terça-feira, 30 de outubro de 2012

A Histórica e Cega Obstinação Alemã...


...Além disso, quem pode saber o que irá acontecer com a chegada dos russos? Porque os russos irão chegar. O solo treme  noite e dia debaixo dos nossos pés; no vazio da Buna o ruído baixo e surdo das artilharias ecoa agora ininterruptamente. Respira-se um ar tenso, um ar de solução final. Os polacos deixaram de trabalhar, os franceses voltaram a andar de cabeça erguida. Os ingleses piscam-nos o olho e cumprimentam-nos com o "V" do indicador e do médio; e nem sempre às escondidas.

Mas os alemães são surdos e cegos, fechados numa couraça de obstinação e de desconhecimento deliberado. Mais uma vez marcaram a data de início da produção da borracha sintética: será a 1 de Fevereiro de 1945. Constroem abrigos e trincheiras, reparam os estragos, edificam, combatem, dão ordens, organizam e matam.  Que mais poderiam fazer ? São alemães. Esta sua actuação não é meditada nem deliberada, é consequência da sua natureza e do destino que escolheram para si. Não poderiam agir de outra forma [...]


Primo Levi

Se Isto é um Homem,pág.156 - Edição Público, Colecção Mil Folhas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Já Vivi num País Assim...




O primeiro-ministro anunciou que íamos empobrecer, com aquele desígnio de falar "verdade", que consiste na banalização do mal, para que nos resignemos mais suavemente. Ao lado, uma espécie de contabilista a nível nacional diz-nos, como é hábito nos contabilistas, que as contas são difíceis de perceber, mas que os números são crus. Os agiotas batem à porta e eles afinal até são amigos dos agiotas. Que não tivéssemos caído na asneira de empenhar os brincos, os anéis e as pulseiras para comprar a máquina de lavar alemã. E agora as jóias não valem nada. Mas o vendedor prometeu-nos que... Não interessa.
Vamos empobrecer. Já vivi num país assim. Um país onde os "remediados" só compravam fruta para as crianças e os pomares estavam rodeados de muros encimados por vidros de garrafa partidos, onde as crianças mais pobres se espetavam, se tentassem ir às árvores. Um país onde se ia ao talho comprar um bife que se pedia "mais tenrinho" para os mais pequenos, onde convinha que o peixe não cheirasse "a fénico". Não, não era a "alimentação mediterrânica", nos meios industriais e no interior isolado, era a sobrevivência.

Na terra onde nasci, os operários corticeiros, quando adoeciam ou deixavam de trabalhar vinham para a rua pedir esmola (como é que vão fazer agora os desempregados de "longa" duração, ou seja, ao fim de um ano e meio?). Nessa mesma terra deambulavam também pela rua os operários e operárias que o sempre branqueado Alfredo da Silva e seus descendentes punham na rua nos "balões" ("Olha, hoje houve um ' balão' na Cuf, coitados!"). Nesse país, os pobres espreitavam pelos portões da quinta dos Patiño e de outros, para ver "como é que elas iam vestidas".
Nesse país morriam muitos recém-nascidos e muitas mães durante o parto e após o parto. Mas havia a "obra das Mães" e fazia-se anualmente "o berço" nos liceus femininos onde se colocavam camisinhas, casaquinhos e demais enxoval, com laçarotes, tules e rendas e o mais premiado e os outros eram entregues a famílias pobres bem- comportadas (o que incluía, é óbvio, casamento pela Igreja).

Na terra onde nasci e vivi, o hospital estava entregue à Misericórdia. Nesse, como em todos os das Misericórdias, o provedor decidia em absoluto os desígnios do hospital. Era um senhor rural e arcaico, vestido de samarra, evidentemente não médico, que escolhia no catálogo os aparelhos de fisioterapia, contratava as religiosas e os médicos, atendia os pedidos dos administrativos ("Ó senhor provedor, preciso de comprar sapatos para o meu filho"). As pessoas iam à "Caixa", que dependia do regime de trabalho (ainda hoje quase 40 anos depois muitos pensam que é assim), iam aos hospitais e pagavam de acordo com o escalão. E tudo dependia da Assistência. O nome diz tudo. Andavam desdentadas, os abcessos dentários transformavam-se em grandes massas destinadas a operação e a serem focos de septicemia, as listas de cirurgia eram arbitrárias. As enfermarias dos hospitais estavam cheias de doentes com cirroses provocadas por muito vinho e pouca proteína. E generalizadamente o vinho era barato e uma "boa zurrapa".
E todos por todo o lado pediam "um jeitinho", "um empenhozinho", "um padrinho", "depois dou-lhe qualquer coisinha", "olhe que no Natal não me esqueço de si" e procuravam "conhecer lá alguém".

