segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Vamos para Obras de Remodelação...

A Partir  de finais de Outubro estaremos AQUI, reformulados e com nova identidade. Mas sim, somos nós, como sempre, desde 2008


Encerra-se, neste ano de 2013 um ciclo de um lustro de existência do Ab Integro. Achamos que este blogue, tal como se apresentou até agora, cumpriu um objectivo relevante, quanto mais não seja, na minha própria vida, embora saibamos que foi também acompanhado por leitores e seguidores que mantiveram com ele uma relação de proximidade. Queremos melhorar. Dar-lhe um novo visual gráfico. Trazer-lhe novos conteúdos, porventura mais consentâneos com outros diferentes e abrangentes horizontes. Queremos também corresponder melhor às expectativas sociológicas  e culturais de quem nos visita e que se habituou a nivelar por cima. Não prescindimos dos nossos valores e continuaremos a  afirmá-los, mas  com suficiente abertura de espírito. É provável que uma nova designação do blogue, deste blogue, venha ela própria a reflectir esse novo trilho, essa nova marca identitária, esse novos desbravar de caminhos até agora pouco percorridos. 
Dentro de alguns dias estaremos de volta. Esperamos que substancialmente diferentes, para melhor. Até já.

Jacinto lourenço

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma Rádio com 78 Anos de Idade



Cresci  já com a televisão a operar em Portugal  há alguns anos.  A emissão começava às sete da tarde e terminava às onze da noite. Pelo meio haviam ainda dois ou três interlúdios musicais onde só se via uma imagem qualquer, fixa, acompanhada por uma música de fundo. Nunca percebi muito bem o porquê desses interlúdios mas presumo que a programação devia ser muito diminuta e não dava para as quatro horas de emissão diárias.  Ou seja, tudo resumido, aquilo daria para aí umas duas horas de emissão com programação normal.

Estávamos no tempo em que os telejornais só duravam meia hora... O tempo do Super-Rato e de mais dois ou três personagens de desenhos animados que ainda hoje fazem parte do meu imaginário infantil. Festa, mesmo, eram as transmissões de corridas de touros ou os jogos da selecção nacional de futebol assim como os dos clubes grandes de então, quando jogavam para as competições europeias. De resto, tirando os dias de semana, havia televisão aos sábados à noite e ao domingo à tarde. Ficaram na história da televisão desse tempo personalidades como Sousa Veloso e a sua  TV Rural, ou Vitorino Nemésio com o seu programa cultural em jeito de conversa informal com os tele-espectadores; como esquecer  a sua célebre frase: "Se bem me lembro..." . Ficou na história das nossas memórias. Mais tarde apareceram as "Conversas em família",  com Marcelo Caetano, e onde ele se explicava e à sua governação e tentava explicar um país  inexplicável no contexto da europa daquele tempo. Claro que, pouco a pouco, a televisão  lá foi  evoluindo, ou (in)voluindo, para aquilo que é hoje. 

Nessa altura, lembro-me bem, o que pontuava nem sequer era a televisão com a sua frágil programação de que se salvavam o Bonanza aos sábados e os desenhos animados dos domingos à tarde. O que pontuava a vida do povo, pelo menos na província,  era a rádio. Era a rádio que as pessoas  ouviam, já que, com excepção de uma ou outra família mais rica e de alguns cafés, mais ninguém possuía televisão privada em  casa. Era um luxo ainda incomportável para a época e  só o 25 de Abril de 1974 modificaria esse estatuto.  Telefonia, sim, muita gente tinha, embora um trabalhador assalariado tivesse que amealhar durante algum tempo para comprar uma telefonia ou, em alternativa, pagá-la a letras durante um ou dois anos.

 Foi a rádio que mais marcou a minha geração. Era a rádio que dava sempre os relatos da bola e que concitava as atenções dos homens e rapazes ao domingo à tarde ( sim, os jogos realizavam-se todos, e sempre, ao domingo à tarde ). Para os mais velhos, e mais ou menos politizados, era também a rádio que trazia as notícias que não passavam no crivo da censura em Portugal. Nas ondas curtas sintonizavam-se a Rádio-Moscovo e a Rádio-Portugal livre. Tudo muito em surdina, tudo muito baixinho, que as paredes, nesse tempo, tinham mesmo ouvidos e muitas pessoas foram delatados à GNR local, por vizinhos ou "amigos" ( Portugal foi sempre, afinal, mais do que se pensa ou diz, um país de "bufos" )  por escutarem esses programas clandestinamente sendo depois sujeitos ao respectivo interrogatório no Posto e, provavelmente, se ficasse só por aí,  a uns "afagos" dos guardas...

A rádio passava alguns programas que ninguém perdia nesse tempo. O Serão para Trabalhadores, da FNAT, os Parodiantes de Lisboa, ou a primeira rádio-novela em Portugal: "Simplesmente Maria", que deu brado.

Em minha casa, a casa dos meus avós, nunca houve televisão, até porque a energia eléctrica só chegou à povoação no final da década de 60, mas houve, tanto quanto me lembro, sempre uma telefonia que era o centro de todas as nossas atenções. Era ela   a nossa ligação ao pequenino mundo português que se fechava sobre si próprio nas fronteiras com Espanha. Talvez por tudo isto me tornei um indefectível ouvinte de rádio. Ainda hoje, em qualquer divisão da casa onde eu esteja, salvo alguma ocupação que o não permita,  há sempre um rádio ligado para eu ouvir. Normalmente ligado na Antena 1.  Regra geral, e com uma honrosa excepção de grande qualidade ( para o meu gosto claro ), não me agradam  estações de rádio sem gente dentro, que só passam música durante horas a fio, bem sei que poupam em recursos humanos mas para isso, para ouvir apenas música tenho outros suportes mais modernos. Rádio é outra coisa diferente.

 Gosto de uma rádio atenta a tudo o que se passa à nossa volta, uma rádio que me traga o mundo sem me ocupar a visão com imagens de arquivo que nos adormecem ao cabo de alguns minutos de bombardeio noticioso. Uma rádio que não faz das notícias um repetitivo "enchimento de chouriços". Uma rádio que diz o que tem a dizer sem grandes delongas ou "floreados" bacocos.  Gosto de rádio com cultura, com entretenimento inteligente, com uma boa selecção musical, com diversidade de rubricas, actuais e interessantes, e pluralidade de programação que chegue aos vários  estratos populacionais. Depois é só escolher  o que mais me gosto.  Outras vezes ouço rádio sem estar a ouvir, apenas como companhia. Não gosto da solidão pela solidão. Nunca gostei de estudar em silêncio. Isolo-me mais facilmente,  para ler ou estudar,  num ambiente ruidoso do que numa sala onde esteja sozinho. Outras vezes posso simplesmente colocar uma música do meu agrado em fundo e assim vou embalado pelo som.

