quinta-feira, 16 de abril de 2009

Uma Carta para Éfeso

Pode uma igreja subsistir sem Amor ?

Esta foi a única acusação que o Senhor Jesus lançou à igreja em Éfeso : “ tenho contra ti que deixas-te o teu primeiro amor”

Como igreja cristã do primeiro século, éfeso era um paradigma para todas as igrejas: organização, trabalho, esforço, dedicação, consistência, persistência, sofrimento, zelo, etc. Apesar de tudo, jesus encontrou um motivo fortíssimo para a reprovar, sendo que esse motivo é letal para a igreja de qualquer época, porque o Amor é o “combustível” da fé, missão e esperança.

Jesus deixa claro em Éfeso que tudo o que faziam era muito importante e condição indispensável para se ser igreja; no entanto, sem Amor, o conjunto das suas virtudes não tinha nenhum valor para Deus.

E PORQUÊ ?

Pelas razões que Cristo apontou no evangelho de João. Clarificando João 13:35 : “todos conhecerão que somos igreja se em nós e nas nossas obras persistir o amor de deus”

O que estava certo em Éfeso, ( e era muita coisa ) não era suficiente para que Jesus ali mantivesse o “Candelabro”, que simboliza a luz da sua presença .

A IGREJA RECEBEU UM ULTIMATO :

Ou se arrependia e retornava ao Amor que já tinha experimentado, ou deixava de ter a Luz de Jesus a iluminá-la!

O papel fundamental da igreja não é apenas o de ser uma organização filantrópica. O maior poder da igreja não está em servir ou defender-se, mas antes em amar, e amar com o mesmo Amor com que Jesus a amou. Sem isso, éfeso tornou-se uma igreja com uma obra de filantropia activa. Desviou o seu foco principal do Amor de Deus, colocando-o no serviço. Tornou-se uma igreja obcecada pela BELEZA da sua fé e ficou cega para o Amor em que essa fé assentava.

Possuía uma postura firme contra os falsos mestres, defendia-se dos hereges, era doutrinariamente rígida. Mas deixou-se seduzir por si própria e pelos seus "correctos" motivos. Tornou-se uma igreja só preocupada com o seu umbigo. E, pelos vistos, este era grande… À luz dos padrões de hoje, seria por todos certamente considerada uma “superigreja”. Cheia de bons planos e ideias para se defender das armas dos inimigos e para concretizar os seus eventos com sucesso. Gente esforçada e trabalhadora, inatacável por qualquer outra igreja ou organização cristã, desse ponto de vista. Em suma :

UMA INSTITUIÇÃO CRISTÃ COM PERSONALIDADE VINCADA E SUBLINHADA PELO SERVIÇO.

Porém Jesus disse-lhe : “ O AMOR NÃO É NEGOCIÁVEL” . Isto é : o Amor de Deus nos nossos corações não pode ser trocado por nenhuma boa virtude ou dom espiritual, como também referiu, aliás, o apóstolo Paulo na sua primeira epístola aos Coríntios no Cap. 13.

“DEITAR FORA O BÉBÉ COM A ÁGUA DO BANHO”

Éfeso era uma igreja auto-centrada, plenamente satisfeita com o seu estatuto espiritual, mas que tinha perdido o essencial. E se uma igreja enfatiza uma coisa em detrimento de outra; se inclui alguma coisa e exclui outra, então “ela estará certa naquilo que inclui mas errada naquilo que exclui”.

O desejo de Cristo não é, obviamente, retirar aquilo que a igreja tem de bom, mas antes expurgá-la daquilo que não presta e dar-lhe o que ela ainda precisa. A exortação de Cristo não era para que a igreja em Éfeso abandonasse qualquer uma das boas características que lhe foram reconhecidas.

Aquilo que se pode constatar em muitas igrejas, até do nosso tempo, é que são tão sérias doutrinariamente que se tornam rígidas e dogmáticas. Numa igreja com este perfil, os crentes acabam por ser o menos importante, o que conta é a doutrina e a ortodoxia fria e inflexível. Uma igreja assim, está permanentemente a ser “limpa” pela ortodoxia vigente, mas depois, ao deitar fora a “água da limpeza”, corre o risco de deitar com ela o “bebé” em Cristo.

“Doutrina sem Amor é legalismo”

“Amor sem Doutrina é laxismo”

Éfeso precisava reavaliar-se rapidamente ou perderia a sua posição privilegiada no coração de Deus . Quando abandonamos o Amor, significa que outras coisas tomaram o seu lugar na igreja, e são precisamente “essas outras coisas” que a podem levar a perder a sua missão bem como a visão da pátria celestial.

“Lembra-te pois de onde caíste, e arrepende-te e pratica as primeiras obras, quando não brevemente a ti virei e tirarei do seu lugar o castiçal, se não te arrependeres” .

Mesmo sendo óbvio para uma igreja bem fundada nos “rudimentos da fé cristã”, como a de Éfeso, ela estava a cair no erro de fazer todas as coisas que uma igreja deve fazer sem estarem embebidas no Amor de Deus. O problema não era falta de actividade, negligência ou preguiça. Jesus disse-lhe : “Conheço as tuas obras”. Uma alusão clara ao muito serviço em que os cristãos de Éfeso estavam envolvidos. A questão é que esse serviço já não estava em sintonia com o Amor nos corações. Era filantropia pura!

ENCONTRAR O QUE SE PERDEU

Os crentes efésios perderam algo que já haviam tido em abundância. Jesus não lhes diz na carta como poderiam recuperar o que haviam perdido, mas temos essa indicação, em relevo, na primeira epístola de João 4:19-21 :

“ nós o amamos porque Ele nos amou primeiro. Se alguém diz : eu amo a Deus e aborrece seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus a quem não viu ? E dele temos este mandamento: quem ama a Deus, ame também a seu irmão.”

Era a esta vivência cristã que Cristo chamava a igreja em Éfeso, a única, aliás, que pode manter a igreja viva e firme na sua missão. Mas isso não era desconhecido para os crentes. Paulo, na carta que lhes dirigiu 43 anos antes da que receberam através da revelação de João, saúda-os pela sua fé e realça o seu amor cristão. ( Efésios 1: 15 ).

Inácio de Antioquia também escreveu à igrejo de Éfeso, no príncipio do segundo século, e recebeu desta informações de que o Amor que nela reinara tinha sido de novo despertado na sequência da carta de Apocalipse. Mais tarde, a igreja de Éfeso volta a decair, tendo desaparecido, integralmente, já durante a idade média. Segundo uma carta dirigida a um arcebispo da igreja católica, já em plena idade média, por um viajante cristão que passou por Éfeso, e que procurou ali a igreja, este não terá encontrado mais do que três crentes e mesmo assim “imersos em tamanha ignorância e apatia a ponto de mal terem prestado atenção aos nomes de Paulo e João” .

Jacinto Lourenço