terça-feira, 24 de abril de 2012

O Meu 25 de Abril...


O despertador tocou, como habitualmente, às oito e meia da manhã de uma quinta-feira normal de uma semana qualquer. A D.Ilda entrou esbaforida no meu quarto a dizer que tinha havido uma revolução. Lavei-me à pressa, enfiei a roupa e fui, como habitualmente, a pé, do Alto do Pina até à rua Zaire, ali para o pé dos anjos, para a empresa onde trabalhava. Pelo caminho fui observando os rostos das pessoas e as suas reacções. Percebi um misto de esperança e receio. Na Paiva Couceiro alguns  grupos de homens mais velhos conversavam meio em surdina; adivinhei o tema das conversas e continuei a andar. Nunca antes tinha chegado tão rápido ao emprego. No escritório os meus colegas seguiam interessados a emissão da rádio. Ninguém estava a trabalhar. Fomos percebendo, pelas notícias, a realidade do que se estava a passar nas ruas de Lisboa e a intenção dos militares que se tinham sublevado.

O patrão não apareceu naquele dia no escritório e todos decidimos que não iríamos ficar ali da parte da tarde, até porque o nervosismo e a expectativa eram tão elevados que dificilmente alguém iria ser produtivo no que restava daquele extraordinário dia. Fomos para a rua, cada um para seu lado, ver a revolução que estava a derrubar uma ditadura fascista que durava  há  48 anos  e que tinha marcado negativa e dramaticamente a vida da esmagadora maioria dos portugueses.

Desci a rua Zaire em direcção ao largo de Santa Bárbara. Subi para a  rua do Conde de Redondo. De passagem olhei para as portas do quartel da GNR fechadas e sem sinal nenhum cá de fora que indiciasse algum movimento lá dentro. Fui em direcção à Avenida da Liberdade percebendo já nos rostos e nas reacções das pessoas um grande desprendimento e alegria. Toda a gente muito agitada, mas serena ao mesmo tempo. Sem que fosse ainda definitiva a certeza do êxito do golpe militar, observava-se já, ali à frente dos  olhos, a real possibilidade de se poder gritar LIBERDADE a plenos pulmões  e de assistir também ao  extertor de um regime político que se tornara abominável e isso seriam as melhores coisas que podiam ter acontecido aos portugueses e a Portugal no último meio-século da nossa história.

Vi os tanques, os soldados deitados no chão com as suas G3 em prontidão. Pela Calçada do Sacramento descia um pelotão do exército em direcção à Praça do Comércio que, a uma ordem do graduado, puxou a culatra atrás e a soltou a um tempo. O ruído provocado pelas armas intimidou os muitos populares, quase encavalitados nos militares, que debandaram em  atabalhoada corrida  rua do Ouro acima. Por mim, achei melhor seguir dali para fora. O peito dilatava-se-me de alegria à medida que me encaminhava para o quartel do Carmo onde, dizia-se, Marcelo Caetano estava refugiado. Ninguém parecia estar muito preocupado  que as coisas se complicassem e houvesse tiroteio a sério nas ruas. A multidão enchia-as. A vontade de ver cair o regime opressor era mais forte do que os cuidados que se recomendavam numa situação daquelas. O primeiro-ministro da ditadura  já tinha saido do Carmo numa Chaimite quando lá cheguei, mas o largo continuava cheio de pessoas as gritos exultando pela liberdade finalmente conquistada. Os buracos das balas que serviram de aviso à guarda pretoriana do regime, sempre configurada pela GNR, eram visíveis na frontaria do edifício  onde se acoitara Caetano.

Vivi o 25 de Abril de 1974 com muita intensidade. Tinha vinte anos acabados de fazer em Março. Apresentara-me  já  à   inspecção militar e sabia que, como qualquer jovem português de então, o meu destino seria cumprir cerca de quatro  anos de tropa obrigatória sendo dois deles  no então designado Ultramar. Quatro anos na vida de um jovem na casa dos vinte, a cumprir serviço militar obrigatório, eram sem dúvida um tempo de interregno que comprometia  aspirações e punha em causa a própria vida. Muitos fugiam para o estrangeiro para não obedecerem a esse chamamento do regime a uma guerra injusta  que não fazia qualquer sentido. França era o destino mais corrente dos mais politizados, dos que tinham família emigrada ou dos que possuiam suporte financeiro familiar para por lá ficarem o tempo necessário. Eu não me enquadrava em nenhum destes perfis pelo que,  era mais do que certo, iria para o ultramar. Sem dúvida um cenário que apavorava.

