforto, do calor cristão, à vida dos que se encontram frios e enregelados sem o Amor de Deus.
Jacinto Lourenço