terça-feira, 17 de abril de 2012

Secularização e Fé


A pergunta era se sabia "o que se festejava na Páscoa" ?  As respostas obtidas na rua, aos passantes, por uma repórter ao serviço de um programa de entretenimento de um canal privado de televisão, eram, invariavelmente, de completo desconhecimento sobre o tema ou então absolutamente pleonásticas.

Não é novidade o desconhecimento genérico, nas grandes cidades, sobre temas de festividades  religiosas. O que foi novidade para mim foram as respostas que ouvi na tal curta reportagem de rua e que vinham de pessoas já com idades a roçar os quarenta e os cinquenta anos de idade, gente que, supostamente, ainda vem de um tempo em que se dava a doutrina católica  romana na instrução primária ou a religião e moral no ciclo preparatório. Era quase impossível escapar a estas disciplinas mesmo que a nossa confissão religiosa não fosse católica romana. Daí até à suposição de que não serve de nada obrigar as pessoas a frequentar uma religião ou ter aulas sobre doutrina religiosa, seja ela católica romana ou outra, vai  um pequeno passo. O apóstolo Pedro recomendava: "Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, não por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem por torpe ganância, mas de boa vontade".

Lembro um episódio com o meu filho Pedro, o mais novo, que tem agora 21 anos, e que foi literalmente  "escorraçado" da sala de uma determinada professora primária porque esta insistia na prática ( não obrigatória ao tempo ) de  ensinar a doutrina católica romana às crianças da sua sala, matéria que, como é bom de ver, não fazia parte do currículo escolar normal nessa altura. Ao tomar conhecimento fui falar com a dita professora explicando-lhe, muito educadamente, que não pretendia que o meu filho recebesse aulas de doutrina católica romana uma vez que essa não era a nossa confissão religiosa e, para além do mais, a criança já frequentava a Escola Dominical na igreja evangélica onde toda a nossa família se congregava. Quanto a manter o meu filho na sua sala,  uma vez que ele não deveria receber a doutrina católica romana, a resposta da senhora foi de completa e estúpida inflexibilidade, como de quem fosse dona e arauto da "verdadeira e boa religião" e ainda por cima ciente de ter os poderes civis formais e informais, latentes na sociedade, do seu lado. O Pedro, então com seis anos de idade, saiu em definitivo da sala daquela professora,  para outra, que não fazia questão de qualquer prática religiosa obrigatória na sua turma,  não sem que antes de consumada a transferência, por uma ou duas vezes, a anterior professora o  tivesse ainda retirado da aula, muito "pedagogicamente", ( e acredito que maldosamente ) no momento em que lecionava a doutrina católica, e o tivesse colocado ao cuidado de uma auxiliar, fora do convívio dos colegas. Dizia-se que a senhora era uma boa técnica, enquanto professora; em minha opinião, ser professor/a vai  muito para além da técnica...  Poderíamos ter apresentado queixa ao ministério da educação ou às entidades competentes, não o fizémos visando não prejudicar  a criança e porque também não pretendíamos prejudicar a professora, que vivia ainda num registo antigo, em que o professor primário, o padre, o regedor ou o cabo da guarda eram as autoridades nas povoações mais pequenas, embora já tivessem passado dezasseis anos após a Revolução de Abril. O problema fora resolvido a nosso contento, dentro da mesma escola. Claro que sublinhámos bem a nossa posição e indignação pelo facto ocorrido, à directora da escola, que, por acaso, era a mesma senhora professora em causa...


Esta ocorrência é singularmente demonstrativa de que a simples  tentativa de impôr uma qualquer doutrina religiosa, pode ter, e tem quase sempre, resultados contrários ao esperado.  À medida que as pessoas vão amadurecendo as suas convicções, vão também rejeitando o que lhe quiseram inculcar à força.

Fala-se hoje de secularização da sociedade e da descida estatística do número de católicos e da subida do número de protestantes em Portugal. Aduzem-se várias explicações para o facto, algumas válidas e outras nem por isso. Não tenho dúvidas de que Portugal continua a estar sobre uma forte influência cultural de cariz católica romana e de que isso se estende até ao exercício do poder e à forma manifestamente tendenciosa como este olha para as diferentes confissões religiosas versus a católica romana e como, face a essa visão distorcida, beneficia esta última, em vários aspectos, de forma escandalosa, especialmente num suposto regime formal  de separação da igreja e do estado. Estivessem os protestantes em pé de igualdade com o catolicismo romano, na ausência de preferências do poder político por uma confissão,   e os números agora publicados pelos media seriam ainda menos favoráveis para a igreja católica. Julgo que, muito mais do que a secularização da sociedade, sublinha-se a rejeição de uma confissão religiosa que durante as últimas décadas e no correr dos séculos se pretendeu impôr mais do que se propôr ao povo. Por mim, continuo a pensar que a liberdade de escolha e opção deve presidir na forma como nos relacionamos e organizamos, mas penso também que, se a igreja católica romana tem algo de que se queixar em Portugal e na europa, é apenas de si própria e da forma como pretende transmitir  uma doutrina que sobrepõe um poder religioso ao próprio poder de escolha individual do ser humano em matéria de fé e de como continua a omitir importantes e significativas verdades bíblicas na prática religiosa .

Não admira pois que o secularismo avance  ao mesmo tempo  que muitos milhares de pessoas compreendem, finalmente, que uma religião, seja ela mais ou menos anquilosada,  não salva ninguém; só Cristo tem uma resposta para a humanidade e para cada ser em particular, sendo nessa relação particular com Ele que temos acesso ao Amor de Deus e à compreensão da fé. E isto não se decora mentalmente, não se recita à exaustão; experimenta-se, sente-se, vive-se.




Jacinto Lourenço