quarta-feira, 11 de abril de 2012

O Melhor de Portugal é o Seu Povo...


O melhor que Portugal tem é o seu povo. O pior que o Portugal de hoje  tem é a apatia e o amorfismo quando confrontado com a realidade e a necessidade de mudança e reacção face ao que o atinge. 

Há coisas significativas na análise básica do perfil das gerações que numa determinada baliza temporal enforma a identidade de um povo e a sua idiossincrasia. O povo que somos hoje, não tem a mesma marca identitária do povo que fomos ontem. As gerações cruzam-se, sucedem-se, interligam-se nos antípodas das suas vivências. São influenciadas por factores diversos, endógenos ou exógenos e, mais do que as semelhanças,  sublinham-lhe  as diferenças. Olhar para as gerações que conviveram há cem anos atrás neste pedaço geográfico do extremo ocidental da europa, a que chamamos Portugal, e pretender compará-las com as gerações actuais só poderá redundar em erro grosseiro se não se salvaguardarem todos os consequentes distanciamentos.

Olhando para a história de Portugal, é fácil confirmar que as gerações contemporâneas se tornaram acomodadas e indolentes  face ao seu presente e mais ainda face ao seu futuro, que é também o de Portugal.

Somos herdeiros recentes de uma ditadura fascista que durou quase 50 anos e que marcou significativamente a nossa memória colectiva desde 1926. O Estado Novo decidia o que as pessoas podiam ou não fazer, onde podiam ou não estar e que futuro podia ser o de cada um certo e seguro de que isso  seria sempre diferente e determinante em função do local de nascimento e das condições sócio-económicas  em que cada família se movesse. Isto é: se alguém nascia em Trás-os-montes ou no alentejo profundo, o mais provável é que vivesse agarrado à terra e à agricultura pelo resto dos seus dias, e mesmo que se pretendesse mudar de vida, melhorar, sair do círculo vicioso da pobreza e sub-desenvolvimento sócio-económico, o estado tudo fazia para impedir que isso acontecesse implementando políticas migratórias restritivas querendo com isso mostrar e sublinhar o lugar que estava destinado a cada ser nascido português. Nas cidades, a dificuldade de acesso das classes pobres à educação não permitia facilmente a saída da  trama social  que o estado e as classes ricas iam  tecendo no sentido de dificultar a mobilidade ascensional dos mais desfavorecidos. Para as classes pobres, fazer a 4ª classe da instrução primária já era uma conquista, fosse na cidade ou no campo, e isso só mudou um pouco com o tímido desenvolvimento industrial das décadas de 1950/60 e com o aparecimento das escolas industriais e comercias para onde eram canalizados os filhos das classes operárias e rurais que podiam suportar o sacrifício de manter um filho a estudar até mais tarde. Universidade era coisa para gente rica e privilegiada ou que gravitava as esferas do poder nas suas diversas vertentes.

E foi assim até à madrugada de 25 de Abril de 1974.  A revolução não foi feita pelo povo, pese embora este  tivesse todas as razões para a fazer, mas pelos militares que estavam cansados de uma guerra colonial sem solução possível que não fosse a da auto-determinação dos territórios africanos ocupados. O povo apoiou e saiu à rua a festejar o fim da ditadura. Desde então muita coisa mudou, mas não a vontade manifesta de um povo, acomodado, em  dizer basta à situação em que tem vindo  a ser colocado pelas políticas partidárias e por um conjunto de políticos profissionais que nada mais fazem do que aplicar as medidas que o capitalismo parasitário lhe pede. E estas, como é bom de ver, recaem basicamente sobre as classes médias inferiores e os trabalhadores em geral. O que verificamos é que o povo vota e elege e, quando vota e elege, estabelece como que um pacto com os partidos políticos no sentido de estes aplicarem as medidas que prometeram ou, inversamente, de não aplicarem medidas lesivas dos interesses da nação. Facto é que assim que se instalam no poder, as políticas e os políticos vão em sentido oposto ao do pacto celebrado com o povo que neles votou. Ou seja, passam a governar em nome de outros interesses que não os de Portugal e dos portugueses. O que vimos é que o governo actual está apenas apostado em agradar aos banqueiros alemães e aos fundos disto e daquilo; os portugueses deixaram de contar e pouco importa se lhes agrada ou não o que a governação faz. Gaspar, Relvas e Passos, só têm olhos para os mercados... O povo português é apenas um acessório aborrecido no meio deste processo de submissão ao capitalismo selvagem. O governo rasgou o pacto eleitoral, o tribunal constitucional  "perdeu" o original da constituição e já não verifica nem se preocupa em salvaguardar os direitos e deveres nela consagrados.  Perante esta ilegalidade governativa e constitucional não tem o povo o direito de dizer basta, de se indignar, de fazer uma revolução ética e moral, de chamar  à responsabilidade efectiva quem já perdeu o direito legal e moral de o governar !!?                                                                                                                                          


