sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A Manivela...




O governo da liberdade ficou sendo a tirania das maiorias e, como a maioria é por via de regra ignara, nem a eleição dava o pensamento de povo inteligente, nem dava pensamento nenhum, por ser apenas a maquina movida por ambiciosos, o realejo que toca a mesma ária aclamadora  a todos os que lhe movem a manivela .

Oliveira Martins 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O Servilismo Está-nos no Sangue...


O problema é antigo, está-nos no sangue, parece-me. Dizem-nos que o herdámos do tempo do "botas" , que nos obrigou ao servilismo. Não acredito. A coisa vem mais de trás, do princípio da nossa história enquanto nação, com Egas Moniz a confundir honra com servilismo ( numa "interpretação" muito minha, e livre, da história...) quando foi pedir perdão e oferecer a sua vida e da sua família em resgate  a Afonso VII por D. Afonso Henriques se ter recusado a prestar vassalagem ao primo, conforme lhe prometera Egas Moniz, se este levantasse o cerco a Guimarães.  Sempre tivemos esta tendência para a servidão, para a obediência cega e parva, sem questionamentos. Somos assim; desenvolvemos, como nenhum outro povo da Ibéria,  a arte de "engolir sapos", mesmo se eles são de difícil digestão, e mostrar um sorriso,  por mais amarelo que seja.

Se vamos ao senhor doutor para tratar das maleitas que nos afligem, lá vem a promessa de, pela páscoa, lhe fazermos chegar um borreguinho ou um cabritinho desmamado, tenrinho, ainda a saber a leite, sim,  claro, porque  o médico nos vai aliviar das dores que carregamos. Os mais pobres podem sempre ofertar um queijinho ou um chouriço lá da terrinha. O físico, impante na sua cátedra inquestionável e impenetrável, a olhar-nos por cima dos óculos, diz que sim, que gosta e, na volta de uns comprimidos milagrosos, ou de umas gotas,  lá mais para a frente poderá seguir também para o consultório  um perú pelo natal. Ainda hoje, mesmo acedendo a um Serviço Nacional de Saúde que pagamos com impostos, não conseguimos deixar de olhar para o médico como alguém a venerar servilmente, em lugar de o vermos como profissional que é, pago para tratar da nossa saúde. A esta imagem, talvez mais diluída nos meios urbanos, juntam-se outras que têm a ver com o sacerdote católico, o pastor protestante,  o advogado, com o cabo da guarda, com o presidente da Câmara, etc, a quem dedicamos ridículos e servis  encómios numa atitude borrega, sem paralelo conhecido a não ser o da  nossa triste vocação para desistirmos com facilidade de exibir a dignidade que reside no simples facto de sermos seres humanos e cidadãos na  plenitude da igualdade de direitos e deveres que independe da posição social que ocupamos . Somos, quiçá, dos únicos países do mundo chamado desenvolvido a achar que títulos académicos fazem parte, ou devem  usar-se em lugar dos nomes de registo ou baptismo. Um país de doutores e engenheiros em que, mesmo aqueles que o não são exigem tratamento deferente como se o fossem. Doutor para aqui, doutor para ali, senhor engenheiro para isto senhor engenheiro para aquilo. É cultural, dizem-nos. Sim, até pode ser, mas não passa de uma cultura de penacho que assenta num servilismo a raiar a falta de coluna vertebral que se liga com a facilidade com que a vergamos por tudo e nada.

Clara Ferreira Alves constatava, numa das suas habituais e recentes crónicas no Expresso, que "outros países estão a conseguir atravessar a crise da dívida com a dignidade intacta" e só "Portugal resolveu transformar-se num país habitado por bonecos das Caldas". Dizia ainda  que "o nosso desejo de agradar, de servir, perde-nos. Faz-nos perder o respeito por nós próprios". Também, num outro registo, a mesma Clara Ferreira Alves, em reportagem sobre os estragos provocados pelo furacão Sandy, nos Estados Unidos da América, e para o mesmo semanário, constatava que os milionários de Manhattan, a deslizarem nos seus carros de luxo como se fossem os donos do planeta, não fazem a menor ideia de como vivem os pobres. "Usam-nos como serviçais, e proporcionam-lhes empregos com estatuto de invisibilidade. Os portugueses, uma comunidade em Newark, são famosos pela sua honestidade e por serem criados, governantes  e mulheres da limpeza de confiança. Gente que se pode meter dentro de casa. Simples, discretos, invisíveis. Sem nome nem história".