Não sendo suficientemente politizado, como aliás se passava com a maioria da população, tinha uma noção perfeita das condições políticas existentes em Portugal e do resultado que isso implicava para a vida das pessoas: ausência das  liberdades mais elementares, perseguições políticas, obscurantismo, censura, prisão, tortura, etc. Na minha família materna havia exemplos de pessoas perseguidas, torturadas, presas sob a acusação de serem comunistas sem que muitas vezes houvesse sequer uma real noção do que era isso, o comunismo. Vivi parte da minha infância e  adolescência a ver o meu avô José a sintonizar a Rádio Portugal Livre, que emitia a partir de Argel, e a Rádio Moscovo. Era a única maneira de se saber o que é que se passava no interior do  país ao nível das lutas de estudantes e trabalhadores contra o regime que todos queriam ver deposto pois os jornais e as estações de rádio e televisão só diziam  aquilo que os censores autorizavam. Enfim, vivíamos sob um  poder que aterrorizava as pessoas e manipulava as consciências de acordo com os seus interesses mais obscuros e foi no meio deste ambiente que se chegou a 25 de Abril de 1974 e à ansiada liberdade. Como não sentir, pois, tanta alegria e satisfação, naquele dia, à medida que ia percorrendo as ruas de Lisboa, pela   liberdade conquistada ?!

Trinta e oito anos depois, os portugueses já não exibem o sorriso daquele dia vinte e cinco de Abril de 1974. O que sobra é apreensão e tristeza. Interrogam-se como é que deixaram que lhes retirassem coisas importantes que Abril lhes deu. Desconfiam que não conseguirão readquirir  o sorriso e a alegria que lhes roubaram neste percurso de quase quatro décadas de liberdade ...


Jacinto Lourenço

sábado, 21 de abril de 2012

Salmo 137 em Português Moderno
















Não invocámos pequenos prazeres
junto aos rios da Babilónia
nas margens havia salgueiros
e neles pendurámos nossas  lágrimas
nem pequenos passeios
de barco, no sossego das águas
aos sábados
pendurávamos a vida
nesses dias à beira dos rios
da Babilónia, imóveis
só tomávamos o ar.


João Tomaz Parreira

21/3/2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Humor de Sexta - Amor em Tempo de Crise...




Fonte: HenriCartoon

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Massacre de Lisboa - 19 de Abril de 1506



Lisboa, Convento de S. Domingos, 19 de Abril de 1506, domingo de Pascoela cristã, três horas da tarde. A peste assolava a capital desde Outubro do ano anterior, situação dramaticamente ampliada pela seca e pela fome. O rei D. Manuel I refugiara-se em Abrantes. As ruas exibiam os horrores da tragédia. O convento estava repleto de desesperados cristãos – velhos e novos – esperando um sinal divino que acudisse àqueles que não tinham posses ou condições de fuga. Constava que um milagre se manifestara no dia 15 desse mês naquele templo dominicano. A vontade de crer era demasiado forte para descrer em qualquer sinal, por pequeno ou inacreditável que fosse.

O sinal implorado com toda a convicção repetiu-se. Uma luz brilhou, incandescente, no crucifixo da capela da Igreja. Todos viram. Todos rejubilaram. Todos se sentiram recompensados pela crença profunda e sincera. Todos? Não. Na verdade, houve um que ousou duvidar da natureza divina da luz. Segundo ele, a luz provinha de uma das muitas candeias acesas naquele convento. Era um cristão-novo: heresia!
A situação criada com o baptismo forçado, em 1497, era explosiva. Qualquer sinal de hipotético judaísmo poderia gerar a animosidade cristã. Na verdade, cristão-novo – converso convicto ou não – permanecia eternamente judeu aos olhos da população maioritariamente cristã. Foi nesta conjuntura, favorável ao anti-judaísmo, que o citado cristão-novo cometeu a imprevidência. Mal proferiu a contraproducente «blasfémia», o povo caiu sobre ele, arrastou-o para a rua e agrediu-o barbaramente até cair inanimado. Prostrado no Largo de S. Domingos, foi identificado pelo irmão, que se debruçou sobre o seu cadáver e gritou lancinantemente: «Quem matou meu irmão?!». Acto contínuo, foi igualmente executado pela turba, que, de pronto, acendeu uma fogueira e queimou os dois infelizes cristãos-novos. Num clima de intolerância crescente, surgiu um frade que proferiu um inflamado sermão anti-judaico, enquanto o povo se aglomerava em torno da «redentora» fogueira, aos quais se juntariam mais dois frades dominicanos, Frei João Mocho e Frei Bernardo, exibindo o crucifixo «milagreiro» e fazendo apelos sanguinários contra os judeus: «Heresia! Heresia! Destruam o povo abominável!…».

