sexta-feira, 28 de setembro de 2012

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nós e os Outros ou a Reinvenção da Democracia


Pareceu sempre mais do que evidente que a democracia, sendo o melhor dos maus sistemas políticos, carece porventura ser mais bem explicada aos políticos que, em nome dela, assumem  que podem fazer tudo aquilo que lhes der na real gana mesmo que para isso não estejam mandatados,  e muito menos autorizados pelo voto popular que os sufraga.

Ora o que acontece na europa, em quase todos os países em que a democracia, pelo menos formalmente, está instalada,  é que os políticos, através dos partidos, se apresentam com os seus programas, as suas promessas e os seus projectos. Nós, o povo, vemos, ouvimos e lemos e, mesmo que fossemos apenas medianamente inteligentes perceberíamos que tudo o que qualquer político diz em campanha eleitoral  vale tanto como a cara dele, que o mesmo é dizer, vale tanto como a pouca  vergonha e falta de honradez que  deixa transparecer na cara. 
Já vivi em Portugal  um bom par de anos enquadrado sob este regime que se diz "democrático".  Se me perguntam: quantas vezes um político, após eleito,  se compromete em cumprir e executar estritamente o programa com que se apresentou aos seus eleitores, eu respondo: nenhuma vez! Pois bem, daqui decorre que nós, o povo, padecemos do terrível defeito de gostarmos de ser enganados sempre que um político se arma em cigarra ( parece ser um bicharoco que está agora na moda...) e debita a sua cantilena aos nossos ouvidos. Como a cigarra, os políticos já nem precisam de se preocupar em alterar a nota musical do seu canto. Como a cigarra no verão, a melopeia política é monocórdica e arrastada. Cansa  por tão pouca imaginação, mas sabem os políticos que também não precisam ser muito imaginativos para captarem a atenção do povo. Como a cigarra, o político aborrece e chateia, porque, como a cigarra, tem a mania de que todos têm que ouvir o que ele tem para dizer. Como com a cigarra, é difícil fugir ao ruído político. Porém, meia dúzia de promessas em dose q.b., um programa suficientemente generalista, longo e fastidioso e a oferta de umas esferográficas e pronto, lá estão as massas a elegerem quem mais tarde as há-de meter no bolso como se de trocos se tratassem. No fim das contas parece que estamos mais para o medianamente estúpidos do que para o medianamente inteligentes na nossa relação com esta  "democracia" sequestrada por  grupos de baby-jotas que sucederam a barões e senadores que preferem ficar na sombra dos jotinhas a manipular o boneco sem quererem aparecer. 

Ou seja, aquilo que quero dizer é que as promessas e os programas políticos são como quem os canta: não valem nada para os eleitores. Tal como a canção das cigarras, que é sempre igual e aborrecida, só servem para atrair quem ainda anda à procura de paixões tardias de verão.  Posto isto só uma saída parece possível: urge reinventar a democracia. É preciso, para que haja democracia, que os políticos e os partidos sejam moral e materialmente responsabilizados por aquilo com que se comprometem perante o povo no momento em que se apresentam a eleições. Estamos fartos de cigarras que nos debitam sempre a mesma canção.  É necessário que o contrato social a que se vinculam perante  os seus eleitores seja o mesmo que têm que cumprir após eleitos e no exercício do poder, caso contrário a democracia será sempre uma cantiga de embalar. Não podem  os políticos virem dizer que, afinal, as condições do país não permitem executar o que prometeram devido à situação existente que encontraram. Afinal os políticos se querem ir para o poder, antes de lá chegarem, devem analisar, de todos os pontos de vista a realidade em que se vão meter. As subvenções que o estado dá aos partidos  servem para isso também; para que o trabalho político e técnico seja feito por forma a acompanharem, in loco, a realidade do país.  Dizer posteriormente, para justificar tudo e o seu contrário, que as coisas estavam piores do que imaginavam, que a responsabilidade é sempre dos governos anteriores, etc, só serve para atestar da sua incompetência e incapacidade para ocuparem cargos no governo da nação, para além do dinheiro que desperdiçaram ao estado antes de lá chegarem. Creio que a classe  política têm que ser urgentemente responsabilizada por um contrato social que, no fundo, estabelece com o povo mesmo antes de chegar ao governo, caso contrário o regabofe irá continuar. Imagino que um dia teremos que evoluir obrigatoriamente nesse sentido sob pena de a democracia não ser mais do que uma marionete pronta a ser utilizada por qualquer artista do circo político-partidário que acha que pode fazer o que quer sem nunca ser responsabilizado por isso. Um dia, que espero próximo, a democracia terá que ser reinventada para que deixe de haver esta dicotomia entre nós, o povo, e os outros, os que enganam e vigarizam o povo.