Também é certo, por aquilo que diz Clara Ferreira Alves, que pudemos, e devemos,  interpretar essa atitude dos trabalhadores portugueses nos E.U. da América, por exemplo, como francamente profissional: fazem o seu trabalho com correcção, executam as suas tarefas com profissionalismo e não se metem, mais do que devem, na vida dos outros, especialmente dos seus patrões. Mas também pode ser que o servilismo cultural dos portugueses os ajude a isso tudo.

Quando Portugal esteve sob dominação espanhola, esta cultura de servilismo era levada ao extremo para com a corte Filipina: relata-nos a História de Portugal coordenada por José Mattoso, no volume 5.3,  que "na corte de Filipe III [de Portugal], em Valladolid, os Castelhanos zombavam da soberba e vaidade dos portugueses: «não cuida um fidalgo português se não em que entrando na Corte, a hão-de assombrar, com os seus lacaios mais rica e custosamente vestidos do que nunca seus bisavós o fizeram nas suas vodas". Claro que o objectivo destes fidalgotes que se deslocavam a Valladolid,  emproados, empoados e seguidos pelo seu séquito de serviçais, era essencialmente  o de bajular o rei  e assim conseguir prebendas e favores políticos. Verificamos que, afinal, o servilismo é transversal na sociedade portuguesa e já vem de antanho.

O que sabemos hoje é que dignidade não rima com servilismo e que este não deve ser confundido com capacidade de realização e disponibilidade para correcção no nosso relacionamento com tudo e com todos.

Jacinto Lourenço



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Crime em Alexandria...


...Houve uma época no mundo antigo - há muito tempo - na qual o principal problema cultural terá sido uma inesgotável abundância de livros. Onde os pôr a todos ? Como os organizar em prateleiras sobrecarregadas ? Como podia cada um assimilar a profusão de conhecimentos ? A perda desta plenitude teria sido praticamente inconcebível para quem vivesse no meio dos livros.

Então, não abruptamente, mas com a força acumulada de uma extinção em massa, toda a actividade terminou. O que parecia estável revelou-se frágil, e o que parecia durar para sempre servia apenas para o presente. Os escribas devem ter sido os primeiros a notar: cada vez tinham menos que fazer. A maior parte do trabalho de cópia parou. A chuva, lenta, pingando sobre os buracos dos telhados decadentes, apagou as letras dos livros que as chamas pouparam, e as traças, essas "presas do tempo", carcomeram o que sobrara. Mas as traças são apenas os agentes menores do "Grande Desaparecimento". Outras forças movimentavam-se para acelerar o desaparecimento dos livros e o desmoronamento das próprias prateleiras, transformando-as em pó e cinzas [...]

Stephen Greenblatt

in A Grande Mudança, pág. 83 , edição  Clube do Autor 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Ler para Chegar ao Paraíso






Um jovem via que um velho consagrava todas as horas da sua vida à leitura.
Lia sem cessar, dia e noite, e quando lhe perguntavam a razão dessa perseverança, ele respondia:
- Leio para um dia chegar ao paraíso.
Anos mais tarde, depois de o velho ter morrido, o jovem, ele próprio já maduro, iniciou uma grande viagem em busca da verdade. Como era costumeiro neste tipo de viagens, passou por duras penas, por regiões estéreis e espinhosas. Encontrou gatunos de muitas espécies, monstros, precipícios, enigmas e tentações.
Tão forte era o seu desejo de verdade que pôde transpor todos os obstáculos e chegar enfim, mesmo no cimo de uma montanha, a uma gruta onde o esperava a revelação suprema.
Entrou e, com alguma surpresa, encontrou nessa gruta o velho cuja reputação terrena, entretanto, tinha atingido o próprio grau de santidade.
Ora, na gruta o ancião continuava a ler. O outro aproximou-se respeitosamente e perguntou-lhe:
- Então o paraíso é aqui?
- É aqui.
- E continuas a ler?
- Continuo.
Então passaste toda a tua vida terrena a ler para chegares ao paraíso e, realizado o teu voto, continuas a ler?
- Como vês.
Então não lias só por ler?
- Sim – Disse então o velho –. Mas aqui compreendo, finalmente, o que leio e ainda é mais maravilhoso!

Fonte: Pó dos Livros

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Todos Descendemos de Pissarro...





