sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Crime em Alexandria...


...Houve uma época no mundo antigo - há muito tempo - na qual o principal problema cultural terá sido uma inesgotável abundância de livros. Onde os pôr a todos ? Como os organizar em prateleiras sobrecarregadas ? Como podia cada um assimilar a profusão de conhecimentos ? A perda desta plenitude teria sido praticamente inconcebível para quem vivesse no meio dos livros.

Então, não abruptamente, mas com a força acumulada de uma extinção em massa, toda a actividade terminou. O que parecia estável revelou-se frágil, e o que parecia durar para sempre servia apenas para o presente. Os escribas devem ter sido os primeiros a notar: cada vez tinham menos que fazer. A maior parte do trabalho de cópia parou. A chuva, lenta, pingando sobre os buracos dos telhados decadentes, apagou as letras dos livros que as chamas pouparam, e as traças, essas "presas do tempo", carcomeram o que sobrara. Mas as traças são apenas os agentes menores do "Grande Desaparecimento". Outras forças movimentavam-se para acelerar o desaparecimento dos livros e o desmoronamento das próprias prateleiras, transformando-as em pó e cinzas [...]

Stephen Greenblatt

in A Grande Mudança, pág. 83 , edição  Clube do Autor