quarta-feira, 29 de maio de 2013

Estes Homens são o Povo...




Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, que se lamentam em vão.
Estes homens são o povo.

Estes homens estão sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, roídos do frio, descalços, mal nutridos; lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.
Estes são o povo, e são os que nos alimentam.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o povo, e são os que nos vestem.

Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o povo, e são os que nos enriquecem.

Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o povo, e são os que nos defendem. Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuidos e desprezados.
Estes homens são os que nos servem.

E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem ?
Primeiro, despreza-os; não pensa neles, não vela por eles, trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades; forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá protecção; e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.
É por isso que os que têm coração e alma, e amam a justiça, devem lutar e combater pelo povo. E ainda que não sejam escutados, têm na amizade dele uma consolação suprema.


Eça de QueirozTextos do Distrito de Évora, 1876

sábado, 25 de maio de 2013

Na Rota da Felicidade




A Bíblia diz, no capítulo dois do  livro de Eclesiastes, que "a sabedoria é mais excelente que a estultícia, quanto a luz é mais excelente que as trevas", diz também, no mesmo capítulo dois,  que "ao homem que é bom diante dEle dá Deus sabedoria, conhecimento e alegria".
 Mas afinal que homem é bom perante Deus, para que alcance a sabedoria e o conhecimento diante dEle ? Entende-se  como "bom", na leitura de Eclesiastes, não apenas aquele que alcança muito conhecimento, muito sucesso profissional, muita capacidade humana neste ou naquele sector da vida apenas porque estudou muito. Aliás, homens sábios e bons existiram, e existem em todas as culturas e geografias, em todos os tempos, sem que para isso tenha sido necessário atingirem qualquer patamar de sucesso social. Um homem, ou uma mulher, "bons" e "sábios", são aqueles que se conhecem a si próprios, à sua  natureza humana, aos seus anseios e  limites  e têm, dos seus semelhantes e do mundo dos homens e das coisas um conhecimento equivalente e proporcional ao que têm de si próprios sem que tenha sido necessário,  porventura,  aprender tudo isso numa qualquer universidade. 
Eclesiastes diz também que a alegria do homem está relacionada com a sabedoria e o conhecimento.
 Para sermos felizes temos que nos entender em todas as dimensões e, ao homem moderno, tem-lhe faltado olhar e perceber a sua dimensão e filiação divina; sem isso, por muito "bom" que se seja, nunca se está completo, nem nunca se pode perceber, por inteiro, o mundo dos homens e das coisas. Sem o espírito divino em nós nunca estaremos reconciliados com a autenticidade do projecto maior que nos está cometido, nem estaremos irmanados neste destino comum que nos juntou aqui à face da terra, homens de todas as cores, raças e culturas. Sabedoria e felicidade serão então, de acordo com a Palavra de Deus, um dom ao alcance apenas dos que realizam esta globalidade em si mesmos dentro de uma totalidade física e espiritual. Só isso nos pode trazer a felicidade, porque só isso nos voltará a integrar dentro dos planos de Deus e  porque só assim poderemos  perceber o mundo, os homens e as coisas que nos acontecem. 


Jacinto Lourenço

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Boneco Gaspar...



problema é antigo, está-nos no sangue, parece-me. Dizem-nos que o herdámos do tempo do "botas" , que nos obrigou ao servilismo. Não acredito. A coisa vem mais de trás, do princípio da nossa história enquanto nação, com Egas Moniz a confundir honra com servilismo ( numa "interpretação" muito minha, e livre, da história...) quando foi pedir perdão e oferecer a sua vida e da sua família em resgate  a Afonso VII por D. Afonso Henriques se ter recusado a prestar vassalagem ao primo, conforme lhe prometera Egas Moniz, se este levantasse o cerco a Guimarães.  Sempre tivemos esta tendência para o servilismo, para a obediência cega e parva, sem questionamentos. Somos assim; desenvolvemos, como nenhum outro povo da Ibéria,  a arte de "engolir sapos", mesmo se eles são de difícil digestão, mostrando um sorriso,  por mais amarelo que seja.