(Camille Pissarro - As Lavadeiras)


António Gabriel Pissarro. Pelos anos de 1747, na cidade de Bragança impunha-se uma florescente e laboriosa geração de cristãos-novos. Do ponto de vista da economia, nunca como então crescera o fabrico e o comércio das sedas, com a Rua Direita transformada em um autêntico formigueiro de micro e, pequenas unidades industriais, extraordinariamente competitivas e geradoras de riqueza. No seio dessa comunidade, brilhou a estrela de António Gabriel Pissarro. A ponto de um seu contemporâneo ter proferido o seguinte testemunho:
- Acorriam a ele como a pai!
Nascido em 1716, era filho de Pedro Álvares Pissarro e Luzia Nunes, que ambos conheceram as prisões do santo ofício, sendo ele acusado de ser dogmatista e rabi. Em Bragança fez António os estudos preparatórios no colégio dos Jesuítas, posto o que ingressou na universidade de Coimbra onde se licenciou em direito. Regressado a Bragança, abriu um escritório de advogado, assim iniciando uma brilhante carreira.
Na terra, havia mais de uma dúzia de advogados e padres formados em cânones, que nesses tempos existia uma ligação muito grande entre as varas judiciais eclesiásticas e civis. E uma grande parte desses profissionais juntou-se na promoção de um processo perante o juiz de fora da cidade, visando impedir o dr. António Pissarro de exercer a sua profissão nos tribunais da comarca, baseados em argumentos de natureza ética. Parece que o instigador dessa demanda e da campanha de contestação ao dr. Pissarro foi o padre/advogado António Carlos Vilas Boas que tinha sido seu colega na universidade de Coimbra e em Bragança conseguiu o estratégico emprego de notário do fisco e do santo ofício, por ele passando o registo de todas as penhoras e confiscos de bens aos processados pela inquisição. Se bem que perdessem o processo no juízo de Bragança, os inimigos de Pissarro recorreram para a Relação do Porto, onde voltaram a perder e foram condenados a pagar as custas. E a aura do nosso advogado mais cresceu, medrando em paralelo as invejas e os ódios recalcados. E fatal seria que acabasse preso pela inquisição, acusado não apenas de práticas judaicas mas ainda de ser, tal como o pai, entretanto falecido, o rabi da sinagoga que os “judeus” de Bragança faziam em casa de António Rodrigues Gabriel, seu parente.
Não vamos aqui falar do seu processo. Apenas diremos que foram dois longos anos de sofrimento. E uma nota interessante: em sua defesa, acorreu o comissário da inquisição de Bragança, padre Morais Antas, que fez uma informação para Coimbra falando das invejas do padre Vilas Boas e outros e que a acusação partia apenas do facto de o dr. Pissarro ser de origem hebreia e não de qualquer infracção às leis da igreja.
Finalmente, refira-se que na família deste ilustre advogado de Bragança viria a nascer, em 1831, em St. Tomas, uma das Antilhas, um dos maiores pintores do século XIX, aquele a quem Henry Matisse chamava o “Moisés da pintura contemporânea” e acerca de quem Paul Cézanne dizia:
- Todos descendemos de Pissarro!
Estamos falando, naturalmente, de Camille Pizarro, o famoso mestre do impressionismo que faleceu em Paris em 1903.

António Júlio Andrade

in Por Terras de Sefarad

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O Sabujo...




O discurso de Passos Coelho, pretendidamente de boas-vindas a Angela Merkel, ultrapassou a indispensável cortesia para se transformar numa inqualificável sabujice. A alemã esteve seis horas em Lisboa apenas para apoiar e aplaudir a política do primeiro-ministro português. Afinal, a sua política. E aquele perdeu completamente o mais escasso decoro e o mais esmaecido pudor. Qualquer compatriota bem formado sentiu um estremecimento de vergonha ante o comportamento de um homem, esquecido ou indiferente à circunstância de, mal ou bem, ali representar um país e um povo.
A submissão a Angela Merkel e ao sistema de poder que ela representa atingiram o máximo da abjecção quando Passos estabeleceu paralelismos comparativos entre trabalhadores alemães e portugueses, minimizando estes últimos, e classificando aqueles de exemplares. A verdade, porém, é que as coisas não se passam rigorosamente como ele disse. Os portugueses trabalham mais horas, recebem muito menos salário, descansam menos tempo, dispõem de menores regalias e de cada vez mais reduzida segurança.[...]

Baptista Bastos 

in Diário de Notícias Online

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Europa Derrotada no Circo de Berlim...





...A Europa voltou à lógica da balança do poder, e a Alemanha recupera, sem pudor, um lugar de hegemonia. Já não através do ferro e do fogo, mas pelo controlo de uma União Económica e Monetária, que se transformou numa máquina de terror e de pobreza social. Tal como os generais romanos vencedores, que desfilavam cobertos de troféus e prisioneiros, Angela Merkel percorrerá a capital do Tejo cercada de um séquito obediente e servil. Mas no carro de vitória da chanceler alemã, ao contrário do que era costume com os generais romanos, não haverá nenhuma voz, sábia e prudente, murmurando-lhe ao ouvido que "toda a glória é efémera".