E assim se espalhou o povo pelas ruas de Lisboa, procurando cristãos-novos que passavam desprevenidos, forçando a entrada nas suas casas, capturando aqueles que se haviam recolhido nas igrejas, carregando mortos e vivos para as fogueiras que se acendiam na capital. Foram três dias de terror, pilhagem e carnificina, de que resultariam, de acordo com os cronistas coevos, entre dois e quatro mil mortos.
O cronista Damião de Góis relatou assim este horroroso episódio:

“A esta turma de maus homens e dos frades, que sem temor de Deus andavam pelas ruas, concitando o povo a esta tamanha crueldade, se ajuntaram mais de mil homens da terra, da qualidade dos outros, que todos juntos a segunda-feira continuaram nesta maldade com mor crueza e, por já nas ruas não acharem nenhuns cristãos-novos, foram cometer, com vaivéns e escadas, as casas em que viviam, ou onde sabiam que estavam e, tirando-os delas a rasto pelas ruas, com seus filhos, mulheres e filhos, os lançavam, de mistura vivos e mortos nas fogueiras, sem nenhuma piedade e era tamanha a crueza que até nos meninos e nas crianças que estavam no berço a executavam, tomando-os pelas pernas fendendo-os em pedaços e esborrachando-os de arremesso nas paredes”.


Embora tardiamente, o rei castigou duramente o povo de Lisboa: sentenciou os responsáveis pela chacina a penas corporais e à perda dos seus bens a favor da Coroa; mesmo os que não tivessem participado no massacre e no saque perderiam um quinto dos seus bens; suspendeu a eleição dos representantes da Casa dos Vinte Quatro e dos seus quatro representantes à vereação municipal lisboeta; retirou as honrarias da cidade; mandou executar cerca de meia centena de amotinados e os dois frades dominicanos, frei João Mocho e frei Bernardo, verdadeiros instigadores do massacre.

Jorge Martins

Historiador


Fonte: Por Terras de Sefarad

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Alentejanos



















Os alentejanos caiam a terra da casa de branco
imaculada como a mãe
farejam-na como cães

orégão poejo cardo para conduto do pão
no touro no Sol e papoilas derramam sangue vermelho
calam palavras e sonhos, lágrimas seca-as o vento
só grilos cigarras e corvos quebram tanto silêncio!


sua esperança é ao nascer que o seu destino é partir
tão antigo é esse anseio como a amargura de o fazer
solidão de vagabundo de que meu corpo é possuído!


Maria José Lascas 

 in "Morada da Poesia, poetas celebram Manuel da Fonseca", desenhos de Manuel Passinhas e edição da C.M. de Castro Verde



Fonte: Blogue de Maria Lascas

terça-feira, 17 de abril de 2012

Secularização e Fé


A pergunta era se sabia "o que se festejava na Páscoa" ?  As respostas obtidas na rua, aos passantes, por uma repórter ao serviço de um programa de entretenimento de um canal privado de televisão, eram, invariavelmente, de completo desconhecimento sobre o tema ou então absolutamente pleonásticas.

Não é novidade o desconhecimento genérico, nas grandes cidades, sobre temas de festividades  religiosas. O que foi novidade para mim foram as respostas que ouvi na tal curta reportagem de rua e que vinham de pessoas já com idades a roçar os quarenta e os cinquenta anos de idade, gente que, supostamente, ainda vem de um tempo em que se dava a doutrina católica  romana na instrução primária ou a religião e moral no ciclo preparatório. Era quase impossível escapar a estas disciplinas mesmo que a nossa confissão religiosa não fosse católica romana. Daí até à suposição de que não serve de nada obrigar as pessoas a frequentar uma religião ou ter aulas sobre doutrina religiosa, seja ela católica romana ou outra, vai  um pequeno passo. O apóstolo Pedro recomendava: "Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem por torpe ganância, mas de boa vontade".

