É frustrante para um pai ou um professor constatar que os seus filhos ou alunos não apreenderam ensinamentos básicos que foram trabalhados e exercitados durante longo tempo. Não falamos acerca dos que foram privados de oportunidades, ou não foram acompanhados adequadamente. O problema são aqueles que deveriam “ser mestres” face à atenção e esforço que lhes foi dispensado, mas que continuam sempre a necessitar das lições rudimentares que receberam.
Na área educacional, os profissionais ficam atentos face ao chamado “Distúrbio de Déficit de Atenção” (DDA), que é uma síndrome caracterizada por distração, dificuldade de organização, e incapacidade para se manter atento às tarefas exigidas. Seguindo a mesma linha de raciocínio, parece que existe também um “déficit de compreensão do Evangelho” que tem que ser considerado.
Vemos isso acontecer até mesmo no círculo mais próximo de Jesus. Filipe conviveu quase três anos com o Mestre, e certo dia fez-lhe um pedido surpreendente: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta”. Jesus respondeu-lhe: “Filipe, há tanto tempo estou convosco e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai”.
Aquele discípulo, com o seu pedido, representa todos os que têm dificuldade em reconhecer o rosto divino no que é humano. Para estes, nada do que é ordinário possui manifestação divina: precisam do extraordinário. Não compreenderam que o Eterno escolheu manifestar o Seu rosto em Jesus, homem.
Era constante a discussão entre os discípulos procurando um lugar de distinção e preferência. Não entenderam que Evangelho não é disputa de poder. Por isso Jesus ensinava: “entre vós não será assim”. De igual modo, líderes modernos vivem em encarniçada competição para aumentar o [ seu ] rebanho imaginando que «o maior no Reino dos Céus» tem a ver com o tamanho das suas congregações. Não entenderam nada do Evangelho mostrando resquícios de disputas mal resolvidas na adolescência.
Felizmente há exemplos de compreensão quase instantânea. O eunuco etíope, alto funcionário da corte, ia na sua carruagem lendo o profeta Isaías. Filipe achega-se e pergunta “Entendes o que lês?” (Act. 8:31). Ele responde: “como poderei entender se ninguém me explicar? Filipe anunciou-lhe, então, a Jesus. Ele entendeu o texto das Escrituras, abraçou a fé e foi batizado. Imediatamente.
Para compreender é fundamental saber ouvir. Se eu não ouço o que o outro diz, não percebo o conteúdo da mensagem. Fiquei feliz ao descobrir que em certas culturas indígenas, quando alguém fala todos devem ouvir, em silêncio, e assim permanecer por longo tempo. Somente depois disso é permitido a alguém manifestar-se.
Questionado por um visitante, o chefe indígena explicou: “se você transmite alguma coisa, isso para nós é importante, então precisamos meditar naquilo que você disse”.
O Evangelho é compreendido pelo ouvir. Se eu não consigo ouvir, não posso compreender. Ou seja, ouvir é mais do que vibração do tímpano, é deixar-se ser tocado pelas palavras. Ouve-se com todo o ser. O primeiro e fundamental dever do amor é o de ouvir (Paul Tillich).
Compreensão exige mais que conhecimento, estudo, leitura... Exige também simplicidade. Jesus alertou que apenas os simples do coração conseguiriam ouvir e entender o Evangelho.
Para compreender o Evangelho é preciso ter coragem para se libertar da «bagagem religiosa» que chegou até nós, carregada por séculos de desvios, de bulas, decretos, acréscimos, crendices e superstições. É preciso buscar o verdadeiro Jesus nas páginas do Evangelho. Se a mensagem correcta não fortransmitida, se o Deus da Bíblia não for explanado e o Filho do Homem não for anunciado, o que é transmitido não passa de um simulacro, um “Gezuz” que precisa morrer para que nasça o verdadeiro Messias.
É verdade que por vezes temos dificuldade em compreender o Evangelho. Felizmente Deus é paciente, e com a sua voz suave ensina-nos: “João, não é pedindo fogo do céu para consumir os desobedientes que eles se salvarão”.... “Pedro, não é a usar a espada para cortar a orelha do inimigo que conseguirás resolver os problemas”.... “Saulo, não é a perseguir impiedosamente os opositores que me vais agradar”.
Quem se recusa a ouvir o que Deus tem para dizer, através da Sua Palavra, e renega a simplicidade de coração, jamais ultrapassará os rudimentos do Evangelho. Estes serão chamados de «religiosos»; falarão: “Senhor, Senhor”, profetizarão, expelirão demónios e até farão milagres... mas “naquele dia”, ouvirão explicitamente: “nunca vos conheci” (Mt. 7:23).
Ao estagnarem, para além de não conhecerem verdadeiramente a Jesus e de não compreenderem a mensagem do Evangelho, perderão o melhor da festa.
Por Pr. Daniel Rocha
Adaptado ao português usado em Portugal por Ab-Integro