Viriato Soromenho Marques 

in Diário de Notícias online

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Livros para Gente que Não Gosta de Ler...




Quando me fazem uma das perguntas mais frequentes numa livraria: «queria um livro para alguém que não gosta de ler», imediatamente penso que é o equivalente a pedirem-me uma cerveja sem álcool, um café sem cafeína ou um cigarro electrónico sem nicotina, isto é, um livro sem enredo, sem personagens, sem sentimentos, sem emoções, sem ideias. O pior é que se abre uma multiplicidade de hipóteses das quais não posso fugir, os livros editados para pessoas que não gostam de ler são, paradoxalmente, a maior fatia da oferta que existe no mercado. Basta passear um pouco por uma grande superfície e verificar a grande quantidade de livros iguais no seu aspecto estético e temático, para perceber que essa é a lei que impera. Não quero parecer elitista ao criticar a opção de se ler esse tipo de livros, é legitimo fazê-lo. Mas sejam quais forem os prazeres de desfrutar de um livro, enquanto objecto que nos permite levitar para outro mundo, esta não pode ser a única abordagem da leitura. Um livro pode, de facto, mudar a nossa vida. Não é o trabalho de um escritor uma espécie de instrumento óptico que é oferecido ao leitor para lhe possibilitar encontrar aquilo que, sem a ajuda do livro, nunca teria conseguido sentir sozinho? Não será um livro a descoberta do eu através dos outros? Já Marcel Proust dizia que é sempre mais interessante citar os outros do que nos citarmos a nós próprios. Para Orhan Pamuk um livro, para além do seu enredo e das personagens, tem que ter uma ideia central, aquilo a que Pamuk chama o centro do livro ou desígnio do livro. A função de um livro não é apenas a de nos dar prazer, ou seja, um analgésico, de efeito efémero, que ajuda a minimizar a solidão ou a passar o tempo enquanto viajamos de autocarro ou de comboio; pode, pelo contrário, criar-nos angústia, medo e dúvida, mas também nos pode dar respostas. Porém, parece que a maioria das pessoas quer apenas um sucedâneo, um placebo, algo que simplesmente as distraia e seja inócuo. É uma opção.

Jaime Bulhosa 

in O Pó dos Livros

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Os Judeus em Sefarad



...A palavra, o topónimo Sefarad, surge em Abdias, no versículo 20, e veio a ter grande impacto na cultura judaica, pelo menos até ao século XIX. Vejamos o contexto das palavras do profeta:



“Os deportados deste exército,
Os filhos de Israel
Ocuparão as terras dos cananeus até Serepta
Os deportados de Jerusalém
Que estão em Sefarad
Possuirão as cidades de Négueb.”