Lembro um episódio com o meu filho Pedro, o mais novo, que tem agora 21 anos, e que foi literalmente  "escorraçado" da sala de uma determinada professora primária porque esta insistia na prática ( não obrigatória ao tempo ) de  ensinar a doutrina católica romana às crianças da sua sala, matéria que, como é bom de ver, não fazia parte do currículo escolar normal nessa altura. Ao tomar conhecimento fui falar com a dita professora explicando-lhe, muito educadamente, que não pretendia que o meu filho recebesse aulas de doutrina católica romana uma vez que essa não era a nossa confissão religiosa e, para além do mais, a criança já frequentava a Escola Dominical na igreja evangélica onde toda a nossa família se congregava. Quanto a manter o meu filho na sua sala,  uma vez que ele não deveria receber a doutrina católica romana, a resposta da senhora foi de completa e estúpida inflexibilidade, como de quem fosse dona e arauto da "verdadeira e boa religião" e ainda por cima ciente de ter os poderes civis formais e informais, latentes na sociedade, do seu lado. O Pedro, então com seis anos de idade, saiu em definitivo da sala daquela professora,  para outra, que não fazia questão de qualquer prática religiosa obrigatória na sua turma,  não sem que antes de consumada a transferência, por uma ou duas vezes, a anterior professora o  tivesse ainda retirado da aula, muito "pedagogicamente", ( e acredito que maldosamente ) no momento em que lecionava a doutrina católica, e o tivesse colocado ao cuidado de uma auxiliar, fora do convívio dos colegas. Dizia-se que a senhora era uma boa técnica, enquanto professora; em minha opinião, ser professor/a vai  muito para além da técnica...  Poderíamos ter apresentado queixa ao ministério da educação ou às entidades competentes, não o fizémos visando não prejudicar  a criança e porque também não pretendíamos prejudicar a professora, que vivia ainda num registo antigo, em que o professor primário, o padre, o regedor ou o cabo da guarda eram as autoridades nas povoações mais pequenas, embora já tivessem passado dezasseis anos após a Revolução de Abril. O problema fora resolvido a nosso contento, dentro da mesma escola. Claro que sublinhámos bem a nossa posição e indignação pelo facto ocorrido, à directora da escola, que, por acaso, era a mesma senhora professora em causa...


Esta ocorrência é singularmente demonstrativa de que a simples  tentativa de impôr uma qualquer doutrina religiosa, pode ter, e tem quase sempre, resultados contrários ao esperado.  À medida que as pessoas vão amadurecendo as suas convicções, vão também rejeitando o que lhe quiseram inculcar à força.

Fala-se hoje de secularização da sociedade e da descida estatística do número de católicos e da subida do número de protestantes em Portugal. Aduzem-se várias explicações para o facto, algumas válidas e outras nem por isso. Não tenho dúvidas de que Portugal continua a estar sobre uma forte influência cultural de cariz católica romana e de que isso se estende até ao exercício do poder e à forma manifestamente tendenciosa como este olha para as diferentes confissões religiosas versus a católica romana e como, face a essa visão distorcida, beneficia esta última, em vários aspectos, de forma escandalosa, especialmente num suposto regime formal  de separação da igreja e do estado. Estivessem os protestantes em pé de igualdade com o catolicismo romano, na ausência de preferências do poder político por uma confissão,   e os números agora publicados pelos media seriam ainda menos favoráveis para a igreja católica. Julgo que, muito mais do que a secularização da sociedade, sublinha-se a rejeição de uma confissão religiosa que durante as últimas décadas e no correr dos séculos se pretendeu impôr mais do que se propôr ao povo. Por mim, continuo a pensar que a liberdade de escolha e opção deve presidir na forma como nos relacionamos e organizamos, mas penso também que, se a igreja católica romana tem algo de que se queixar em Portugal e na europa, é apenas de si própria e da forma como pretende transmitir  uma doutrina que sobrepõe um poder religioso ao próprio poder de escolha individual do ser humano em matéria de fé e de como continua a omitir importantes e significativas verdades bíblicas na prática religiosa .

Não admira pois que o secularismo avance  ao mesmo tempo  que muitos milhares de pessoas compreendem, finalmente, que uma religião, seja ela mais ou menos anquilosada,  não salva ninguém; só Cristo tem uma resposta para a humanidade e para cada ser em particular, sendo nessa relação particular com Ele que temos acesso ao Amor de Deus e à compreensão da fé. E isto não se decora mentalmente, não se recita à exaustão; experimenta-se, sente-se, vive-se.




Jacinto Lourenço

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Sorriso das Vacas...



...“A vaca, tal como alguns homens, tem quatro patas, duas à frente, duas atrás, duas à direita e duas à esquerda. A vaca é um animal cercado de pêlos por todos os lados, ao contrário da península que só não é cercada por um. O rabo da vaca não lhe serve para extrair o leite, mas para enxotar as moscas e espalhar a bosta. Na cabeça, a vaca tem dois cornos pequenos e lá dentro tem mioleira, que o meu pai diz que faz muito bem à inteligência e, por não comer mioleira, é que o padre é burro como um tamanco. Diz o meu pai e eu concordo, porque, na doutrina, me obriga a saber umas merdas de que não percebo nada como as bem-aventuranças. A vaca dá leite por fora e carne por dentro, embora agora as vacas já não façam tanta falta, porque foi descoberto o leite em pó. A vaca é um animal triste todo o ano, excepto no dia em que vai ao boi, disse-me o pai do Valdemar “pauzinho”, que é dono do boi onde vão todas as vacas da freguesia. Um dia perguntei ao meu pai o que era isso da vaca ir ao boi e levei logo um estalo no focinho. O meu pai também diz que a mulher do regedor é uma vaca e eu também não entendi. Mas, escarmentado, já nem lhe perguntei se ela também ia ao boi.”[...]