A história de Portugal tem poucos registos que assinalem momentos em que o povo tenha decidido conduzir o seu próprio destino. Normalmente entregou essa responsabilidade a supostos "representantes"  que na primeira oportunidade traem todas as expectativas que criaram de uma governação virada para os verdadeiros interesses da nação. Andamos à trinta e tal anos neste círculo vicioso de, literalmente,  "entregar o ouro ao bandido", esperando sempre que alguém venha, providencialmente, qual D. Sebastião, resolver os nossos problemas. Depois, bem, depois lá estaremos para bater palmas ao cortejo da nobreza... Somos portugueses dum tempo geracional  incapaz de enfrentar os seus próprios medos e desafios. E há sempre alguém, algum partido político, algum carreirista da política disposto a aproveitar essa fragilidade inscrita nos nossos genes, essa incapacidade de não sermos capazes de estar à altura da história ancestral de Portugal. 

Todos os dias o governo em Portugal elege como  alvo preferencial das suas medidas, ditas de "ajustamento", o povo trabalhador e a classe média. Todos os dias há uma novidade que nos tira mais qualquer coisa, que nos faz regredir social e economicamente. Todos os dias sentimos que a injustiça é gritante por vermos a destruição de um estado que vimos construir e que construimos  mais justo ao longo dos anos depois de 25 de Abril de 1974. Educação, saúde e direitos no trabalho são apenas três dos mais relevantes sectores onde Portugal se tinha tornado muito mais equitativo e até, em muitos casos, exemplar na europa,  e contra os quais o governo em Portugal mais investe em destruição. A mando da Troica e por vontade própria, este governo  ultra liberal  acelera a sua sanha destruidora e procura fazer-nos regredir ao tempo do Estado Novo através de um veloz  empobrecimento das classes trabalhadoras e dos mais desfavorecidos bem como da delapidação do que resta do aparelho produtivo do país. As forças policiais voltaram a bater indiscriminada e despudoradamente e os ministros a apoiar a sua acção. Para a economia existem ideias "inovadoras e de fundo" como sejam a exportação de pastéis de nata ou a implementação de franchising do frango no churrasco... A  governação, de democrática,  já nem o formalismo  possui.  O governo engana, mente, destrói, governa às escondidas e toma decisões nas costas do povo, comporta-se como autêntico "sniper" a quem é difícil fugir; quando damos conta, estamos abatidos... O presidente da república, aprova, hipócrita e cinicamente este estilo de governação de vão de escada; ficará para a história, de certeza, como um dos piores presidentes da república portuguesa em democracia formal. 

Na década de 60 do século passado, os trabalhadores do alentejo, jornaleiros e assalariados explorados e agredidos, física e psicologicamente, pelos grandes latifundiários, com a cobertura,  não necessariamente tácita, do governo de então e das designadas "forças da ordem",  levantaram-se em luta pelo fim da cruel jornada laboral de sol a sol e pela fixação das oito horas de trabalho diário. Foram barbaramente perseguidos, espancados, torturados e alguns mortos pelas forças policiais ao serviço  de um governo que nunca teve legitimidade para o ser. Resistiram estoicamente, sózinhos, de forma razoavelmente pacífica, mas não passiva. Alcançaram os seus objectivos.  Pela primeira vez, na história dos últimos 50 anos, um governo em Portugal faz tábua rasa de uma conquista que resultou da força e do querer, da luta e do sacrifício de um povo  pelo direito e pela  justiça. Significativo e elucidativo ! Um exemplo para todos os portugueses, de todas as gerações, que deixa a convicção de que a apatia e o amorfismo jamais mudará seja o que for, tal como não impedirá que continuem a rir-se de quem tem lutado para fazer de Portugal um país mais justo e democrático, não apenas do ponto de vista formal.

Jacinto Lourenço