Abdias, um dos chamados Profetas Menores, pelo escasso tamanho do seu texto, 21 versículos apenas, deve ter escrito depois de 586 a.C., isto é, posteriormente à destruição de Jerusalém, na época de Nabucodonosor.
Desde muito cedo, não sabemos quando, esta realidade designada por “Sefarad” foi identificada com a Península Ibérica. Não podemos saber desde quando, de facto, existiram judeus no território peninsular, mas podemos dizer, com certo grau de verosimilhança, que isso terá acontecido muito cedo, logicamente antes do domínio  romano, aquando da grande expansão comercial dos fenícios.
Mas mais que "Sefarad", a palavra "Hispânia" também nos pode revelar alguns aspectos interessantes. De facto, a palavra pode ter origem semita, de cariz fortemente comercial, podendo ter designado “ilha/costa do Norte” ou “ilha/costa dos metais”.
O Périplo de Hanão, escrito no século V a.C., é uma das fontes mais ricas e mais interessantes para a análise da capacidade de navegação, mobilidade e domínio dos mares por parte dos Fenícios, cultura bastante semelhante e geograficamente contígua ao espaço tradicionalmente atribuído a Israel. Neste contexto, que trata uma viagem fenícia para além das Colunas de Hércules, vemos como seria a navegação para o Atlântico.
Contudo, arqueologicamente, pouco podemos dizer sobre essa antiguidade. Mas temos indicadores que nos falam bem alto. O Antigo Testamento fala-nos de uma sociedade significativamente ligada ao comércio, com as características essenciais de uma sociedade fundada na economia de troca. Assim encontramos nos alvores do mundo dos reinos de Judá e de Israel , nomeadamente no que respeita a todo o tempo dos patriarcas, todo o mundo de semi-nomadismo, as famílias de Abraão, Isaac e Jacob, mas também de José e a sua célebre venda como escravo para o Egipto.
Esses tempos, mergulhados na incerteza das datações, mas remetidos para meados do segundo milénio antes de Cristo, levam-nos a um mundo em tudo diferente do urbano. Um espaço largo, onde as pastagens dimensionavam o horizonte, e onde a troca de víveres era a base da economia fechada de cada grupo humano, de cada família alargada, de cada tribo. Não será por acaso que a organização em tribos se manteve até tarde no imaginário de Israel.
No fundo, e esta generalização quase se pode fazer para todo o mundo semita, Israel tem na sua base identitária, que lhe formulou radicalmente tanto a religião como a sociedade, uma estrutura seminómada onde o elemento tribal e de caravaneirismo é fulcral. De que se podem fazer valer os grupos familiares que pastam o seu gado de pastagem em pastagem, senão vender parte dele de tempos a tempos?
Este horizonte familiar mas, ao mesmo tempo, difuso no espaço, nunca mais o judaísmo o iria perder. No que respeita ao primeiro aspecto, a malha familiar será sempre base de organização dos negócios, sempre de matriz familiar, mesmo quando internacionais. No que respeita ao segundo aspecto, a forma difusa de organização e confinação no espaço, será a própria história a fazer prevalecer este sobre os outros aspectos.
Realmente, desde tempos muito recuados que os judeus trilharam caminhos de fuga, de desvio, de êxodo e de exílio. Desde, pelo menos, os séculos IX/VIII a.C. que comunidades de proto-judeus devem ter acompanhado os fenícios no estabelecimento e desenvolvimento de linhas comerciais com toda a bacia do mediterrâneo, incluindo a Península Ibérica. Desde essa data, mas com especial desenvolvimento desde as conquistas de Alexandre, e depois com o domínio intolerante dos Antíocos, que se espalharam comunidades organizadas de judeus no Norte do Egipto, na Grécia, nas costas da Península Itálica, na Ibéria, podendo mesmo ter chegado ao Vale do Indo, criando hoje uma milenar forma de estar no mundo fundada nessa mesma dispersão das comunidades.
O que fora uma terrível perda de ligação efectiva ao centro do mundo religioso, ao Templo de Jerusalém, foi desde cedo compensado pela criação de laços inter-comunais. Há mais de dois mil anos, um judeu que se lançasse num qualquer negócio, poderia ter a quase certeza de, em qualquer metrópole mediterrânea, encontrar um parceiro, também ele judeu, com quem tratar. Desde esses assentamentos fenícios que os hebreus chegaram ao território actualmente português.[...]

Paulo Mendes Pinto

Em Grandes Enigmas da História de Portugal, Vol. I – da pré-história ao século XV, da Editora Ésquilo
Ler texto integral AQUI no Blogue Por Terras de Sefarad

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Um Parlamento de Cobardes



Na passada quarta-feira, os deputados portugueses (não a totalidade, felizmente) deram não uma mas duas mostras de cobardia.
A primeira foi a recusa em votarem nominalmente a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2013 para sabermos quem subscreve ou não o documento mais violento em matéria fiscal que alguma vez o povo português teve de suportar.
A segunda foi a antecipação do fim do debate e imediata votação na parte da manha, com conivência da presidente da Assembleia da República, para evitar que tal ocorresse à tarde, quando estavam preparadas várias manifestações à frente do Parlamento.
Foram duas inequívocas provas de cobardia e de quem tem medo de assumir as suas responsabilidades.
Quando em democracia, os deputados eleitos pelo povo têm medo desse mesmo povo que os elegeu, algo está mal e profundamente errado. Num momento em que os portugueses mais esperariam explicações dos representantes do povo, estes fogem cobardemente dos eleitores. É lamentável. E é o princípio do fim de alguma coisa.


Nicolau Santos in semanário Expresso

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Europa: Área de Desastre Iminente



Ainda não me habituei ao ar circunspecto como nós, os europeus, somos olhados fora do Velho Continente. Aqui, na fervilhante cidade de São Paulo, os amigos brasileiros e a imprensa não escondem a sua suspeita de que se a Zona Euro (ZE) ainda não conseguiu resolver a sua crise que dura há três anos então não restará muitas esperanças de que o venha a fazer em tempo útil. Também em Xangai ou Nova Iorque ocorre o mesmo. A Europa representa hoje uma área de desastre iminente. Os países fazem contas. Mesmo sem um resvalar para situações políticas fora de controlo, o desmoronar da ZE significará uma escalada da depressão económica a nível mundial por um período indeterminado.[...]

Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias online