Contam que, certa vez, perguntaram a Karl Barth se ele acreditava na segunda vinda de Jesus Cristo. Sua resposta foi no mínimo intrigante. Barth teria dito que acreditava em todas as vindas de Jesus, e não apenas na segunda. Na verdade, disse o célebre teólogo alemão, Jesus Cristo veio pela primeira vez na encarnação e, depois, pela segunda vez na ressurreição, e veio outra vez no Pentecostes, uma quarta vez na Igreja, que é o seu corpo, e, além destas, Jesus Cristo vem todas as vezes que um pecador se arrepende e se reconcilia pessoalmente com Ele. No final, Barth teria dito que acreditava, sim, que Jesus Cristo viria consumar o reino de Deus no “fim da história”, mas essa seria a quinta ou sexta vinda de Jesus.
De facto, dá que pensar, pois estamos acostumados às afirmações simplistas do tipo “Jesus veio quando nasceu (primeira vinda), foi-se embora após a sua ressurreição, e virá em triunfo no fim dos tempos (segunda vinda)”. Mas há algumas pontas soltas na construção das doutrinas escatológicas (relativas às últimas coisas) e nas interpretações das afirmações do Novo Testamento acerca da parousia (vinda) de Jesus Cristo. Por exemplo, como explicar a afirmação “Eis que estou convosco até a consumação dos séculos” (Mateus 28.20)? Cristo está connosco ou devemos esperar por ele no futuro escatológico? Ou ainda, o que Jesus quis dizer quando prometeu àquele que obedece à sua palavra: “Eu e meu Pai viremos para ele e faremos nele morada” (João 14.23)? Como podemos conciliar a afirmação de Jesus quanto ao facto de que o fim ocorrerá apenas quando o evangelho do reino de Deus tiver sido anunciado em todas as nações (Mateus 24.14), com a sua promessa de que o Filho do Homem viria antes de os discípulos percorrerem todas as cidades de Israel (Mateus 10.23)? Mais ainda, como entender a declaração de Lucas ao afirmar que o livro de Actos regista as coisas que Jesus continuou a fazer após a sua ressurreição e ascensão? Também há necessidade de esclarecer porque é que o livro do Apocalipse não descreve, em detalhe, a “segunda vinda de Jesus” e, aliás, em vez de dizer que vamos para o céu, diz que o céu vem até nós (Apocalipse 21.1-4).
Estas poucas questões indicam que não podemos nos ater ao literalismo das passagens bíblicas, isoladas umas das outras, mas devemos procurar compreender o sentido amplo das suas narrativas, que possibilitam ver os mesmos factos e fenómenos em múltiplas dimensões e implicações. Em termos da “doutrina das últimas coisas”, a melhor interpretação sugere a “escatologia inaugurada”, que estabelece a tensão entre o “já” e o “ainda não” da salvação: ao mesmo tempo em que o dia da salvação é agora – já (2 Coríntios 6.2), também “em esperança somos salvos” – ainda não (Romanos 8.24).
Não é incorrecto, portanto, afirmar que assim como o reino de Deus já veio e ainda está por vir: o reino de Deus chegou (Lucas 11.20) e “venha o teu reino” (Mateus 6.10), também Jesus Cristo já veio e ainda está por vir, pois se o esperamos no fim escatológico – a parousia, também é certo que Ele está connosco até à consumação dos séculos, pois ao afirmarmos a igreja como corpo de Cristo, declaramos que Jesus age na história por meio de homens e mulheres que invocam o seu nome. Como afirma Ariovaldo Ramos, “quando falamos da segunda vinda, dizemos da sua vinda, novamente, visível, mas é razoável a perspectiva de várias vindas e de uma derradeira, definitiva e visível, como o foi na sua ascensão, pois se esta derradeira vinda não for plausível, teremos de rever o rapto da igreja, a transformação dos que estiverem vivos e a ressurreição dos mortos”.
Aguardar a vinda de Jesus no fim dos tempos pode tornar-se uma distracção que nos impede a relação com Ele aqui e agora; negligenciar a vinda de Jesus no fim da história equivale a esvaziar a fé cristã da sua utopia do reino eterno de Deus e negar a promessa futura do novo céu e nova terra. Ambos os equívocos são perigosos e perniciosos à militância e esperança cristãs.
Ed René Kivitz
Via Laion Monteiro