quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma Rádio com 78 Anos de Idade



Cresci  já com a televisão a operar em Portugal  há alguns anos.  A emissão começava às sete da tarde e terminava às onze da noite. Pelo meio haviam ainda dois ou três interlúdios musicais onde só se via uma imagem qualquer, fixa, acompanhada por uma música de fundo. Nunca percebi muito bem o porquê desses interlúdios mas presumo que a programação devia ser muito diminuta e não dava para as quatro horas de emissão diárias.  Ou seja, tudo resumido, aquilo daria para aí umas duas horas de emissão com programação normal.

Estávamos no tempo em que os telejornais só duravam meia hora... O tempo do Super-Rato e de mais dois ou três personagens de desenhos animados que ainda hoje fazem parte do meu imaginário infantil. Festa, mesmo, eram as transmissões de corridas de touros ou os jogos da selecção nacional de futebol assim como os dos clubes grandes de então, quando jogavam para as competições europeias. De resto, tirando os dias de semana, havia televisão aos sábados à noite e ao domingo à tarde. Ficaram na história da televisão desse tempo personalidades como Sousa Veloso e a sua  TV Rural, ou Vitorino Nemésio com o seu programa cultural em jeito de conversa informal com os tele-espectadores; como esquecer  a sua célebre frase: "Se bem me lembro..." . Ficou na história das nossas memórias. Mais tarde apareceram as "Conversas em família",  com Marcelo Caetano, e onde ele se explicava e à sua governação e tentava explicar um país  inexplicável no contexto da europa daquele tempo. Claro que, pouco a pouco, a televisão  lá foi  evoluindo, ou (in)voluindo, para aquilo que é hoje. 

Nessa altura, lembro-me bem, o que pontuava nem sequer era a televisão com a sua frágil programação de que se salvavam o Bonanza aos sábados e os desenhos animados dos domingos à tarde. O que pontuava a vida do povo, pelo menos na província,  era a rádio. Era a rádio que as pessoas  ouviam, já que, com excepção de uma ou outra família mais rica e de alguns cafés, mais ninguém possuía televisão privada em  casa. Era um luxo ainda incomportável para a época e  só o 25 de Abril de 1974 modificaria esse estatuto.  Telefonia, sim, muita gente tinha, embora um trabalhador assalariado tivesse que amealhar durante algum tempo para comprar uma telefonia ou, em alternativa, pagá-la a letras durante um ou dois anos.

 Foi a rádio que mais marcou a minha geração. Era a rádio que dava sempre os relatos da bola e que concitava as atenções dos homens e rapazes ao domingo à tarde ( sim, os jogos realizavam-se todos, e sempre, ao domingo à tarde ). Para os mais velhos, e mais ou menos politizados, era também a rádio que trazia as notícias que não passavam no crivo da censura em Portugal. Nas ondas curtas sintonizavam-se a Rádio-Moscovo e a Rádio-Portugal livre. Tudo muito em surdina, tudo muito baixinho, que as paredes, nesse tempo, tinham mesmo ouvidos e muitas pessoas foram delatados à GNR local, por vizinhos ou "amigos" ( Portugal foi sempre, afinal, mais do que se pensa ou diz, um país de "bufos" )  por escutarem esses programas clandestinamente sendo depois sujeitos ao respectivo interrogatório no Posto e, provavelmente, se ficasse só por aí,  a uns "afagos" dos guardas...

A rádio passava alguns programas que ninguém perdia nesse tempo. O Serão para Trabalhadores, da FNAT, os Parodiantes de Lisboa, ou a primeira rádio-novela em Portugal: "Simplesmente Maria", que deu brado.

Em minha casa, a casa dos meus avós, nunca houve televisão, até porque a energia eléctrica só chegou à povoação no final da década de 60, mas houve, tanto quanto me lembro, sempre uma telefonia que era o centro de todas as nossas atenções. Era ela   a nossa ligação ao pequenino mundo português que se fechava sobre si próprio nas fronteiras com Espanha. Talvez por tudo isto me tornei um indefectível ouvinte de rádio. Ainda hoje, em qualquer divisão da casa onde eu esteja, salvo alguma ocupação que o não permita,  há sempre um rádio ligado para eu ouvir. Normalmente ligado na Antena 1.  Regra geral, e com uma honrosa excepção de grande qualidade ( para o meu gosto claro ), não me agradam  estações de rádio sem gente dentro, que só passam música durante horas a fio, bem sei que poupam em recursos humanos mas para isso, para ouvir apenas música tenho outros suportes mais modernos. Rádio é outra coisa diferente.

 Gosto de uma rádio atenta a tudo o que se passa à nossa volta, uma rádio que me traga o mundo sem me ocupar a visão com imagens de arquivo que nos adormecem ao cabo de alguns minutos de bombardeio noticioso. Uma rádio que não faz das notícias um repetitivo "enchimento de chouriços". Uma rádio que diz o que tem a dizer sem grandes delongas ou "floreados" bacocos.  Gosto de rádio com cultura, com entretenimento inteligente, com uma boa selecção musical, com diversidade de rubricas, actuais e interessantes, e pluralidade de programação que chegue aos vários  estratos populacionais. Depois é só escolher  o que mais me gosto.  Outras vezes ouço rádio sem estar a ouvir, apenas como companhia. Não gosto da solidão pela solidão. Nunca gostei de estudar em silêncio. Isolo-me mais facilmente,  para ler ou estudar,  num ambiente ruidoso do que numa sala onde esteja sozinho. Outras vezes posso simplesmente colocar uma música do meu agrado em fundo e assim vou embalado pelo som.

Quando o meu despertador toca, pela manhã, a primeira coisa que faço é ligar um pequeno rádio que tenho na cabeceira e ouvir o que se passou no mundo enquanto eu dormia, a situação do trânsito, o tempo que vai fazer, etc.  É raro, mas às vezes tenho insónias; então ligo o rádio e ponho uns auriculares. Ao fim de algum tempo "desligo-me" sem dar por isso e os auriculares  saltam-me das orelhas e vão à sua vida sem eu dar  conta. 

Sem rádio por perto, a minha vida seria  um pouco mais insonsa.   Entre a televisão, onde praticamente só vejo um ou outro telejornal e programação que coloco previamente a gravar, e a rádio, sem dúvida que prefiro a rádio, salvo quando a imagem se me impõe inevitavelmente.

Porque é que eu me decidi hoje a reflectir sobre este tema ?  Em primeiro lugar porque tendo sido  radialista amador  e tendo também  trabalhado durante muitos anos num programa de rádio cristã-evangélica  ( "Novas de Alegria" ) a escrever e a fazer locução   de programas, e mais recentemente na rádio Transmundial,  conheço muito bem qual o poder de penetração da rádio e a sua capacidade para poder chegar a lugares, impenetráveis para outros meios, com a mensagem do Evangelho. Depois, bom, depois porque talvez os mais distraídos não se tivessem apercebido que a Antena 1 ( herdeira da antiga Emissora Nacional ) completou, precisamente hoje, 78 anos de existência.  Um marco importante, e de todo o relevo, e que, por isso, deve ser celebrado; por todas as razões, e mais ainda porque nos tempos que correm a rádio pública sofre ataques despudorados e inusitados da parte de quem ocupa o aparelho de estado e nos (des)governa. Mesmo correndo o risco, que os meios públicos de comunicação correm por tenderem a ser manipulados pelas forças partidárias que,  à vez, vão ocupando o aparelho de estado, eu bater-me-ei, sempre, por uma rádio e uma televisão pública. Felizmente, hoje, a Antena 1 é um referencial nos meios radiofónicos que, mesmo tendo a obrigação de prestar um serviço público, continua a manter uma identidade profissional de grande qualidade e rigor. Para além do mais, genericamente, está recheada de bons profissionais e é lá que quase todas as rádios privadas têm ido buscar  gente para se poderem lançar, com alguma segurança, no Éter.

Há outras estações de rádio de que eu gosto: a TSF, a Rádio Smooth ou a RFM, mas é sempre à Antena 1 que volto. E é por isso que  a minha homenagem vai para os 78 anos de existência da Antena 1 e para todos os seus profissionais que no passado e no presente deram e dão o melhor do seu saber para dignificar a rádio que se faz em Portugal. Muito obrigado por tantos  bons momentos que a Antena 1 me proporciona ao longo de muitos dias. 

Jacinto Lourenço