Na província, alguns, poucos, tinham acesso às primeiras letras (e últimas) através de regentes escolares, que elas próprias só tinham a quarta classe. Também na província não havia livrarias (abençoadas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian), nem teatro, nem cinema.
Aos meninos e meninas dos poucos liceus (aquilo é que eram elites!) era recomendado não se darem com os das escolas técnicas. E a uma rapariga do liceu caía muito mal namorar alguém dessa outra casta. Para tratar uma mulher havia um léxico hierárquico: você, ó; tiazinha; senhora (Maria); dona; senhora dona e... supremo desígnio - Madame.
Os funcionários públicos eram tratados depreciativamente por "mangas-de-alpaca" porque usavam duas meias mangas com elásticos no punho e no cotovelo a proteger as mangas do casaco.
Eu vivi nesse país e não gostei. E com tudo isto, só falei de pobreza, não falei de ditadura. É que uma casa bem com a outra. A pobreza generalizada e prolongada necessita de ditadura. Seja em África, seja na América Latina dos anos 60 e 70 do século XX, seja na China, seja na Birmânia, seja em Portugal. 

Texto atribuido a Isabel do Carmo, médica, a circular na Net

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Enorme Esbulho...




...Quando o País, na retórica atual do PSD, balançava indefeso à beira da bancarrota, os sociais-democratas não só obstaculizavam [...] racionalizações de recursos como bradavam (ouve-se ainda o eco indignado) contra qualquer aumento de impostos ou baixa das deduções fiscais. Rasgavam as vestes ante a proposta de aumento do IVA em produtos alimentares tão essenciais e saudáveis como os refrigerantes e o leite com chocolate - os mesmos que nem um ano após anunciavam o aumento do da restauração para 23%. E os autointitulados democratas cristãos, o que guinchavam, no fim de 2010, com o congelamento das pensões? Ainda zumbe nos ouvidos. Mas ei-los, no OE 2012, a aprovar, sem tugir, o esbulho de dois subsídios aos pensionistas (e no OE 2013 o de um subsídio mais um corte médio de 5% mais o maior aumento de impostos da história).
Se foi assim que PSD e PP agiram quando, é pacífico na cartilha dos partidos no poder, o País até já devia ter pedido um resgate e tudo, como terá sido nos anos anteriores? Que propostas fizeram, de 2005 a 2011, para combater o que apelidam de "criminoso despesismo do Estado"? Como votaram diplomas governamentais visando conter a despesa pública ou racionalizar recursos?[...]

Fernanda Câncio in Diário de Notícias online

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Directamente do Inferno...


Para além do que ouvia os adultos falarem entre si, em surdina, sobre a  falta de liberdade, da censura, da PIDE e da tortura aos presos políticos, entre os quais se encontraram membros da minha família, da marginalização cultural, do subdesenvolvimento da educação, etc, não tenho uma memória muito viva do que foi o  regime político que caiu a 25 de Abril  de 1974. Já o mesmo não acontece quanto ao regime democrático estabelecido pós Abril. Acompanhei e vivi in loco, e de facto, estes últimos 38 anos com um misto de expectativa, esperança, alegria e tristeza. Vi como a sociedade portuguesa evoluiu e atingiu patamares de desenvolvimento nunca antes imaginados, mas senti também o quanto a democracia portuguesa e o país estavam expostos aos aventureirismos políticos de alguns, à sede de protoganismo de muitos, e ao compadrio e clientelismo que levaram os partidos políticos maioritários a "assaltarem" o aparelho de estado e a instalarem-se e dominarem, a seu belo prazer, os centros de controlo económico como sanguessugas que retiraram todo a seiva e esperança que a democracia podia deixar antever para o futuro. Agora dizem-nos que somos todos culpados. Devo afirmar desde já que a mim, e a milhões de portugueses na minha situação, o estado nunca deu nada, bem pelo contrário, sou um contribuinte líquido para os seus cofres há mais de 40 anos. Por isso, não me venham dizer que sou co-responsável da situação a que o país chegou. Tudo o que tenho ou alcancei na vida, paguei do meu bolso com recursos provenientes exclusivamente do meu trabalho: a minha educação e dos meus filhos, a minha casa, o meu carro, etc. Em nenhum momento recebi algo do estado que não tivesse já pago.                                                                                                                                         

Felizmente, nunca tive necessidade de internamentos hospitalares, não sofro de doenças crónicas graves que precisem tratamentos dispendiosos, nunca usufrui de juros bonificados para aquisição de habitação, nunca deixei de pagar integral e atempadamente tudo o que o estado me pedia daquilo a que se achava com direito, e também nunca pedi ao estado, a qualquer governo ou instituição estatal, que fosse meu fiador. Até há pouco tempo, mais ou menos de há um ano a esta parte, pese embora entendesse que dera sempre mais ao estado do que dele recebera, não me sentia particularmente espoliado. As minhas contribuições, os meus impostos estavam a ajudar o país a desenvolver-se, juntamente com os impostos de outros portugueses que, como eu, recorreram ao estado pouco ou nada, estavam a chegar às mãos de velhos, crianças, doentes, à cultura, à educação de portugueses a quem a vida, no seu percurso, castigou ou castiga mais do que a mim. Até há um ano atrás eu tinha a nítida sensação de que a solidariedade social valia a pena e era necessária e que o que o estado me pedia era, grosso modo, razoavelmente encaminhado para esse objectivo. Os meus impostos faziam algum sentido.  O país, como a minha vida e a de muitos outros portugueses, não era um mar de rosas, mas havia esperança, convicção, em maior ou menor grau do caminho que estava a ser percorrido. Até que chegaram o "pântano" de Guterres e a "tanga" de Durão e nenhum deles quis ficar por cá a assistir ao deslizamento do país rumo ao inexplicável. Depois aportaram as loucuras Socráticas e a ganância da esquerda e da direita pelo bolo dos votos que fizeram abrir uma larga pista de aterragem aos ultra neo-liberais que nos governam e que têm uma única ideia para apresentar aos portugueses: destruição total e implacável das nossas vidas e de tudo o que de bom tinha até agora sido construído. Parece-nos que este (des)governo saiu directamente do inferno e que, como disse Pacheco Pereira, "o Diabo vai a conselho de ministros". 

Querem convencer-nos de que os culpados somos nós, e eu concordo: quem andou trinta e oito anos a sustentar a devassidão e o proxenetismo sócio-económico da maioria dos políticos e das suas clientelas partidárias é realmente culpado pela situação do país... Claro que isto só pode dar para a ironia. 

Querem os culpados ? Então procurem nos aparelhos partidários, nas grandes empresas públicas e institucionais, nos bancos, em algumas das maiores empresas privadas, etc. Estão aí culpados. Procurem em Paris, em Cabo Verde, no Algarve, no governo e fora dele, na oposição, nos gabinetes dos conselheiros, nos grandes escritórios de advogados. Procurem aí e vão encontrar todos os culpados da situação em que o país se encontra e todos os ladrões que nos roubaram o presente e o futuro. Só não encontram se não quiserem. Até porque, vez por outra, frequentam todos os mesmos banquetes, foruns e conferências. E o diabo lá continua a servi-los e a segredar-lhes novas ideias de como esmagar os portugueses...

Jacinto Lourenço

sábado, 20 de outubro de 2012

Capital sem Normas Éticas


...Quando se fala em capital, pensa-se fundamentalmente no capital monetário e financeiro. Evidentemente, também este é um capital simbólico, mas hoje é o dominante, acabando por subordinar os outros. O capital de consumo situa-se no mundo da vida, está ao serviço da vida e da produção de meios para o consumo, bem-estar e desenvolvimento da humanidade. Há um capital monetário ligado à produção e distribuição do poder, isto é, das relações sociais, no quadro dos valores humanos e da democracia, da distribuição dos meios que permitem a realização dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, num plano ético.
O problema maior é que nas últimas décadas se foi dando o triunfo do capital financeiro, sobretudo na sua vertente neoliberal, desligado da produção de bens materiais e da distribuição de bens sociais, para se transformar em fim em si mesmo, sem atender à vida das pessoas e acima dos próprios Estados, que devem garantir os direitos humanos e a igualdade dos cidadãos. Fim em si mesmo, domina os próprios mercados, que "já são mercados do capital".
Encontramo-nos diante do "perigo de um monoteísmo do capital financeiro, que aparece assim como o único Deus do nosso mundo. Um capital por cima da produção de bens e da administração da justiça dos Estados, um capital sem normas éticas, sem outra finalidade que não a do desenvolvimento do próprio capital nas mãos de poderes financeiros frequentemente sem nome."
Este capital toma conta de todos os outros, a começar pelo capital ético, e está na base de uma guerra em curso, que custa milhões de vítimas.[...]

Anselmo Borges in Diário de Notícias online

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Bando de Loucos...


...Em Setembro de 2013 está previsto o regresso ao mercado primário para nos financiarmos. Estaremos então com uma dívida pública da ordem dos €200.000M. Mas, com a economia de pantanas, as populações revoltadas e as agências de ‘rating’ a classificarem-nos como “lixo”, alguém acredita num cenário destes? Alguns ingénuos ainda olharam para o BCE como uma saída possível no mercado secundário. Mas Mario Draghi foi claríssimo: ou reconquistamos o “acesso total” ao primário ou não há nada a fazer.

A gestão de uma dívida envolve dois pagamentos: o capital e os juros. Sobre o capital, estamos conversados. Mas vale a pena reflectir um pouco sobre os juros. Não conheço a estrutura da nossa dívida, e muito menos a taxa de juro implícita. Mas admitamos que é da ordem dos 5% ao ano: com uma dívida de €200.000M, os juros sobem para os €10.000M anuais. Ou seja, o endividamento é de tal ordem que não nos deixa espaço para excedentes orçamentais. Lamento dizê-lo, mas nem os juros vamos conseguir pagar.

Com isto chegamos ao actual modelo de gestão. Parece evidente que o modelo da ‘troika’ – massacrar primeiro para aliviar depois – é de uma estupidez sem limites. Mas também é verdade que o Governo achou óptimo, propondo-se mesmo ir além do que a própria ‘troika’ exigia. Nunca ocorreu a estas cabecinhas tontas o que, nesta fase, seria realmente prioritário: investir, empregar, crescer. O resultado está aí, nesta monstruosidade social. A imagem que me ocorre é a de um país destroçado gerido por um bando de loucos.

Por amor de Deus, parem!

Daniel Amaral 

In Diário Económico online

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Bomba Atómica...




Fonte HenryCartoon

terça-feira, 16 de outubro de 2012


A agonia da minha pátria, que morre, removeu na minha alma a agonia do cristianismo. Simultaneamente, sinto a política erigida em religião e a religião erigida em política. Sinto a agonia do Cristo espanhol, do Cristo agonizante. E sinto a agonia da Europa, da civilização a que chamamos cristã, da civilização greco-latina ou  ocidental. E as duas agonias são uma só.

O cristianismo mata a civilização ocidental, ao mesmo tempo que ela o mata. E assim vivem matando-se.

Miguel de Unamuno

in A agonia do Cristianismo

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Alemanha não tem Emenda


...A Alemanha não tem emenda . Pela terceira vez , vai provar, tragicamente, a sua incompetência para liderar a Europa. Chegou atrasada ao estado-nação, destruiu duas vezes  o sistema internacional quando quis tentar a sua sorte imperial. E vai rebentar com a União Europeia, por querer estabilizar uma UEM que se tornou um vulcão à beira da erupção.

Viriato Soromenho Marques 

 Revista Visão

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Perfil de um Anti-Patriota ou o Trágico Destino dos Traidores


Que designação óbvia pode atribuir-se a alguém que, tendo a responsabilidade de prover o bem-estar e o desenvolvimento e assegurar um futuro ao povo que o elegeu ( mesmo que tenha sido eleito apenas por uma ínfima parte desse povo ) com base nas promessas feitas, faz precisamente o oposto, renegando o  programa político e de governo apresentado antes do acto eleitoral, agravando as condições de vida, espoliando as famílias, os velhos, os trabalhadores, negando o futuro a crianças e jovens, aplicando programas de criminosa destruição sócio-económica e do país em geral ? Sim, que designação pode aplicar-se a alguém que se ocupa em implementar  e impor a vontade de governos estrangeiros  dentro do seu próprio país e indo mesmo muito mais além do que aquilo que esses governos lhe exigem ? Ocorrem-me algumas designações, mas a mais óbvia, a que me surge assim de repente é a de anti-patriota. 
Um anti-patriota é alguém que não gosta do seu povo, que não o estima nem protege, que colabora activa e/ou passivamente na sua destruição, que o explora ou que permite a sua exploração em proveito de declarados interesses de grupos de vampiros económicos internos e externos, que o expõe à  ignomínia do empobrecimento calculado e executado premeditadamente. É isto, e muito mais, um anti-patriota, mesmo se na lapela insiste em usar emblemas da bandeira nacional que desrespeita com as suas atitudes e palavras. São assim, Passos Coelho e os seus apaniguados, anti-patriotas. Gente que não respeita o seu país, a sua pátria, o povo de onde emerge e que, em nome de um qualquer programa de ajustamento, que já poucos defendem lá fora, se obstina em aplicar até às últimas consequências, que só podem ser trágicas, a receita da destruição. Se deixarmos que continuem a sua acção, só pararão quando já nada mais restar, quando todo o país estiver hipotecado e destruído, quando o povo se arrastar pela lama sem forças para lutar mais em prol de um sonho colectivo que tem já novecentos anos.
Portugal neste momento está realmente tomado por forças anti-patrióticas. O episódio do içar da bandeira no 5 de Outubro foi premonitório  e, quiçá, revelador. O país só pode ser, nesta fase da sua história, comparado à França de Vichy, governada pelos colaboracionistas e anti-patriotas  Pétain e Laval . Um e outro acabaram condenados à morte por alta-traição à Pátria. Este foi o destino escolhido pela França liberta para os colaboracionistas de Vichy que desonraram o seu povo ao aceitarem uma tutela estrangeira que só ansiava pela destruição da pátria francesa. Sorte  idêntica teve também Miguel de Vasconcelos em Portugal, na revolução que em 1640 restaurou a pátria portuguesa e a libertou da tutela castelhana. Bem sei que hoje existem tribunais e que, felizmente, Portugal aboliu há muitos anos a pena de morte, mas pode um grupo de anti-patriotas sair incólume desta aventura ignominiosa a que sujeita um povo inteiro sem ser julgado e severamente punido pelos seus tresloucados actos ? 

Jacinto Lourenço

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Oração de Kuhn


...Agora cada um está a raspar cuidadosamente com a colher o fundo da marmita para tirar os últimos restos de sopa , o que provoca um ruído metálico que significa que o dia acabou. Pouco a pouco o silêncio prevalece, e então, da minha cama , no terceiro andar, vê-se e ouve-se que o velho Kuhn reza, em voz alta, com o boné na cabeça e abanando o corpo com violência. Kuhn agradece a Deus por não ter sido escolhido.

Kuhn é um insensato. Não vê, na cama ao lado, Beppo, o grego, que tem vinte anos, e que depois de amanhã irá para o gás; e que, sabendo-o, fica deitado olhando fixamente a lâmpada sem dizer nada e sem pensar em mais nada ? Não sabe Kuhn que a próxima será a sua vez ? Não percebe Kuhn que hoje aconteceu uma coisa abominável que nenhuma oração propiciatória, nenhum perdão, nenhuma expiação dos culpados, nada, em suma, que esteja em poder do homem fazer, poderá nunca mais cancelar ? 

Se eu fosse Deus, cuspiria para o chão a oração de Kuhn. [...]

Primo Levi

SE Isto é Um Homem, pág. 144 - Edição Público, Colecção Mil Folhas

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Exemplo de Florença à Atenção do governo...




