quarta-feira, 26 de junho de 2013

Entre a Loucura e a Razão...




"As mais belas ficções são inspiradas pela loucura e escritas pela razão, ou não?"
Anónimo )



Não é raro a realidade superar a ficção em bizarrias e situações grotescas. É verdade que a ficção está cheia de histórias de loucos, dementes, alucinados, mas não é menos verdade que a realidade está cheia de avariados, desvairados e brincalhões. A maior parte dos “loucos” não se encontra internada em casas de Orates, e eles circulam e interagem “connosco”, ou seja, com aqueles que, por estarem em maioria e se desviarem menos do padrão, se consideram sãos. Resta saber qual dos lados é mais doido, se o lado dos “normais” se o lado dos “dementes”, se na ficção se na realidade. A loucura sempre foi para nós objecto de fascínio e a literatura, cheia de exemplos pertinentes, não o desmente.
No conto O Diário de Um Louco, Fidèle, a personagem que Nikolai Gógol nos descreve como um simples e normal funcionário público, vai aos poucos ficando louco. O conto vai avançando à medida que os leitores se vão apercebendo dos pensamentos e visões da personagem, no mínimo estranhos, que, o vão levando, cada vez mais, à loucura. Claro que no final do conto, Fidèle, é internado, como doente mental, num hospital psiquiátrico. Convencido de que é Rei de Espanha, nunca se apercebe de que está louco (como todos os loucos) e julga encontrar-se na corte de um reino exótico com protocolos estranhos e costumes excêntricos, justificando assim todos os males que lhe vão acontecendo. Noutro conto, O Alienista, de Machado de Assis (na minha opinião, ainda mais extraordinário que o conto de Gógol, e que não podem deixar de ler), conta-se que, «numa remota vila do interior do Brasil chamada Itaguaí, vivera um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas». Ao abrigo da sua fama e sabedoria, consegue colocar, para além dos loucos, sob internamento, no seu próprio hospital psiquiátrico, a inteira comunidade de habitantes da vila, inclusive ele próprio.

Numa ocasião em que Filipe III de Espanha viu um jovem perdido de riso, comentou: «ou o rapaz perdeu o juízo ou está a ler o Dom Quixote.»
Dom Quixote é um dos livros mais divertidos de sempre, talvez o melhor livro de todos os tempos. A partir da obra de Cervantes, os leitores têm de estar conscientes de que, cada vez que iniciam a leitura de um romance, entram num mundo fictício, embora muitas vezes exista uma angustiante dúvida, entre os leitores, sobre a capacidade para fazer esta distinção entre realidade e ficção.
A fronteira que separa aquilo que é ficção e realidade, deixo para vocês julgarem. Porém, não posso deixar de contar uma história, passada na livraria, da esfera da realidade, parecendo ficção. Ou será o contrário?


Um cliente com um aspecto normal, faz uma pergunta natural:
- Tem livros sobre baratas?
O livreiro intrigado:
- Baratas!?...
- Deixe que lhe explique. Tenho uma barata em casa que fala comigo e queria saber mais sobre estes maravilhosos bichinhos. Eu sei que você não vai acreditar e é provável que me ache louco...
O livreiro sem deixar acabar o cliente, empolgado com a identificação, diz:
- Pelo contrário, acho até bastante interessante. E digo-lhe mais, ultimamente também eu tenho falado com uma, até lhe dei o nome de Metamorfose em homenagem a um amigo meu chamado Kafka…
Ainda o livreiro não tinha terminado a frase e já o cliente meio apavorado fugia porta fora.


Fonte: Pó dos Livros

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Louis Armstrong - Uma história de Vida


A sua técnica, imaginação e génio musical, tanto na trompete como a cantar, fez de Armstrong o modelo para todos os músicos do seu tempo. Louis Armstrong tocava trompete como se estivesse a cantar e cantava como se tivesse a tocar. Foi o inventor do scat e da trompete no jazz. O seu génio foi mundialmente reconhecido, e como o próprio Armstrong disse: "Uma nota é uma nota em qualquer língua. E se tu lhe acertares - Lindo". Louis Armstrong acertou nessas notas.
Louis Armstrong não era um músico de jazz. Ele era o jazz.
Foi também o mais influente de todos os vocalistas ou cantores de jazz. A audição das suas primeiras faixas cantadas parece indicar uma "normalidade" e "facilidade" que não eram aparentes na época. Ele tinha a capacidade de "adiantar" ou "atrasar" notas, mudar a melodia, colocar a voz, fazer "efeitos" vocais, improvisar o scat, ou simular a improvisação.