Se vamos ao senhor doutor para tratar das maleitas que nos afligem, lá vem a promessa de, pela páscoa, lhe fazermos chegar um borreguinho ou um cabritinho desmamado, tenrinho, ainda a saber a leite, sim,  claro, porque  o médico nos vai aliviar das dores que carregamos. Os mais pobres podem sempre ofertar um queijinho ou um chouriço lá da terrinha. O físico, impante na sua cátedra inquestionável e impenetrável, a olhar-nos por cima dos óculos, diz que sim, que gosta e, na volta de uns comprimidos milagrosos, ou de umas gotas,  lá mais para a frente poderá seguir também, para o consultório,  um perú pelo natal. Ainda hoje, mesmo acedendo a um Serviço Nacional de Saúde que pagamos com impostos, não ousamos deixar de olhar para o médico como alguém a venerar servilmente, em lugar de o vermos como profissional que é, pago para tratar da nossa saúde. A esta imagem, talvez mais diluída nos meios urbanos, juntam-se outras que têm a ver com o sacerdote católico, o pastor protestante,  o advogado, com o cabo da guarda, com o presidente da câmara, etc, a quem dedicamos ridículos e servis  encómios numa atitude borrega, sem paralelo conhecido a não ser o da  nossa triste vocação para desistirmos com facilidade de exibir a dignidade que reside no simples facto de sermos seres humanos e cidadãos na  plenitude da igualdade de direitos e deveres que independe da posição social que ocupamos . Somos, quiçá, dos únicos países do mundo chamado desenvolvido a achar que títulos académicos fazem parte, ou devem  usar-se em lugar dos nomes de registo ou baptismo. Um país de doutores e engenheiros em que, mesmo aqueles que o não são exigem tratamento deferente como se o fossem. Doutor para aqui, doutor para ali, senhor engenheiro para isto senhor engenheiro para aquilo... É cultural, dizem-nos. Sim, até pode ser, mas não passa de uma cultura de penacho que assenta num servilismo a raiar a falta de coluna vertebral que se liga com a facilidade com que a vergamos por tudo e nada.

Clara Ferreira Alves constatava há tempos, numa das suas habituais  crónicas no Expresso, que "outros países estão a conseguir atravessar a crise da dívida com a dignidade intacta" e só "Portugal resolveu transformar-se num país habitado por bonecos das Caldas". Dizia ainda  que "o nosso desejo de agradar, de servir, perde-nos. Faz-nos perder o respeito por nós próprios". Também, num outro registo, a mesma Clara Ferreira Alves, em reportagem sobre os estragos provocados pelo furacão Sandy, nos Estados Unidos da América, e para o mesmo semanário, constatava que os milionários de Manhattan, a deslizarem nos seus carros de luxo como se fossem os donos do planeta, não fazem a menor ideia de como vivem os pobres. "Usam-nos como serviçais, e proporcionam-lhes empregos com estatuto de invisibilidade. Os portugueses, uma comunidade em Newark, são famosos pela sua honestidade e por serem criados, governantes  e mulheres da limpeza de confiança. Gente que se pode meter dentro de casa. Simples, discretos, invisíveis. Sem nome nem história".

Também é certo, por aquilo que diz Clara Ferreira Alves, que pudemos, e devemos,  interpretar essa atitude dos trabalhadores portugueses nos E.U. da América, por exemplo, como francamente profissional: fazem o seu trabalho com correcção, executam as suas tarefas com profissionalismo e não se metem, mais do que devem, na vida dos outros, especialmente dos seus patrões. Mas também pode igualmente ser que o servilismo cultural dos portugueses os ajude a isso tudo.