Ler texto integral AQUI no blogue   A Ovelha Perdida

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A Herança Judaica de Évora




Cidade em que o centro histórico é Património Mundial da Unesco.

Desde a idade média que Évora era a segunda cidade portuguesa e devido também a essa importância muitas vezes aqui se reunia a Corte. A Judiaria era por isso uma das maiores do país. Já no séc. XIV foi solicitada a sua ampliação.
A herança judaica de Évora está hoje patente num vasto conjunto de portais ogivais góticos que se situam bem perto da Praça do Giraldo local de uma feira anual desde 1275 (Ruas do Reimondo, Moeda, Alconchel, Palmeira, entre outras), Mercadores (agora Rua da República, Tinhoso). Durante o séc. XV a judiaria chegou a ter duas sinagogas e todos os serviços inerentes a uma vasta comunidade; escola, hospital, estalagem, “ mikve” (local de banhos rituais) e mesmo aí teria existido uma gafaria (leprosaria).

A Biblioteca pública possui ainda hoje raridades tais como o famoso "Almanach Perpetuum"  de Abraham Zacuto (impresso em Leiria em 1496 e traduzido então por mestre José Vizinho) e o "Guia Náutico de Évora" (1516), obras que contribuíram para o avanço científico que Portugal registava então sobre a Europa. Em Évora sediou-se também uma das 7 ouvidorias jurídicas (tribunais judaicos portugueses).
A cidade foi igualmente sede de um dos tribunais da inquisição em Portugal, mais precisamente o que processou mais processos de acusação por judaísmo (cerca de 9.500). O Tribunal e o Palácio do Inquisidor de Évora encontram-se defronte ao museu de Évora e nas portas  ainda hoje se pode ver o brasão de armas do Santo Ofício.

Fonte: 

Via Eterna Sefarad

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O Melhor de Portugal é o Seu Povo...


O melhor que Portugal tem é o seu povo. O pior que o Portugal de hoje  tem é a apatia e o amorfismo quando confrontado com a realidade e a necessidade de mudança e reacção face ao que o atinge. 

Há coisas significativas na análise básica do perfil das gerações que numa determinada baliza temporal enforma a identidade de um povo e a sua idiossincrasia. O povo que somos hoje, não tem a mesma marca identitária do povo que fomos ontem. As gerações cruzam-se, sucedem-se, interligam-se nos antípodas das suas vivências. São influenciadas por factores diversos, endógenos ou exógenos e, mais do que as semelhanças,  sublinham-lhe  as diferenças. Olhar para as gerações que conviveram há cem anos atrás neste pedaço geográfico do extremo ocidental da europa, a que chamamos Portugal, e pretender compará-las com as gerações actuais só poderá redundar em erro grosseiro se não se salvaguardarem todos os consequentes distanciamentos.

Olhando para a história de Portugal, é fácil confirmar que as gerações contemporâneas se tornaram acomodadas e indolentes  face ao seu presente e mais ainda face ao seu futuro, que é também o de Portugal.

Somos herdeiros recentes de uma ditadura fascista que durou quase 50 anos e que marcou significativamente a nossa memória colectiva desde 1926. O Estado Novo decidia o que as pessoas podiam ou não fazer, onde podiam ou não estar e que futuro podia ser o de cada um certo e seguro de que isso  seria sempre diferente e determinante em função do local de nascimento e das condições sócio-económicas  em que cada família se movesse. Isto é: se alguém nascia em Trás-os-montes ou no alentejo profundo, o mais provável é que vivesse agarrado à terra e à agricultura pelo resto dos seus dias, e mesmo que se pretendesse mudar de vida, melhorar, sair do círculo vicioso da pobreza e sub-desenvolvimento sócio-económico, o estado tudo fazia para impedir que isso acontecesse implementando políticas migratórias restritivas querendo com isso mostrar e sublinhar o lugar que estava destinado a cada ser nascido português. Nas cidades, a dificuldade de acesso das classes pobres à educação não permitia facilmente a saída da  trama social  que o estado e as classes ricas iam  tecendo no sentido de dificultar a mobilidade ascensional dos mais desfavorecidos. Para as classes pobres, fazer a 4ª classe da instrução primária já era uma conquista, fosse na cidade ou no campo, e isso só mudou um pouco com o tímido desenvolvimento industrial das décadas de 1950/60 e com o aparecimento das escolas industriais e comercias para onde eram canalizados os filhos das classes operárias e rurais que podiam suportar o sacrifício de manter um filho a estudar até mais tarde. Universidade era coisa para gente rica e privilegiada ou que gravitava as esferas do poder nas suas diversas vertentes.