Quando o meu despertador toca, pela manhã, a primeira coisa que faço é ligar um pequeno rádio que tenho na cabeceira e ouvir o que se passou no mundo enquanto eu dormia, a situação do trânsito, o tempo que vai fazer, etc.  É raro, mas às vezes tenho insónias; então ligo o rádio e ponho uns auriculares. Ao fim de algum tempo "desligo-me" sem dar por isso e os auriculares  saltam-me das orelhas e vão à sua vida sem eu dar  conta. 

Sem rádio por perto, a minha vida seria  um pouco mais insonsa.   Entre a televisão, onde praticamente só vejo um ou outro telejornal e programação que coloco previamente a gravar, e a rádio, sem dúvida que prefiro a rádio, salvo quando a imagem se me impõe inevitavelmente.

Porque é que eu me decidi hoje a reflectir sobre este tema ?  Em primeiro lugar porque tendo sido  radialista amador  e tendo também  trabalhado durante muitos anos num programa de rádio cristã-evangélica  ( "Novas de Alegria" ) a escrever e a fazer locução   de programas, e mais recentemente na rádio Transmundial,  conheço muito bem qual o poder de penetração da rádio e a sua capacidade para poder chegar a lugares, impenetráveis para outros meios, com a mensagem do Evangelho. Depois, bom, depois porque talvez os mais distraídos não se tivessem apercebido que a Antena 1 ( herdeira da antiga Emissora Nacional ) completou, precisamente hoje, 78 anos de existência.  Um marco importante, e de todo o relevo, e que, por isso, deve ser celebrado; por todas as razões, e mais ainda porque nos tempos que correm a rádio pública sofre ataques despudorados e inusitados da parte de quem ocupa o aparelho de estado e nos (des)governa. Mesmo correndo o risco, que os meios públicos de comunicação correm por tenderem a ser manipulados pelas forças partidárias que,  à vez, vão ocupando o aparelho de estado, eu bater-me-ei, sempre, por uma rádio e uma televisão pública. Felizmente, hoje, a Antena 1 é um referencial nos meios radiofónicos que, mesmo tendo a obrigação de prestar um serviço público, continua a manter uma identidade profissional de grande qualidade e rigor. Para além do mais, genericamente, está recheada de bons profissionais e é lá que quase todas as rádios privadas têm ido buscar  gente para se poderem lançar, com alguma segurança, no Éter.

Há outras estações de rádio de que eu gosto: a TSF, a Rádio Smooth ou a RFM, mas é sempre à Antena 1 que volto. E é por isso que  a minha homenagem vai para os 78 anos de existência da Antena 1 e para todos os seus profissionais que no passado e no presente deram e dão o melhor do seu saber para dignificar a rádio que se faz em Portugal. Muito obrigado por tantos  bons momentos que a Antena 1 me proporciona ao longo de muitos dias. 

Jacinto Lourenço

terça-feira, 23 de julho de 2013

Portugal - A culpa não é do Espelho...


Não está a ser fácil escrever sobre o meu país. Quando somos miúdos pensamos que um país é assim como que uma coisa tão grande, tão avassaladora, tão resistente, tão organizada e tão forte que nada ou ninguém o pode abater ou derrotar. Lemos os primeiros livros de história e ficamos esclarecidos acerca da nossa utopia. Afinal , os países, mesmo sendo grandes, poderosos e resistentes,  são constituídos por pessoas. Umas são boas, outras más, umas inteligentes, outras nem por isso, algumas patriotas e outras anti-patriotas, umas capazes outras medíocres. Muitas trabalhadoras e esforçadas e outras que preferem viver à sombra destas. Um país, vamos aprendendo na história passada e presente, e à nossa custa, é tão só e afinal um macro-cosmos onde toda esta gente se move e se organiza ou desorganiza, social e economicamente, onde projecta os seus anseios de felicidade e realização pessoais e colectivos. Um país, na conclusão das coisas, é afinal um espelho de todos nós, do que fomos, do que somos e do que esperamos vir a ser.

O meu país, o nosso país, Portugal, é no conjunto dos países ocidentais um pouco menos que um anão geográfico, mesmo sabendo que não é isso, no fundamental, que faz um país . Pese embora o seu passado, que gostamos de dizer grandioso, marcante no mundo, foi quase sempre mais anão do que gigante. Condenou, também quase sempre, quem nele vive, muito mais à miséria, ao sofrimento e infelicidade do que o contrário. Entregue ao que erradamente chamamos "elites", o seu papel no concerto internacional de antanho foi, grosso modo, o da subserviência, do logro, da artimanha, do "chico-espertismo" e da dependência externa.

Após a aventura liberal, a primeira república e a ditadura de 1926-1974, pensámos que tínhamos finalmente condições para nos olharmos ao espelho e gostarmos mais da imagem que lá víamos reflectida. Sim, pensámos que 1974 podia ser o ano de uma viragem que contrariasse o amargo de boca que a história nos deixou continuamente em herança. Ao princípio, e passado o conturbado período do PREC, até achámos que já éramos meio europeus, daqueles europeus que olhávamos, com inveja contida, mais a norte. A nossa demanda por felicidade pessoal e nacional não tinha limites. Diziam-nos que estávamos no bom caminho e nós acreditámos de boa-fé.

