A crise é, a vários títulos, uma grande oportunidade.
Em primeiro lugar, é uma oportunidade existencial. A sociedade ocidental vive inebriada pelo consumo, dependente do dinheiro, viciada em confortos. Consumir, ter dinheiro, viver confortavelmente é bom; viver para isso é mau.
A crise é uma oportunidade para confrontar a centralidade redutora do ter e do parecer nas nossas vidas. Muitas famílias aproveitarão a oportunidade.
Também a oportunidade de dar e de nos darmos se amplia com a crise. Os pedidos de ajuda vão chegando de todos os lados. Vejamos isso como uma oportunidade de encontro interior, sabendo dar valor ao que temos e ao essencial do que temos e recusando a indiferença zombie das vidas materialistas e de coração fechado.
Em segundo lugar, é uma oportunidade para a afirmação da economia social de mercado a nível global.
A verdadeira aventura da globalização começou há pouco tempo e o mundo aprenderá muito com este sofrimento.
Ganhámos uma noção traumática de um mundo dominó. Os países estão encostados uns aos outros e a queda de um pode arrastar todos.
O risco sistémico ao nível dos Estados mantém-se, o afundamento dos mercados emergentes em consequência da queda da procura global e a exposição financeira de países desenvolvidos a esses mercados emergentes pode levar a perigosas falências ao nível dos Estados, sendo duvidoso que o FMI tenha condições para estruturar operações de salvamento em cadeia.
A noção disto mesmo, da possibilidade de um apocalipse financeiro mundial, só pode determinar medidas de fortalecimento e de sustentabilidade da economia social de mercado, agora definitivamente regulada a nível global.
Em terceiro lugar, uma oportunidade para a ética dos negócios.
Os excessos de crédito, provocando bolhas sucessivas, bem para lá da bolha no sector das hipotecas de alto risco, desde os cartões de crédito ao crédito automóvel, dos leverages buyouts aos fundos de cobertura de risco, dos empréstimos a estudantes a swaps de créditos duvidosos, tudo isto determinou um mercado financeiro global de altíssimo risco, no qual, como refere Nouriel Roubini, 60 biliões de dólares em termos de protecção nominal foram vendidos tendo subjacentes um stock de obrigações empresariais de apenas 6 biliões.
Há o erro de resumir a violação ética à prática de ilícitos criminais. A ética está muito para lá de Maddof.
Muitos responsáveis financeiros lideraram as suas instituições como se conduzissem um autocarro cheio de gente a cem à hora a descer a rampa da Pena.
As crises do capitalismo têm as costas largas. Explicam o que se passou apenas em parte. A ética dos negócios, incluindo o valor da prudência, tem agora uma grande oportunidade.
António Pinto Leite
In jornal Expresso de 28 de Março de 2009