E foi assim até à madrugada de 25 de Abril de 1974.  A revolução não foi feita pelo povo, pese embora este  tivesse todas as razões para a fazer, mas pelos militares que estavam cansados de uma guerra colonial sem solução possível que não fosse a da auto-determinação dos territórios africanos ocupados. O povo apoiou e saiu à rua a festejar o fim da ditadura. Desde então muita coisa mudou, mas não a vontade manifesta de um povo, acomodado, em  dizer basta à situação em que tem vindo  a ser colocado pelas políticas partidárias e por um conjunto de políticos profissionais que nada mais fazem do que aplicar as medidas que o capitalismo parasitário lhe pede. E estas, como é bom de ver, recaem basicamente sobre as classes médias inferiores e os trabalhadores em geral. O que verificamos é que o povo vota e elege e, quando vota e elege, estabelece como que um pacto com os partidos políticos no sentido de estes aplicarem as medidas que prometeram ou, inversamente, de não aplicarem medidas lesivas dos interesses da nação. Facto é que assim que se instalam no poder, as políticas e os políticos vão em sentido oposto ao do pacto celebrado com o povo que neles votou. Ou seja, passam a governar em nome de outros interesses que não os de Portugal e dos portugueses. O que vimos é que o governo actual está apenas apostado em agradar aos banqueiros alemães e aos fundos disto e daquilo; os portugueses deixaram de contar e pouco importa se lhes agrada ou não o que a governação faz. Gaspar, Relvas e Passos, só têm olhos para os mercados... O povo português é apenas um acessório aborrecido no meio deste processo de submissão ao capitalismo selvagem. O governo rasgou o pacto eleitoral, o tribunal constitucional  "perdeu" o original da constituição e já não verifica nem se preocupa em salvaguardar os direitos e deveres nela consagrados.  Perante esta ilegalidade governativa e constitucional não tem o povo o direito de dizer basta, de se indignar, de fazer uma revolução ética e moral, de chamar  à responsabilidade efectiva quem já perdeu o direito legal e moral de o governar !!?                                                                                                                                          


A história de Portugal tem poucos registos que assinalem momentos em que o povo tenha decidido conduzir o seu próprio destino. Normalmente entregou essa responsabilidade a supostos "representantes"  que na primeira oportunidade traem todas as expectativas que criaram de uma governação virada para os verdadeiros interesses da nação. Andamos à trinta e tal anos neste círculo vicioso de, literalmente,  "entregar o ouro ao bandido", esperando sempre que alguém venha, providencialmente, qual D. Sebastião, resolver os nossos problemas. Depois, bem, depois lá estaremos para bater palmas ao cortejo da nobreza... Somos portugueses dum tempo geracional  incapaz de enfrentar os seus próprios medos e desafios. E há sempre alguém, algum partido político, algum carreirista da política disposto a aproveitar essa fragilidade inscrita nos nossos genes, essa incapacidade de não sermos capazes de estar à altura da história ancestral de Portugal. 

Todos os dias o governo em Portugal elege como  alvo preferencial das suas medidas, ditas de "ajustamento", o povo trabalhador e a classe média. Todos os dias há uma novidade que nos tira mais qualquer coisa, que nos faz regredir social e economicamente. Todos os dias sentimos que a injustiça é gritante por vermos a destruição de um estado que vimos construir e que construimos  mais justo ao longo dos anos depois de 25 de Abril de 1974. Educação, saúde e direitos no trabalho são apenas três dos mais relevantes sectores onde Portugal se tinha tornado muito mais equitativo e até, em muitos casos, exemplar na europa,  e contra os quais o governo em Portugal mais investe em destruição. A mando da Troica e por vontade própria, este governo  ultra liberal  acelera a sua sanha destruidora e procura fazer-nos regredir ao tempo do Estado Novo através de um veloz  empobrecimento das classes trabalhadoras e dos mais desfavorecidos bem como da delapidação do que resta do aparelho produtivo do país. As forças policiais voltaram a bater indiscriminada e despudoradamente e os ministros a apoiar a sua acção. Para a economia existem ideias "inovadoras e de fundo" como sejam a exportação de pastéis de nata ou a implementação de franchising do frango no churrasco... A  governação, de democrática,  já nem o formalismo  possui.  O governo engana, mente, destrói, governa às escondidas e toma decisões nas costas do povo, comporta-se como autêntico "sniper" a quem é difícil fugir; quando damos conta, estamos abatidos... O presidente da república, aprova, hipócrita e cinicamente este estilo de governação de vão de escada; ficará para a história, de certeza, como um dos piores presidentes da república portuguesa em democracia formal. 

Na década de 60 do século passado, os trabalhadores do alentejo, jornaleiros e assalariados explorados e agredidos, física e psicologicamente, pelos grandes latifundiários, com a cobertura,  não necessariamente tácita, do governo de então e das designadas "forças da ordem",  levantaram-se em luta pelo fim da cruel jornada laboral de sol a sol e pela fixação das oito horas de trabalho diário. Foram barbaramente perseguidos, espancados, torturados e alguns mortos pelas forças policiais ao serviço  de um governo que nunca teve legitimidade para o ser. Resistiram estoicamente, sózinhos, de forma razoavelmente pacífica, mas não passiva. Alcançaram os seus objectivos.  Pela primeira vez, na história dos últimos 50 anos, um governo em Portugal faz tábua rasa de uma conquista que resultou da força e do querer, da luta e do sacrifício de um povo  pelo direito e pela  justiça. Significativo e elucidativo ! Um exemplo para todos os portugueses, de todas as gerações, que deixa a convicção de que a apatia e o amorfismo jamais mudará seja o que for, tal como não impedirá que continuem a rir-se de quem tem lutado para fazer de Portugal um país mais justo e democrático, não apenas do ponto de vista formal.

Jacinto Lourenço

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Que Gente é esta, que governa Portugal....?!



Quando estava em campanha Pedro Passos Coelho criticou os sacrifícios exigidos aos portugueses. E disse, curiosamente no dia 1 de Abril de 2011: "eu já ouvi o primeiro-ministro dizer infelizmente que nós queríamos acabar com muitas coisas e também com o 13º mês mas nós nunca falámos disso e isso é um disparate".
A 17 de Outubro de 2011, depois de ter feito o que era "um disparate" antes dos portugueses irem a votos, o ministro das Finanças disse: "o corte no subsídio de férias e de natal é temporário e vigorará durante o período de vigência do programa de ajustamento económico e financeiro e o período de vigência desse programa acaba em 2013".
A 4 de Abril de 2012 o primeiro-ministro disse: "A partir de 2015 haverá reposição desses subsídios. Com que ritmo e velocidade não sabemos". Antes de assumir esta alteração de prazos vários membros do governo ainda tentaram convencer os portugueses que nunca se tinham comprometido com a reposição dos subsídios em 2014.
Foi agora anunciado que essa reposição será feita às pinguinhas. Ou seja, o corte que era um disparate antes das eleições foi feito depois das eleições. Com o compromisso de voltarem a ser pagos em 2014. Nem serão pagos, na realidade, em 2015.
O governo falhou duas vezes o compromisso com os portugueses. Antes de ter o voto, prometeu que não faria o que fez. Antes da aprovação do orçamento, comprometeu-se com uma data que não vai cumprir. Em nenhum dos casos assumiu as suas mentiras.
"Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?" A pergunta foi feita por Passos Coelho referindo-se a José Sócrates. Era justa na altura. É justa agora.


Daniel Oliveira in Expresso

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Celebrar a Páscoa é Afirmar a Vida

Os cristãos do primeiro século escandalizaram o mundo afirmando que Deus se fez carne, padeceu e morreu no corpo, e no corpo ressuscitou. O Credo Apostólico ecoou no mundo antigo e reverbera até hoje: Creio na ressurreição do corpo, o que acarreta uma absoluta revolução na vida desde aqui e para a eternidade. A respeito disso, Paulo Brabo comenta a obra de Alan F. Segal, Life After Death, que discorre sobre a geografia e a história da vida após a morte na cultura ocidental, e também a respeito da radical diferença entre o pensamento grego e o pensamento judaico-cristão.

Os gregos acreditavam que a essência do ser humano é a alma. O corpo é uma prisão, disse Platão. Acreditavam que o corpo era perecível e efêmero, diferente da alma, imperecível e eterna.
Mas a Bíblia Sagrada ensina diferente. Os primeiros cristãos sabiam que o corpo seria preservado para a vida eterna, pois não somente a alma, mas também o corpo é parte essencial do que somos.