De tão distraídos que andávamos com a nova aventura europeia  nem sequer nos apercebemos que as velhas "elites", as mesmas que tinham feito de Portugal um estado semi-feudal em pleno século XX e que tinham devorado o seu povo, após um breve interregno,  regressavam de novo, chegavam de mansinho, aboletavam-se com os milhares de milhões que por cá aportavam, todos os dias, todas as semanas, todos os meses, vindos  da europa. Compraram bancos ao desbarato, fábricas, jornais, jeeps, ferraris, mansões, montes alentejanos, herdades, propriedades, grandes empresas de serviços, seguradoras, indústrias. Construíram hospitais, pontes e auto-estradas, com créditos baratos obtidos externamente e  deixaram  ao estado, a juros criminosos,  a conta para pagar durante as próximas dezenas de anos.  Dominam nas energias, nas comunicações, na televisão pública que agora é TDT, mas que ninguém vê por problemas técnicos que só têm explicações esotéricas e porque foi projectada para isso mesmo, para ninguém ver e assim cair nos braços das empresas do cabo. Não descuram nem mesmo os lixos. Querem controlar a saúde e, se possível, as forças armadas ou  mesmo as águas. Os seus mentores são fortes, vão dando instruções e conselhos a partir de luxuosos gabinetes em  torres altas de  cidades importantes da europa central onde se fala quase sempre em alemão. O estado, em Portugal e noutros países periféricos, e a sua organização, vão sendo desmantelados: sistema bancário, Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social, educação, etc. Fazem leis por medida para dar cobertura a tudo o que querem e aprovam-nas numa Assembleia ao seu serviço. Pagam principescamente a escritórios ditos de grandes advogados mas de moral pequena e ética na mesma medida para que lhe produzam pareceres incontestáveis e incontornáveis.  Respiram confiança impante, sabem que, em  Belém, as suas leis passam sempre e que os ventos e cores lhes são favoráveis. Transformaram as polícias na sua guarda pretoriana, e os polícias, esses, batem forte no povo alegando que estão a fazer o seu trabalho e que é para isso que lhes pagam.

Criam desemprego, sub-emprego, não-emprego. Fecham empresas sem dó nem piedade de quem delas subsistia ou retirava o sustendo pobre da família. Esmagam com impostos, taxas, sobre-taxas e ainda mais impostos e novas taxas.  Negam direitos e não sentem nenhuns deveres nem remorsos. Afinal, o país, o champanhe, os carros de gama alta, os privilégios as prebendas, não lhes custam nada, nem nunca lhes  custaram, sempre os tiveram de mão-beijada. Os seus tribunos vão organizando o circo mediático que traz notícias da  caridade, do pão e do circo que vão distribuindo. Fica-lhes barata a festa. Não são eles que a pagam.

Sim, pensávamos que íamos ser finalmente europeus...

Em 2013, quando nos  olhamos ao espelho da história, a imagem que lá vimos entra-nos pelos olhos e fere-nos a alma. É a mesma imagem de sempre, desfocada  com breves hiatos de ilusão.

Olhamos em volta, em busca de responsabilidades de quem  fabrica espelhos tão maus... Disparamos em todas as direcções menos na nossa. Mas afinal somos nós que "fabricamos" os espelhos onde projectamos a imagem da nossa história.  As tais "elites", parasitárias e oportunistas, só aproveitam as boleias que lhes damos no nosso dorso, seja pelo nosso  sufragar das suas acções, seja pela nossa falta de catarse colectiva, seja pelo nosso imobilismo ou amorfismo enquanto povo e nação. Quando neste Portugal coevo não sabemos aproveitar as janelas de oportunidade que a história nos abre, não podemos pedir responsabilidades a outros pela nossa incapacidade de o fazer. Abril já lá vai e nós por cá ficamos a ver-nos ao espelho numa imagem baça e desfocada. Dá raiva esta atitude complacente e contemplativa de uma portugalidade que só sabe pedir que a deixem existir nas mais velhas fronteiras europeias sem um rasgo ou esgar de assertividade. Sem um falar grosso. Sim, porque há gente que só ouve quando falamos grosso ou damos um murro na mesa.

Não existem caminhos para quem não sabe em que direcção quer ou deve ir .


Jacinto Lourenço

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Torah Regressa a Trancoso


O Rolo da Torah (Sefer Torah) regressa no domingo a Trancoso, mais de 500 anos após a expulsão dos judeus de Portugal, anunciou hoje a Câmara Municipal local.

Segundo a autarquia presidida por Júlio Sarmento, o Sefer Torah volta a existir em Trancoso "após a expulsão dos judeus decretada pelo rei D. Manuel I, em 1496, e posterior conversão forçada e a ação da Inquisição que dizimou a comunidade judaica trancosense de então".
O manuscrito será entregue, no domingo, pelas 10:00, durante uma cerimónia a realizar no âmbito do Seminário de Estudo e Reflexão Para Bnei Anusim "O Ciclo do Ano Judaico no Pensamento e na Lei Judaica", que hoje começa naquela cidade do distrito da Guarda.
A autarquia adianta que o Rolo da Lei Judaica será acolhido no espaço da Sinagoga Bet Mayim Hayim, localizado no Centro de Interpretação da Cultura Judaica Isaac Cardoso, no centro da antiga judiaria de Trancoso, construído por iniciativa da autarquia.

Fonte: Diário de Notícias online

sábado, 13 de julho de 2013

Os Judeus em Trancoso - Sefarad




Visto em : Por Terras de Sefarad

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Portugal - Um país Catatónico...


Portugal é, definitivamente, um país construído catatonicamente à volta dos mesmos residuais estados de alma. Nem mesmo uma quimérica "patuleia" nos livra disto....



Extrato de entrevista a um marinheiro da República em 1911:

" - A maior alegria que eu tive  foi a da proclamação disso que p'ra aí está e que eu julguei, então, que seria a República. Mas c'os diabos!... Ainda espero ter outra alegria maior... a da proclamação da verdadeira República.
- Mas esta república, que lhe parece ?
- Qual república ? Nós não temos República...São os mesmos... Só mudaram a bandeira..."


Fonte: Entrevista a um marinheiro revolucionário ( Manuel Joaquim - o França ) em 1911 in  Fermosa Estrevaria - 1912

segunda-feira, 8 de julho de 2013




"Não se aproxime de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás, ou de um idiota por qualquer dos lados".