Em Florença há dois palácios que todos os turistas conhecem. O primeiro é o Palazzo Vecchio, sede histórica do governo florentino, na Piazza della Signoria. Longe dali, do outro lado do rio Arno, ergue-se o imponente Palazzo Pitti, residência da família Medici.
Aquilo que muitos visitantes da cidade desconhecem é que existe uma ligação física entre os dois edifícios, passando pelo interior dos Uffizi, atravessando o rio na galeria superior da ponte Vecchio, continuando depois pelo interior de uma igreja e sucessivas casas, até chegar ao Pitti.
Este "corredor" foi construído por Vasari, em 1564, a pedido do Grão-Duque da Toscânia, Cosimo de Medici. Cosimo tinha medo que, saindo à rua, ele próprio ou o seu herdeiro, Francesco de Medici, fossem assassinados. Com a construção do corredor Vasari, os Medici passaram a deslocar-se entre a sua residência e a sede do Governo sem necessidade de contactar o povo nas ruas.
As notícias que nos vão chegando sobre os reforços de segurança de Passos Coelho e dos seus ministros fazem-me pensar no corredor Vasari. Agora os ministros do Governo português têm medo de sair à rua e, por isso, andam rodeados de agentes de segurança, ao mesmo tempo que evitam ao máximo as deslocações para fora dos gabinetes. O seu corredor Vasari são os carros de vidros fumados, os agentes da polícia, a rapidez dos movimentos cuidadosamente planeados.
Os membros deste Governo têm razão em ter medo do povo porque, tal como Cosimo e Francesco, decidiram sobrecarregá-lo de impostos e governar contra os seus interesses. Para este Governo, tal como para a autocracia florentina, o povo não é o centro do regime político, mas apenas uma entidade longínqua, à qual se "comunica" decisões tomadas previamente e sem consulta pública, no segredo dos gabinetes.

Há duas lições que sucessivas gerações da família Medici aprenderam à sua custa e que Passos Coelho e os seus ministros aprenderão à custa deles.
A primeira é que o povo aguenta muitas malfeitorias, mas tem um limite - que nunca ninguém sabe bem onde se situa. No dia em que esse limite é transposto, o povo entra pelas janelas do palácio, por assim dizer, e expulsa o príncipe e os seus ministros. Nesse momento eles lamentarão terem governado a favor dos "grandes" e contra os interesses dos "pequenos".

A segunda lição é a evidência, já muito experimentada, de que, quando a população não afasta os maus governantes, são aqueles que estão mais próximos do príncipe que se encarregam de desferir o golpe final. Francesco de Medici conseguiu escapar à ira dos seus súbditos mas, segundo a lenda, terá morrido na bem protegida Villa de Poggio a Caiano, envenenado pelo seu irmão Ferdinando.
João Cardoso Rosas
In Diário Económico

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Homens Sólidos, Líquidos e Gasosos...



...Conheço, agora, muitos mais homens líquidos e gasosos de que antes. Não quero dizer que os não houvesse; mas, hoje, estão mais expostos à própria malignidade do tempo. Vêmo-los e assistimos ao que dizem, mentirosos sem remissão; infalíveis tratantes; uma congregação de gente moldada ignora-se como, de quê e por quê. O nivelamento por baixo atingiu todos os sectores da sociedade. A indolência, de ordem cívica, é a pior de todas as afrontas éticas. E, de repente, ficámos aturdidos com um milhão de pessoas nas ruas, sem saber o significado mais profundo dessas razões. Sem saber o que fazer desta e com esta multidão. Pessoas sólidas, inesperadamente tornadas indefectíveis aos valores e aos princípios, e, até, às ideias, que calculávamos soterrados.


Baptista Bastos in Diário de Notícias Online


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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Enquanto a Europa se Desmorona...


...A reunificação alemã acabou por ser encarada no país como uma ruinosa empresa económica. Os alemães trocaram a "grandeza" pelo desejo duma confortável "vida normal". Conseguem mesmo filtrar com sucesso os gritos de protesto e angústia que crescem na periferia (cada vez mais central) da Zona Euro. Hoje temos mais Alemanha, mas muito menos Europa. Os Europeus já não temem os capacetes alemães, mas, pelo contrário, que a Europa se desmorone porque a Alemanha não quer descalçar as pantufas. O imobilismo alemão é hoje a arma de destruição maciça que pode lançar a Europa no caos.

Viriato Soromenho Marques

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