Encaro como desafio fugir das obviedades. Quero enfrentar as perguntas difíceis que escondi sob camadas escrupulosas da alma por anos. Fui escravo dos lugares comuns, dos clichês, dos chavões. Repeti frases de efeito sem incomodar-me com as implicações na vida concreta dos outros. Procuro não ser inconsequente.
Encaro como desafio fugir dos ufanismos. Quero enfrentar a fragilidade argumentativa do discurso. Imaginei que minha retórica converteria o mundo, que meus raciocínios tinham a força dos oráculos. Angustiei-me com rejeições ao que considerava Revelação. Procuro oferecer, despretensiosamente, meus débeis arrazoamentos sem esperar tornar-me uma unanimidade.
Encaro como desafio fugir da onipotência. Quero enfrentar os limites de minha capacidade. Tentei encarnar o mito de Atlas. Violei o princípio da termodinâmica e trabalhei como um moto-cotínuo. Aprendo a dizer não. Celebro o sossego. Descriminalizo o ócio. Não pretendo tornar-me um novo Alexandre.
Encaro como desafio fugir do sucesso. Quero enfrentar a glória como uma tentação. Encantei-me com o brilho da fama. Gostei das badalações. Preferi os palcos. Gostei das salvas de palmas. Quero desdenhar dos holofotes, dos confetes, dos rasga-sedas. Entediado, privilegio ambientes intimistas. Elejo pequenos grupos.
Encaro como desafio fugir do cinismo. Quero enfrentar a tragédia humana sem distanciar-me dos indivíduos. Já dei de ombros para os gigantescos campos de exilados das Nações Unidas. Preocupei-me com trivialidades, alheio à malária, ao cólera, ao tráfico humano para a prostituição, ao HIV. Quero responder ao sofrimento de milhões com ações; inquietar os confortáveis; provocar engajamento; unir-me aos indignados para que menos inocentes padeçam.
Encaro como desafio fugir de uma espiritualidade desencarnada. Quero arraigar a fé no chão da vida; trazer a devoção para o dia-a-dia; alcançar a salvação, ajoelhado diante do moribundo da beira do caminho.
Soli Deo Gloria
Pr. Ricardo Gondim