Os gregos falavam da vida eterna em termos de imortalidade da alma; os judeus e os primeiros cristãos falavam da vida eterna em termos de ressurreição do corpo, comenta Paulo Brabo. O ser humano é indissociável do corpo. Não é correto dizer que temos um corpo, pois na verdade, somos um corpo. A morte física não é, portanto, a oportunidade de nos livrarmos da prisão do corpo, pois é na ressurreição que é redimido e encontra finalmente sua plenitude. Paulo, apóstolo, ensina que, na ressurreição do corpo, o que é mortal é revestido de imortalidade, e o que é corruptível é revestido de incorruptibilidade. A esperança cristã é claríssima: a morte não implica a reencarnação, nem tampouco a dissolução do corpo (e do espírito e da alma) no todo etéreo imaterial. A morte não é a última palavra, pois vivemos na esperança da ressurreição: Se esperamos em Cristo apenas nesta vida, somos os mais miseráveis dos homens, disse o apóstolo Paulo.

Não deve causar espanto, portanto, o fato de Jesus ter dado tanta importância ao corpo. Seus milagres se concentraram na restauração do corpo. Isso pode ser entendido de duas maneiras. Primeiro como denúncia profética da condição humana que resulta da rejeição a Deus. As curas de Jesus são de fato uma dramatização exterior da restauração da identidade humana. A sabedoria judaica diz que a idolatria é um caminho de desumanização: os ídolos têm boca, mas não falam; olhos, mas não vêem; pés, mas não andam. O poeta bíblico diz que todos os que adoram ídolos acabam se tornando iguais a eles, isto é, desumanizados, coisificados, sem vida. Paulo, apóstolo, diz que o que nos confere identidade humana é o sopro divino, e que, uma vez que trocamos a glória do Criador pela glória das criaturas – ídolos, perdemos nossa identidade humana. Quando Jesus cura um cego, um homem mudo, um aleijado ou um leproso, está não apenas mostrando o que nos tornamos, como também e principalmente mostrando o que podemos e devemos nos tornar quando redimidos e reconciliados com Deus.

As curas físicas operadas por Jesus apontam também para o fato de que a redenção é essencialmente o resgate da plena identidade humana, o que necessariamente implica a redenção também do corpo. Isso não significa, como entendiam os gregos, que, ao realizar curas físicas, Jesus se rebaixou aos cuidados do corpo. Muito ao contrário, ao curar o corpo Jesus aponta exatamente a elevação do corpo como imprescindível constituinte da verdadeira, ou integral, identidade do que se pode chamar humano.
Não é pouco, portanto, celebrar a Páscoa como festa da ressurreição. Os cristãos, em todos os tempos, afirmam algo singular: cremos que Deus se fez carne; cremos que padeceu, morreu e ressuscitou em carne; cremos na ressurreição do corpo.

Celebrar a Páscoa como ressurreição de Jesus é afirmar a vida em sua plenitude e o ser humano em sua totalidade. Celebrar a Páscoa como ressurreição é afirmar o corpo como sagrado. Celebrar a Páscoa como ressurreição é afirmar a esperança da vida eterna!




Fonte:  René Kivitz

terça-feira, 3 de abril de 2012

Visite os Museus do Mundo


Visitar um museu em Atenas, Paris ou noutra qualquer cidade pode ser agora uma tarefa ao alcance de um simples teclar, sem ser sequer necessário sair de casa. O Google Art Project torna isso já possível para quem não pode deslocar-se para aceder a grandes colecções de arte espalhadas um pouco por vários museus do mundo, ou mesmo para quem já esteve em algum museu e que gostaria de revisitar. O site da Google garante um grau elevado de qualidade e resolução ao visionamento das obras expostas chegando mesmo a impressionar pela pormenorização que se consegue alcançar como se estivéssemos realmente a escassos centímetros da obra que estamos a observar. Um importante projecto para todos os que gostam de arte mas também para quem deseja fazer uma abordagem diferente e inovadora a colecções em distantes e diferentes  museus. Também os museus portugueses estão representados, no caso concreto o Museu Berardo em Lisboa ( ainda não disponível ). 
Boas visitas virtuais.


Jacinto Lourenço

domingo, 1 de abril de 2012

SALMO XC



“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo”

Aquele que se levanta e pode mesmo apreciar
uma pequena nesga de sol discreto
no modo como entra no quarto
onde nada detém a sua língua de lume
Aquele que toca com as mãos na água fria
como se tocasse gota a gota
numa pérola
e depois em cada sombra de árvore
em cada caminho sente o verão
e habita num esconderijo
que tem no ar um perfume.

© João Tomaz Parreira
 13-3-2012