Quando Portugal esteve sob dominação espanhola, esta cultura de servilismo era levada ao extremo para com a corte Filipina: relata-nos a História de Portugal coordenada por José Mattoso, no volume 5.3,  que "na corte de Filipe III [de Portugal], em Valladolid, os Castelhanos zombavam da soberba e vaidade dos portugueses: «não cuida um fidalgo português se não em que entrando na Corte, a hão-de assombrar, com os seus lacaios mais rica e custosamente vestidos do que nunca seus bisavós o fizeram nas suas vodas". Claro que o objectivo destes fidalgotes que se deslocavam a Valladolid,  emproados, empoados e seguidos pelo seu séquito de serviçais, era essencialmente  o de bajular o rei  e assim conseguir prebendas e favores políticos. Verificamos que, afinal, o servilismo é transversal na sociedade portuguesa e já vem de antanho.

O que sabemos hoje é que dignidade não rima com servilismo e que este não deve ser confundido com capacidade de realização e disponibilidade para correcção no nosso relacionamento com tudo e com todos, bem como exigência em sermos tratados com a mesma correcção com que tratamos com que connosco trata. Ver o psicopata social Vitor Gaspar, a vergar-se até ao chão, à frente do seu "colega e amigo" alemão, Wolfgang Schäuble, em nome  de Portugal, causou-me um frémito e um espasmo que me levaram ao vómito. Não teria nada contra se ele o tivesse feito em nome pessoal e no âmbito da "amizade" que o une a  Schäuble, cada um lá sabe as linhas com que se cose. Agora fazê-lo em meu nome e em nome de todos os portugueses, não aceito nem admito.  Se Gaspar quer ser um boneco das Caldas, como disse  Clara Ferreira Alves, é problema dele e de todos os que são como ele, mas comigo não conta para o ser também. Nada justifica, sejam  a crise ou as nossas presentes dificuldades, que um (des)governante português vá "lamber os sapatos" a um Schäuble qualquer em nome de um país que é tão ou mais digno quanto a Alemanha. Tenham dó, respeito por nós e pela nossa história de novecentos anos.

Jacinto Lourenço

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Pousios da Vida




Às vezes precisamos de silêncio e de breves  isolamentos  para olharmos mais além, por cima do cercado dos problemas que se levantam à volta, para percebermos que tudo tem um propósito e de tudo se retiram lições de vida.  Hoje lembrei-me de Elias e do quanto ele aprendeu em solidão e isolamento visitado apenas por umas aves, conotadas normalmente com imagens pouco positivas, longe de tudo e de todos, mas contando com o olhar de Deus a repousar sobre si e a conduzir a sua vida. Sim, o silêncio e o breve isolamento que nos afaste dos contextos habituais  podem ser fundamentais para o nosso trajecto pessoal e cristão.

Jacinto Lourenço

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Os Mártires da Ciência



( Imagem no  jornal El Mundo )

Os movimentos e a natureza do cosmos eram um autêntico mistério para os primeiros pensadores da antiguidade, do mesmo modo que agora  é um enigma para nós a forma como os sábios o apreendiam por forma a alcançarem, com os escassos meios que tinham, algumas conclusões que hoje nos surpreendem. Às vezes é difícil perceber se possuíam efectivamente conhecimentos sobre o assunto, ou se eram apenas os seus contemporâneos que faziam o favor de  lhos atribuir mais como sinal de respeito e admiração.
É o caso de Tales de Mileto, considerado um dos primeiros pensadores que tentou explicações lógicas para a realidade que o cercava. Tales de Mileto viveu entre os séculos VII e VI  a.C. e os filósofos posteriores recorda-lo-iam como o estereotipo do sábio distraido, desinteressado das riquezas materiais e capaz de cair num poço enquanto caminhava  absorvido pelos seus pensamentos.[...]
Ler texto integral, em castelhano, AQUI, no jornal El Mundo 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Madrid, 03 de Maio de 1808



A revolta da população de Madrid em 02 de Maio de 1808, contra os franceses, na sequência das invasões peninsulares, levou o marechal Murat a ordenar o fuzilamento de milhares de populares. O pintor Francisco Goya, imortalizou, em 1814, esse dramático acontecimento ocorrido no dia seguinte ao levantamento popular. Goya pretendeu que a barbárie não fosse esquecida. Já passaram 205 anos. Nós não esquecemos.

Jacinto Lourenço




sexta-feira, 3 de maio de 2013