Provérbio Judeu

Fonte: Por Terras de Sefarad

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Um presidente que é um Vácuo


Ando a dizer há muito tempo, anos, meses, semanas, dias, que Cavaco Silva é o pior presidente da república desde Abril de 1974, descontado, claro, o absurdo período do PREC, que não se dá a avaliações ou comparações deste género. Hoje, no momento em que escrevo, estou já convencido que não só é o pior presidente como também é o mais execrável na sua acção política que ele mistura com mesquinhez e indisfarçável abnegação partidária.  Basta ver a forma como escorraçou o anterior governo - logo desde a noite do seu discurso de vitória pela conquista do segundo mandato, na varanda do Centro Cultural de Belém - e como leva este ao colo com carinhosos afagos e juras de fidelidade a Passos Coelho até à morte política deste. A tragicomédia em que contracenou com Passos Coelho na posse de Maria Luis Albuquerque, sabendo já, naquela hora, que Paulo Portas se havia demitido e que isso teria consequências avassaladoras para o governo e para  Passos Coelho, para mais quando o mentor económico-financeiro do primeiro-ministro, Vitor Gaspar, tinha já saido, é realmente digna de um homem que já não sabe o que está a fazer em Belém. O colo que continua a dar a Passos Coelho é absurdo. Um Presidente da República  que fosse minimamente inteligente teria cancelado a posse e chamado de imediato a Belém os protagonistas da tarde de ontem. Mas não, preferiu deixar acontecer o expectável mantendo-se como uma dos personagens que mais tem contribuído para aquilo que está acontecer ao país neste momento. Este presidente não é uma múmia. É um vácuo completo !

Jacinto Lourenço

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Entre a Loucura e a Razão...




"As mais belas ficções são inspiradas pela loucura e escritas pela razão, ou não?"
Anónimo )



Não é raro a realidade superar a ficção em bizarrias e situações grotescas. É verdade que a ficção está cheia de histórias de loucos, dementes, alucinados, mas não é menos verdade que a realidade está cheia de avariados, desvairados e brincalhões. A maior parte dos “loucos” não se encontra internada em casas de Orates, e eles circulam e interagem “connosco”, ou seja, com aqueles que, por estarem em maioria e se desviarem menos do padrão, se consideram sãos. Resta saber qual dos lados é mais doido, se o lado dos “normais” se o lado dos “dementes”, se na ficção se na realidade. A loucura sempre foi para nós objecto de fascínio e a literatura, cheia de exemplos pertinentes, não o desmente.
No conto O Diário de Um Louco, Fidèle, a personagem que Nikolai Gógol nos descreve como um simples e normal funcionário público, vai aos poucos ficando louco. O conto vai avançando à medida que os leitores se vão apercebendo dos pensamentos e visões da personagem, no mínimo estranhos, que, o vão levando, cada vez mais, à loucura. Claro que no final do conto, Fidèle, é internado, como doente mental, num hospital psiquiátrico. Convencido de que é Rei de Espanha, nunca se apercebe de que está louco (como todos os loucos) e julga encontrar-se na corte de um reino exótico com protocolos estranhos e costumes excêntricos, justificando assim todos os males que lhe vão acontecendo. Noutro conto, O Alienista, de Machado de Assis (na minha opinião, ainda mais extraordinário que o conto de Gógol, e que não podem deixar de ler), conta-se que, «numa remota vila do interior do Brasil chamada Itaguaí, vivera um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas». Ao abrigo da sua fama e sabedoria, consegue colocar, para além dos loucos, sob internamento, no seu próprio hospital psiquiátrico, a inteira comunidade de habitantes da vila, inclusive ele próprio.

Numa ocasião em que Filipe III de Espanha viu um jovem perdido de riso, comentou: «ou o rapaz perdeu o juízo ou está a ler o Dom Quixote.»
Dom Quixote é um dos livros mais divertidos de sempre, talvez o melhor livro de todos os tempos. A partir da obra de Cervantes, os leitores têm de estar conscientes de que, cada vez que iniciam a leitura de um romance, entram num mundo fictício, embora muitas vezes exista uma angustiante dúvida, entre os leitores, sobre a capacidade para fazer esta distinção entre realidade e ficção.
A fronteira que separa aquilo que é ficção e realidade, deixo para vocês julgarem. Porém, não posso deixar de contar uma história, passada na livraria, da esfera da realidade, parecendo ficção. Ou será o contrário?


Um cliente com um aspecto normal, faz uma pergunta natural:
- Tem livros sobre baratas?
O livreiro intrigado:
- Baratas!?...
- Deixe que lhe explique. Tenho uma barata em casa que fala comigo e queria saber mais sobre estes maravilhosos bichinhos. Eu sei que você não vai acreditar e é provável que me ache louco...
O livreiro sem deixar acabar o cliente, empolgado com a identificação, diz:
- Pelo contrário, acho até bastante interessante. E digo-lhe mais, ultimamente também eu tenho falado com uma, até lhe dei o nome de Metamorfose em homenagem a um amigo meu chamado Kafka…
Ainda o livreiro não tinha terminado a frase e já o cliente meio apavorado fugia porta fora.


Fonte: Pó dos Livros

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Louis Armstrong - Uma história de Vida


A sua técnica, imaginação e génio musical, tanto na trompete como a cantar, fez de Armstrong o modelo para todos os músicos do seu tempo. Louis Armstrong tocava trompete como se estivesse a cantar e cantava como se tivesse a tocar. Foi o inventor do scat e da trompete no jazz. O seu génio foi mundialmente reconhecido, e como o próprio Armstrong disse: "Uma nota é uma nota em qualquer língua. E se tu lhe acertares - Lindo". Louis Armstrong acertou nessas notas.
Louis Armstrong não era um músico de jazz. Ele era o jazz.
Foi também o mais influente de todos os vocalistas ou cantores de jazz. A audição das suas primeiras faixas cantadas parece indicar uma "normalidade" e "facilidade" que não eram aparentes na época. Ele tinha a capacidade de "adiantar" ou "atrasar" notas, mudar a melodia, colocar a voz, fazer "efeitos" vocais, improvisar o scat, ou simular a improvisação.

Estudos recentes mostram que, de facto, a sensação de improvisação é uma criação artística provocada por treino intenso e por diversas técnicas. Na realidade, o que parece um improviso de Armstrong é por vezes um falso improviso, resultado de muito trabalho e invenção, da mesma forma que um Impromptu de Chopin parece um improviso.
Louis Armstrong nasceu a 4 de Agosto de 1901 em New Orleans. O seu pai abandonou a família pouco depois do nascimento de Armstrong e a sua mãe teve que se prostituir para sobreviver mudando-se para uma área reservada a prostitutas e deixando Armstrong ao cuidado da sua sogra. Armstrong voltou para a sua mãe, que, apesar de carinhosa para Louis e sua a pequena irmã, era uma mãe irresponsável, deixando por vezes os filhos ao cuidado de estranhos - durante dias. 
Armstrong começou por cantar num quarteto de uma barbearia que durante anos se viria a tornar num excelente treino de ouvido musical. Na sua juventude acabou por passar dois anos num reformatório para crianças e adolescentes delinquentes. Acabou por se juntar à banda do reformatório e efectivamente foi-lhe dada uma corneta. Ao sair do reformatório, Louis Armstrong decidiu tornar-se 
músico. 
Começou a tocar (com instrumentos emprestados) em "honky-tonks" e "barrelhouses" na sua terra natal. E acabou por se juntar ao mais famoso grupo da zona, o de King Oliver, na altura considerado o melhor cornetista. Esta oportunidade ofereceu a Armstrong grande publicidade, expondo-o a um público, deixando de ser apenas um músico de fundo numa "honky-tonk". Oliver foi para Chicago em 1918 e Armstrong entrou para o seu lugar na banda de Kid Ory. Em 1919 começou a tocar nos barcos do Mississippi durante o Verão, o que lhe permitiu desenvolver-se como músico profissional que poderia ler e tocar qualquer música pedida ao momento.
Em 1922, King Oliver convidou Armstrong para ir a Chicago tocar segunda corneta no seu grupo. Esta Creole Jazz Band era no mínimo a banda mais influente de Chicago. Gravou os seus primeiros discos com este grupo e casou-se com a pianista do grupo Lil Hardin em 24 e, a pedido desta, foi para Nova York para a orquestra de Fletcher Henderson, uma das grandes bandas da "Grande Maçã". 
Armstrong tinha já o seu próprio estilo e a sua influência noutros músicos era agora sentida. Em Novembro de 25 voltou para Chicago e gravou discos que vieram a revolucionar o que se entendia como jazz. Estas gravações são também as primeiras com Stachmo a cantar. Durante este período trocou a corneta pela trompete e tranformou a música ao criar o scat (melodia inventada/improvisada pelo cantor utilizando palavras sem sentido) na gravação "Heebies Jeebies" em 1926. É bastante claro que Armstrong canta como se estivesse a tocar trompete. 

Em 1929 tomou um papel no espectáculo de Fats Waller e Andy Razaf - "Hot Chocolates"- e a sua versão de "Ain't Misbehavin'" foi uma sensação. Armstrong decidiu então tornar-se num entertainer popular. Foi o primeiro negro a ser realçado em filmes e a ter programas de rádio patrocinados. No final dos anos 30 era uma figura nacional. Formou a sua big band, a qual liderou até 1947. 

Com o colapso da febre pelas big bands, voltou às raízes e formou um pequeno grupo, Louis Armstrong e os seus All-Stars. A banda, apesar de ter os melhores músicos, funcionava como suporte para Louis Armstrong cantar canções populares. Os maiores êxitos foram "Mack The Knife" em 56 e "Hello Dolly" em 64, ambos número um em vários países. Nos anos 50 era um dos mais famosos entertainers do mundo. Fez perto de 50 filmes, percorreu dezenas de países, participou em inúmeros espectáculos e tournées. Quando Armstrong morreu a 6 de Julho de 1971, foi notícia de primeira página em jornais por todo o mundo.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Há Gente Pior que Mosquitos...


Estive afastado daqui uns tempos. Casei a minha filha e fui dar uma volta por aí para não ter que perceber o vazio, assim, de repente, quando ficasse sem ela em casa. Andei pelo Alentejo, de alto a baixo, que é onde regresso sempre que preciso encher a alma e respirar o ar que me cura da nostalgia que hei-de carregar para sempre,  enquanto conseguir conjugar o verbo "respirar". Parei e percorri cidades e vilas perseguido por uma vaga de mosquitos que teimavam em não respeitar repelentes, nem que fossem comprados na farmácia. Eram iguais no alto e no baixo alentejo. Picavam da mesma maneira e deixaram marcas  que me estão a levar um ror de dias a passar. Dizem os mais velhos, os alentejanos que nunca deixaram de respirar o ar alentejano, que é sempre igual, todos os anos por esta altura lá voltam essas criaturas, escuras, pequeníssimas. A verdade é que nunca dei por eles. Ou então andámos sempre desencontrados nas últimas décadas. Também pode ocorrer eu  já não me lembrar como é viver todos os dias no alentejo.

Aflito com os mosquitos que me deixaram, e à minha mulher, o corpo numa lástima, pensei que há pragas que não se afastam de nós com facilidade e nem tão pouco  temem repelentes. Insistem em picar-nos constantemente deixando depois marcas que perduram no tempo.

Acho que certo tipo de gente, como a que ocupa hoje o aparelho de estado, são deste género. Do género  dos mosquitos. Como os mosquitos que me picaram, são gente minúscula, sem dimensão humana,  sem outras causas que não sejam as de picar e chatear  os desprevenidos, sugar-lhes o sangue ou depositar um qualquer verme ou bactéria microscópicos de que só percebemos a existência quando já estamos infectados. Sim são gente infecta que se habituou aos repelentes e até aprendeu a contorná-los, a fintá-los. Enquanto não  conseguirmos proteger-nos vão continuar a sua saga infecciosa. Na verdade, quando damos conta de que nos atingiram já não há muito a fazer. É esperar que passe ou então fazer uma desinfestação geral que os elimine de uma vez por todas dos locais e condições que lhes são propícios; e todos os locais onde há vida lhes são propícios...                                                                                

Como os mosquitos, esta gente sem dimensão humana conta com a nossa passividade para fazer estragos, habituou-se a isso e  irá  voltar sempre: eles, os seus filhos, os seus netos, bisnetos, padrinhos, afilhados ou amigos, se os ventos não lhes forem contrários, irão voltar sempre, como uma praga,  para picar muita gente e deixar o seu veneno a fazer ferida. Reproduzem-se aos milhares. Sendo gente sem dimensão, são especialistas a ocupar o espaço de actuação, formando nuvens de interesses e alvos que lhes são vitais à sobrevivência e propagação.

Desinfestação geral, sim, é o que precisamos.


Jacinto Lourenço

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Sol, Mar, Café, Pastéis de Nata e pouco mais....


De segunda a sexta, na Antena 1, uma das minhas rádios de eleição excepto quando transmite os debates com o governo a partir de S.Bento, pela manhã, passa uma pequena rubrica designada  "Portugueses no Mundo", conduzida pela jornalista Alice Vilaça, e que vai ao encontro de portugueses que estão espalhados pelas sete partidas do mundo, e que normalmente fazem  parte da "nova emigração". Essa rubrica procura indagar, em jeito de conversa informal, o que levou esses portugueses a partirem em busca de uma vida diferente, de novos desafios pessoais ou profissionais, ou de melhores condições de vida. Não se trata de emigrantes formatados pela matriz dos anos sessenta do século passado. Trata-se de gente jovem, normalmente bastante qualificada em termos académicos, mas a quem Portugal não tinha nada para oferecer. Gente que partiu para fazer mestrados ou doutoramentos, que conseguiu no estrangeiro as bolsas que lhes foram negadas no seu país, gente que concluiu fora essas especializações académicas e que por lá ficou a trabalhar na investigação dentro das  respectivas áreas; mas também gente que concluiu por cá essas qualificações e que, sem nenhuma saída credível, ou que pelo menos não fosse risível, partiu, deixando um rasto de investimento perdido pelo país que deveria ter como primeira pioridade das suas políticas, no mínimo, não malbaratar o seu capital humano.

Já ouvi dezenas de entrevistas destas feitas por Alice Vilaça. Cada entrevistado fala das suas particularidades pessoais, do seu caso, das suas esperanças, das suas desilusões, das suas expectativas para um futuro que se lhes afigura, lá longe, bem risonho. Diria que, em 99% dos casos, poucos são os que ponderam um dia voltar a Portugal para aqui continuarem as suas carreiras profissionais, os seus projectos pessoais, a sua vida. A visão deles é ficarem pelo estrangeiro, nos países que os acolheram e lhes deram uma oportunidade ou demandarem outros países, noutros lugares do mundo. O regresso a Portugal nunca está nas suas cogitações, pelas piores razões.

Quando a jornalista convoca essa palavra tão portuguesa chamada saudade, as respostas são quase sempre invariáveis: da família, da gastronomia, do bacalhau, das sardinhas, do mar, do sol, dos cheiros a Portugal, do café e do pastel de nata. Tirando isso, o país não lhes desperta outras saudades ou sentimentos positivos...

Miseravelmente, Portugal é hoje um país que não sabe cuidar nem de si próprio. Como é que um país assim poderá pois saber cuidar dos seus, do seu povo, dos seus jovens, das suas crianças, de todos os que podiam, e podem, ser uma reserva de esperança para  um presente e um futuro melhores ?

Saudades ? Sim, claro, muitas. Mas não a saudade que os possa levar a cometer o erro do regresso. Isso sim, uma aventura que teria todas as condições para correr mal. 

No seu imaginário mais profundo e básico do território onde nasceram e cresceram, restam a gastronomia, a família, a placidez da aldeia, a luz da cidade, os pastéis de nata, o cafézinho, o sol, os cheiros e o mar... É  só isso que os liga a Portugal, quando daqui partem, os portugueses, na demanda de um futuro diferente, para melhor comparativamente ao que  este país triste e sem rumo ou direcção tem para oferecer aos que aqui nascem e  a ele se devotam .

Jacinto Lourenço

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Estes Homens são o Povo...




Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, que se lamentam em vão.
Estes homens são o povo.

Estes homens estão sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, roídos do frio, descalços, mal nutridos; lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.
Estes são o povo, e são os que nos alimentam.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o povo, e são os que nos vestem.

Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o povo, e são os que nos enriquecem.

Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o povo, e são os que nos defendem. Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuidos e desprezados.
Estes homens são os que nos servem.

E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem ?
Primeiro, despreza-os; não pensa neles, não vela por eles, trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades; forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá protecção; e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.
É por isso que os que têm coração e alma, e amam a justiça, devem lutar e combater pelo povo. E ainda que não sejam escutados, têm na amizade dele uma consolação suprema.


Eça de QueirozTextos do Distrito de Évora, 1876

sábado, 25 de maio de 2013

Na Rota da Felicidade




A Bíblia diz, no capítulo dois do  livro de Eclesiastes, que "a sabedoria é mais excelente que a estultícia, quanto a luz é mais excelente que as trevas", diz também, no mesmo capítulo dois,  que "ao homem que é bom diante dEle dá Deus sabedoria, conhecimento e alegria".
 Mas afinal que homem é bom perante Deus, para que alcance a sabedoria e o conhecimento diante dEle ? Entende-se  como "bom", na leitura de Eclesiastes, não apenas aquele que alcança muito conhecimento, muito sucesso profissional, muita capacidade humana neste ou naquele sector da vida apenas porque estudou muito. Aliás, homens sábios e bons existiram, e existem em todas as culturas e geografias, em todos os tempos, sem que para isso tenha sido necessário atingirem qualquer patamar de sucesso social. Um homem, ou uma mulher, "bons" e "sábios", são aqueles que se conhecem a si próprios, à sua  natureza humana, aos seus anseios e  limites  e têm, dos seus semelhantes e do mundo dos homens e das coisas um conhecimento equivalente e proporcional ao que têm de si próprios sem que tenha sido necessário,  porventura,  aprender tudo isso numa qualquer universidade. 
Eclesiastes diz também que a alegria do homem está relacionada com a sabedoria e o conhecimento.
 Para sermos felizes temos que nos entender em todas as dimensões e, ao homem moderno, tem-lhe faltado olhar e perceber a sua dimensão e filiação divina; sem isso, por muito "bom" que se seja, nunca se está completo, nem nunca se pode perceber, por inteiro, o mundo dos homens e das coisas. Sem o espírito divino em nós nunca estaremos reconciliados com a autenticidade do projecto maior que nos está cometido, nem estaremos irmanados neste destino comum que nos juntou aqui à face da terra, homens de todas as cores, raças e culturas. Sabedoria e felicidade serão então, de acordo com a Palavra de Deus, um dom ao alcance apenas dos que realizam esta globalidade em si mesmos dentro de uma totalidade física e espiritual. Só isso nos pode trazer a felicidade, porque só isso nos voltará a integrar dentro dos planos de Deus e  porque só assim poderemos  perceber o mundo, os homens e as coisas que nos acontecem. 


Jacinto Lourenço

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Boneco Gaspar...



problema é antigo, está-nos no sangue, parece-me. Dizem-nos que o herdámos do tempo do "botas" , que nos obrigou ao servilismo. Não acredito. A coisa vem mais de trás, do princípio da nossa história enquanto nação, com Egas Moniz a confundir honra com servilismo ( numa "interpretação" muito minha, e livre, da história...) quando foi pedir perdão e oferecer a sua vida e da sua família em resgate  a Afonso VII por D. Afonso Henriques se ter recusado a prestar vassalagem ao primo, conforme lhe prometera Egas Moniz, se este levantasse o cerco a Guimarães.  Sempre tivemos esta tendência para o servilismo, para a obediência cega e parva, sem questionamentos. Somos assim; desenvolvemos, como nenhum outro povo da Ibéria,  a arte de "engolir sapos", mesmo se eles são de difícil digestão, mostrando um sorriso,  por mais amarelo que seja.

Se vamos ao senhor doutor para tratar das maleitas que nos afligem, lá vem a promessa de, pela páscoa, lhe fazermos chegar um borreguinho ou um cabritinho desmamado, tenrinho, ainda a saber a leite, sim,  claro, porque  o médico nos vai aliviar das dores que carregamos. Os mais pobres podem sempre ofertar um queijinho ou um chouriço lá da terrinha. O físico, impante na sua cátedra inquestionável e impenetrável, a olhar-nos por cima dos óculos, diz que sim, que gosta e, na volta de uns comprimidos milagrosos, ou de umas gotas,  lá mais para a frente poderá seguir também, para o consultório,  um perú pelo natal. Ainda hoje, mesmo acedendo a um Serviço Nacional de Saúde que pagamos com impostos, não ousamos deixar de olhar para o médico como alguém a venerar servilmente, em lugar de o vermos como profissional que é, pago para tratar da nossa saúde. A esta imagem, talvez mais diluída nos meios urbanos, juntam-se outras que têm a ver com o sacerdote católico, o pastor protestante,  o advogado, com o cabo da guarda, com o presidente da câmara, etc, a quem dedicamos ridículos e servis  encómios numa atitude borrega, sem paralelo conhecido a não ser o da  nossa triste vocação para desistirmos com facilidade de exibir a dignidade que reside no simples facto de sermos seres humanos e cidadãos na  plenitude da igualdade de direitos e deveres que independe da posição social que ocupamos . Somos, quiçá, dos únicos países do mundo chamado desenvolvido a achar que títulos académicos fazem parte, ou devem  usar-se em lugar dos nomes de registo ou baptismo. Um país de doutores e engenheiros em que, mesmo aqueles que o não são exigem tratamento deferente como se o fossem. Doutor para aqui, doutor para ali, senhor engenheiro para isto senhor engenheiro para aquilo... É cultural, dizem-nos. Sim, até pode ser, mas não passa de uma cultura de penacho que assenta num servilismo a raiar a falta de coluna vertebral que se liga com a facilidade com que a vergamos por tudo e nada.

Clara Ferreira Alves constatava há tempos, numa das suas habituais  crónicas no Expresso, que "outros países estão a conseguir atravessar a crise da dívida com a dignidade intacta" e só "Portugal resolveu transformar-se num país habitado por bonecos das Caldas". Dizia ainda  que "o nosso desejo de agradar, de servir, perde-nos. Faz-nos perder o respeito por nós próprios". Também, num outro registo, a mesma Clara Ferreira Alves, em reportagem sobre os estragos provocados pelo furacão Sandy, nos Estados Unidos da América, e para o mesmo semanário, constatava que os milionários de Manhattan, a deslizarem nos seus carros de luxo como se fossem os donos do planeta, não fazem a menor ideia de como vivem os pobres. "Usam-nos como serviçais, e proporcionam-lhes empregos com estatuto de invisibilidade. Os portugueses, uma comunidade em Newark, são famosos pela sua honestidade e por serem criados, governantes  e mulheres da limpeza de confiança. Gente que se pode meter dentro de casa. Simples, discretos, invisíveis. Sem nome nem história".

Também é certo, por aquilo que diz Clara Ferreira Alves, que pudemos, e devemos,  interpretar essa atitude dos trabalhadores portugueses nos E.U. da América, por exemplo, como francamente profissional: fazem o seu trabalho com correcção, executam as suas tarefas com profissionalismo e não se metem, mais do que devem, na vida dos outros, especialmente dos seus patrões. Mas também pode igualmente ser que o servilismo cultural dos portugueses os ajude a isso tudo.

Quando Portugal esteve sob dominação espanhola, esta cultura de servilismo era levada ao extremo para com a corte Filipina: relata-nos a História de Portugal coordenada por José Mattoso, no volume 5.3,  que "na corte de Filipe III [de Portugal], em Valladolid, os Castelhanos zombavam da soberba e vaidade dos portugueses: «não cuida um fidalgo português se não em que entrando na Corte, a hão-de assombrar, com os seus lacaios mais rica e custosamente vestidos do que nunca seus bisavós o fizeram nas suas vodas". Claro que o objectivo destes fidalgotes que se deslocavam a Valladolid,  emproados, empoados e seguidos pelo seu séquito de serviçais, era essencialmente  o de bajular o rei  e assim conseguir prebendas e favores políticos. Verificamos que, afinal, o servilismo é transversal na sociedade portuguesa e já vem de antanho.

O que sabemos hoje é que dignidade não rima com servilismo e que este não deve ser confundido com capacidade de realização e disponibilidade para correcção no nosso relacionamento com tudo e com todos, bem como exigência em sermos tratados com a mesma correcção com que tratamos com que connosco trata. Ver o psicopata social Vitor Gaspar, a vergar-se até ao chão, à frente do seu "colega e amigo" alemão, Wolfgang Schäuble, em nome  de Portugal, causou-me um frémito e um espasmo que me levaram ao vómito. Não teria nada contra se ele o tivesse feito em nome pessoal e no âmbito da "amizade" que o une a  Schäuble, cada um lá sabe as linhas com que se cose. Agora fazê-lo em meu nome e em nome de todos os portugueses, não aceito nem admito.  Se Gaspar quer ser um boneco das Caldas, como disse  Clara Ferreira Alves, é problema dele e de todos os que são como ele, mas comigo não conta para o ser também. Nada justifica, sejam  a crise ou as nossas presentes dificuldades, que um (des)governante português vá "lamber os sapatos" a um Schäuble qualquer em nome de um país que é tão ou mais digno quanto a Alemanha. Tenham dó, respeito por nós e pela nossa história de novecentos anos.

Jacinto Lourenço

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Pousios da Vida




Às vezes precisamos de silêncio e de breves  isolamentos  para olharmos mais além, por cima do cercado dos problemas que se levantam à volta, para percebermos que tudo tem um propósito e de tudo se retiram lições de vida.  Hoje lembrei-me de Elias e do quanto ele aprendeu em solidão e isolamento visitado apenas por umas aves, conotadas normalmente com imagens pouco positivas, longe de tudo e de todos, mas contando com o olhar de Deus a repousar sobre si e a conduzir a sua vida. Sim, o silêncio e o breve isolamento que nos afaste dos contextos habituais  podem ser fundamentais para o nosso trajecto pessoal e cristão.

Jacinto Lourenço

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Os Mártires da Ciência



( Imagem no  jornal El Mundo )

Os movimentos e a natureza do cosmos eram um autêntico mistério para os primeiros pensadores da antiguidade, do mesmo modo que agora  é um enigma para nós a forma como os sábios o apreendiam por forma a alcançarem, com os escassos meios que tinham, algumas conclusões que hoje nos surpreendem. Às vezes é difícil perceber se possuíam efectivamente conhecimentos sobre o assunto, ou se eram apenas os seus contemporâneos que faziam o favor de  lhos atribuir mais como sinal de respeito e admiração.
É o caso de Tales de Mileto, considerado um dos primeiros pensadores que tentou explicações lógicas para a realidade que o cercava. Tales de Mileto viveu entre os séculos VII e VI  a.C. e os filósofos posteriores recorda-lo-iam como o estereotipo do sábio distraido, desinteressado das riquezas materiais e capaz de cair num poço enquanto caminhava  absorvido pelos seus pensamentos.[...]
Ler texto integral, em castelhano, AQUI, no jornal El Mundo 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Madrid, 03 de Maio de 1808



A revolta da população de Madrid em 02 de Maio de 1808, contra os franceses, na sequência das invasões peninsulares, levou o marechal Murat a ordenar o fuzilamento de milhares de populares. O pintor Francisco Goya, imortalizou, em 1814, esse dramático acontecimento ocorrido no dia seguinte ao levantamento popular. Goya pretendeu que a barbárie não fosse esquecida. Já passaram 205 anos. Nós não esquecemos.

Jacinto Lourenço




sexta-feira, 3 de maio de 2013

terça-feira, 30 de abril de 2013

A Morte do III Reich...




Hoje, dia 30 de Abril de 2013, faz precisamente 68 anos que Adolf Hitler se suicidou no seu bunker em Berlim, perante a iminente chegada ao local do Exército Vermelho. Eva Braun termina também com a sua vida junto ao seu fuhrer.
Naquele dia 30 de Abril de 1945, os russos estavam a escassos 100 metros do bunker onde se escondia Hitler e alguns dos seus fiéis seguidores, todos eles "actores" de uma tragédia digna de uma ópera wagneriana.
Oficiais superiores da Wehrmacht comunicaram ao ditador germânico, então com 56 anos, que qualquer tentativa de evasão, estaria condenada ao fracasso.


Via Por Terras de Sefarad

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Os Cravos Morreram com Salgueiro Maia...




O despertador tocou, como habitualmente, às oito e meia da manhã de uma quinta-feira normal de uma semana qualquer. A D.Ilda entrou esbaforida no meu quarto a dizer que tinha havido uma revolução. Lavei-me à pressa, enfiei a roupa e fui, como habitualmente, a pé, do Alto do Pina até à rua Zaire, ali para o pé dos anjos, para a empresa onde trabalhava. Pelo caminho fui observando os rostos das pessoas e as suas reacções. Percebi um misto de esperança e receio. Na Paiva Couceiro alguns  grupos de homens mais velhos conversavam meio em surdina; adivinhei o tema das conversas e continuei a andar. Nunca antes tinha chegado tão rápido ao emprego. No escritório os meus colegas seguiam interessados a emissão da rádio. Ninguém estava a trabalhar. Fomos percebendo, pelas notícias, a realidade do que se estava a passar nas ruas de Lisboa e a intenção dos militares que se tinham sublevado.

Vivi o 25 de Abril de 1974 com muita intensidade. Tinha vinte anos acabados de fazer em Março. Apresentara-me  já  à   inspecção militar e sabia que, como qualquer jovem português de então, o meu destino seria cumprir cerca de quatro  anos de tropa obrigatória sendo dois deles  no então designado Ultramar. Quatro anos na vida de um jovem na casa dos vinte, a cumprir serviço militar obrigatório, eram sem dúvida um tempo de interregno que comprometia  aspirações e punha em causa a própria vida. Muitos fugiam para o estrangeiro para não obedecerem a esse chamamento do regime a uma guerra injusta  que não fazia qualquer sentido. França era o destino mais corrente dos mais politizados, dos que tinham família emigrada ou dos que possuiam suporte financeiro familiar para por lá ficarem o tempo necessário. Eu não me enquadrava em nenhum destes perfis pelo que,  era mais do que certo, iria para o ultramar. Sem dúvida um cenário que apavorava.

Trinta e nove anos depois, os portugueses já não exibem o sorriso daquele dia vinte e cinco de Abril de 1974. O que sobra é apreensão e tristeza. Interrogam-se como é que deixaram que lhes retirassem coisas importantes que Abril lhes deu, que os amesquinhassem, que voltassem a espezinhá-los como no tempo do Salazarismo o Marcelismo. Desconfiam de si próprios e da sua capacidade para se voltarem a erguer e a lutar por liberdade, direitos e dignidade. Desconfiam que não conseguirão readquirir  o sorriso e a alegria que lhes roubaram neste percurso de quase quatro décadas de liberdade . Sabem que Salgueiro Maia já partiu e que em Portugal existem cada vez menos homens e mulheres com coluna vertebral e verticalidade suficientes para se erguerem em prol do que deixámos que se esboroasse às mãos de inimigos e falsos amigos do povo português. Os cravos perderam a sua cor quando o capitão partiu.


Jacinto Lourenço