Estudos recentes mostram que, de facto, a sensação de improvisação é uma criação artística provocada por treino intenso e por diversas técnicas. Na realidade, o que parece um improviso de Armstrong é por vezes um falso improviso, resultado de muito trabalho e invenção, da mesma forma que um Impromptu de Chopin parece um improviso.
Louis Armstrong nasceu a 4 de Agosto de 1901 em New Orleans. O seu pai abandonou a família pouco depois do nascimento de Armstrong e a sua mãe teve que se prostituir para sobreviver mudando-se para uma área reservada a prostitutas e deixando Armstrong ao cuidado da sua sogra. Armstrong voltou para a sua mãe, que, apesar de carinhosa para Louis e sua a pequena irmã, era uma mãe irresponsável, deixando por vezes os filhos ao cuidado de estranhos - durante dias. 
Armstrong começou por cantar num quarteto de uma barbearia que durante anos se viria a tornar num excelente treino de ouvido musical. Na sua juventude acabou por passar dois anos num reformatório para crianças e adolescentes delinquentes. Acabou por se juntar à banda do reformatório e efectivamente foi-lhe dada uma corneta. Ao sair do reformatório, Louis Armstrong decidiu tornar-se 
músico. 
Começou a tocar (com instrumentos emprestados) em "honky-tonks" e "barrelhouses" na sua terra natal. E acabou por se juntar ao mais famoso grupo da zona, o de King Oliver, na altura considerado o melhor cornetista. Esta oportunidade ofereceu a Armstrong grande publicidade, expondo-o a um público, deixando de ser apenas um músico de fundo numa "honky-tonk". Oliver foi para Chicago em 1918 e Armstrong entrou para o seu lugar na banda de Kid Ory. Em 1919 começou a tocar nos barcos do Mississippi durante o Verão, o que lhe permitiu desenvolver-se como músico profissional que poderia ler e tocar qualquer música pedida ao momento.
Em 1922, King Oliver convidou Armstrong para ir a Chicago tocar segunda corneta no seu grupo. Esta Creole Jazz Band era no mínimo a banda mais influente de Chicago. Gravou os seus primeiros discos com este grupo e casou-se com a pianista do grupo Lil Hardin em 24 e, a pedido desta, foi para Nova York para a orquestra de Fletcher Henderson, uma das grandes bandas da "Grande Maçã". 
Armstrong tinha já o seu próprio estilo e a sua influência noutros músicos era agora sentida. Em Novembro de 25 voltou para Chicago e gravou discos que vieram a revolucionar o que se entendia como jazz. Estas gravações são também as primeiras com Stachmo a cantar. Durante este período trocou a corneta pela trompete e tranformou a música ao criar o scat (melodia inventada/improvisada pelo cantor utilizando palavras sem sentido) na gravação "Heebies Jeebies" em 1926. É bastante claro que Armstrong canta como se estivesse a tocar trompete. 

Em 1929 tomou um papel no espectáculo de Fats Waller e Andy Razaf - "Hot Chocolates"- e a sua versão de "Ain't Misbehavin'" foi uma sensação. Armstrong decidiu então tornar-se num entertainer popular. Foi o primeiro negro a ser realçado em filmes e a ter programas de rádio patrocinados. No final dos anos 30 era uma figura nacional. Formou a sua big band, a qual liderou até 1947. 

Com o colapso da febre pelas big bands, voltou às raízes e formou um pequeno grupo, Louis Armstrong e os seus All-Stars. A banda, apesar de ter os melhores músicos, funcionava como suporte para Louis Armstrong cantar canções populares. Os maiores êxitos foram "Mack The Knife" em 56 e "Hello Dolly" em 64, ambos número um em vários países. Nos anos 50 era um dos mais famosos entertainers do mundo. Fez perto de 50 filmes, percorreu dezenas de países, participou em inúmeros espectáculos e tournées. Quando Armstrong morreu a 6 de Julho de 1971, foi notícia de primeira página em jornais por todo o mundo.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Há Gente Pior que Mosquitos...


Estive afastado daqui uns tempos. Casei a minha filha e fui dar uma volta por aí para não ter que perceber o vazio, assim, de repente, quando ficasse sem ela em casa. Andei pelo Alentejo, de alto a baixo, que é onde regresso sempre que preciso encher a alma e respirar o ar que me cura da nostalgia que hei-de carregar para sempre,  enquanto conseguir conjugar o verbo "respirar". Parei e percorri cidades e vilas perseguido por uma vaga de mosquitos que teimavam em não respeitar repelentes, nem que fossem comprados na farmácia. Eram iguais no alto e no baixo alentejo. Picavam da mesma maneira e deixaram marcas  que me estão a levar um ror de dias a passar. Dizem os mais velhos, os alentejanos que nunca deixaram de respirar o ar alentejano, que é sempre igual, todos os anos por esta altura lá voltam essas criaturas, escuras, pequeníssimas. A verdade é que nunca dei por eles. Ou então andámos sempre desencontrados nas últimas décadas. Também pode ocorrer eu  já não me lembrar como é viver todos os dias no alentejo.

Aflito com os mosquitos que me deixaram, e à minha mulher, o corpo numa lástima, pensei que há pragas que não se afastam de nós com facilidade e nem tão pouco  temem repelentes. Insistem em picar-nos constantemente deixando depois marcas que perduram no tempo.

Acho que certo tipo de gente, como a que ocupa hoje o aparelho de estado, são deste género. Do género  dos mosquitos. Como os mosquitos que me picaram, são gente minúscula, sem dimensão humana,  sem outras causas que não sejam as de picar e chatear  os desprevenidos, sugar-lhes o sangue ou depositar um qualquer verme ou bactéria microscópicos de que só percebemos a existência quando já estamos infectados. Sim são gente infecta que se habituou aos repelentes e até aprendeu a contorná-los, a fintá-los. Enquanto não  conseguirmos proteger-nos vão continuar a sua saga infecciosa. Na verdade, quando damos conta de que nos atingiram já não há muito a fazer. É esperar que passe ou então fazer uma desinfestação geral que os elimine de uma vez por todas dos locais e condições que lhes são propícios; e todos os locais onde há vida lhes são propícios...                                                                                

Como os mosquitos, esta gente sem dimensão humana conta com a nossa passividade para fazer estragos, habituou-se a isso e  irá  voltar sempre: eles, os seus filhos, os seus netos, bisnetos, padrinhos, afilhados ou amigos, se os ventos não lhes forem contrários, irão voltar sempre, como uma praga,  para picar muita gente e deixar o seu veneno a fazer ferida. Reproduzem-se aos milhares. Sendo gente sem dimensão, são especialistas a ocupar o espaço de actuação, formando nuvens de interesses e alvos que lhes são vitais à sobrevivência e propagação.

Desinfestação geral, sim, é o que precisamos.


Jacinto Lourenço

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Sol, Mar, Café, Pastéis de Nata e pouco mais....


De segunda a sexta, na Antena 1, uma das minhas rádios de eleição excepto quando transmite os debates com o governo a partir de S.Bento, pela manhã, passa uma pequena rubrica designada  "Portugueses no Mundo", conduzida pela jornalista Alice Vilaça, e que vai ao encontro de portugueses que estão espalhados pelas sete partidas do mundo, e que normalmente fazem  parte da "nova emigração". Essa rubrica procura indagar, em jeito de conversa informal, o que levou esses portugueses a partirem em busca de uma vida diferente, de novos desafios pessoais ou profissionais, ou de melhores condições de vida. Não se trata de emigrantes formatados pela matriz dos anos sessenta do século passado. Trata-se de gente jovem, normalmente bastante qualificada em termos académicos, mas a quem Portugal não tinha nada para oferecer. Gente que partiu para fazer mestrados ou doutoramentos, que conseguiu no estrangeiro as bolsas que lhes foram negadas no seu país, gente que concluiu fora essas especializações académicas e que por lá ficou a trabalhar na investigação dentro das  respectivas áreas; mas também gente que concluiu por cá essas qualificações e que, sem nenhuma saída credível, ou que pelo menos não fosse risível, partiu, deixando um rasto de investimento perdido pelo país que deveria ter como primeira pioridade das suas políticas, no mínimo, não malbaratar o seu capital humano.

Já ouvi dezenas de entrevistas destas feitas por Alice Vilaça. Cada entrevistado fala das suas particularidades pessoais, do seu caso, das suas esperanças, das suas desilusões, das suas expectativas para um futuro que se lhes afigura, lá longe, bem risonho. Diria que, em 99% dos casos, poucos são os que ponderam um dia voltar a Portugal para aqui continuarem as suas carreiras profissionais, os seus projectos pessoais, a sua vida. A visão deles é ficarem pelo estrangeiro, nos países que os acolheram e lhes deram uma oportunidade ou demandarem outros países, noutros lugares do mundo. O regresso a Portugal nunca está nas suas cogitações, pelas piores razões.

Quando a jornalista convoca essa palavra tão portuguesa chamada saudade, as respostas são quase sempre invariáveis: da família, da gastronomia, do bacalhau, das sardinhas, do mar, do sol, dos cheiros a Portugal, do café e do pastel de nata. Tirando isso, o país não lhes desperta outras saudades ou sentimentos positivos...

Miseravelmente, Portugal é hoje um país que não sabe cuidar nem de si próprio. Como é que um país assim poderá pois saber cuidar dos seus, do seu povo, dos seus jovens, das suas crianças, de todos os que podiam, e podem, ser uma reserva de esperança para  um presente e um futuro melhores ?

Saudades ? Sim, claro, muitas. Mas não a saudade que os possa levar a cometer o erro do regresso. Isso sim, uma aventura que teria todas as condições para correr mal. 

No seu imaginário mais profundo e básico do território onde nasceram e cresceram, restam a gastronomia, a família, a placidez da aldeia, a luz da cidade, os pastéis de nata, o cafézinho, o sol, os cheiros e o mar... É  só isso que os liga a Portugal, quando daqui partem, os portugueses, na demanda de um futuro diferente, para melhor comparativamente ao que  este país triste e sem rumo ou direcção tem para oferecer aos que aqui nascem e  a ele se devotam .

Jacinto Lourenço