Jacinto Lourenço 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Tristeza do Coelho


O arquipélago da Berlenga fica mais ou menos a 16 quilómetros a oeste de Peniche. Fui lá três vezes, à Berlenga Grande, levado pelo desafio da pesca desportiva. Confesso que em qualquer das deslocações feitas nunca fui muito feliz em termos de capturas. Valeram pelo passeio, pela contemplação da beleza bruta e pelo convívio. A fauna na ilha resume-se basicamente a duas espécies: gaivotas e coelhos. As gaivotas percebo como lá vão parar, já quanto aos coelhos precisava investigar para entender como foram introduzidos, facto que, para este pequeno texto, não iria  representar qualquer valor acrescentado. 

Os coelhos bravos, como sabemos, podem representar uma praga quando crescem sem qualquer controlo. Eles só fazem aquilo que têm que fazer: reproduzem-se, e muito, e devoram a flora existente. Ora, na Berlenga grande, os coelhos são mais que as mães e são tantos que é impossível não dar por eles quando passeamos pela ilha. Talvez por isso, quando morrem, de doença ou velhice, os seus esqueletos ficam espalhados um pouco por todo o lado.

Como em tudo, a vida faz-se por ciclos e isso é válido até para os coelhos, mesmo se dominam numa pequena ilha, como a Berlenga grande ou num pequeno país como Portugal. O ciclo do coelho não é muito estendido no tempo. Mas sendo momentaneamente dono exclusivo do prado pode prolongar um pouco mais esse ciclo, mas há-de haver um dia em o que o coelho  já não terá mais forças para saltitar e irá cair junto aos seus locais habituais de pasto. Antes de se encerrar sobre si próprio, lança um último olhar sobre as rochas e pedras por onde passeava, olha o horizonte e o mar à volta e só então descobre que, ao contrário do que pensava, não era livre, estava confinado a uma ilha onde só havia coelhos iguais a ele, sem controlo, e gaivotas oportunistas. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Devem Pensar que Somos Todos Estúpidos...


Depois das manifestações de sábado passado em todo o país ( as maiores desde o 25 de Abril de 1974 ), sucederam-se as opiniões, por parte de gente dos partidos do governo, particularmente do maior partido que o integra, tentando explicar a insatisfação e revolta dos portugueses, ruidosa e numerosamente manifestada nas ruas, com um problema de deficiente comunicação, por parte do governo, das medidas de austeridade anunciadas, ou ainda pelo facto de as medidas não estarem a ser  "moduladas" ou "balanceadas". A questão que se coloca, no fundamental, é a seguinte: será que estes doutos panegiristas ao serviço do desgovernação de Passos acham que nós, o povo, somos todos estúpidos ou irracionais ? Se não acham então é o que realmente parece. 

Eu gostava de dizer a esses senhores, aos do governo e aos panegiristas que fazem coro para branquear a sua governação criminosa, que nós, o povo, não somos estúpidos nem irracionais; nós percebemos muito bem o que nos estão a fazer e o que estão a fazer ao país. Não há nenhuma confusão no nosso espírito nem nenhuma dúvida sobre aquilo que se passa. E, já agora, deixem-me que vos diga que o problema não é só com a TSU, é com tudo, e especialmente com vocês, os que governam e os que glorificam os que governam, por causa do que estão a fazer em Portugal. Vão-se embora, desapareçam, não provoquem mais desgraça e miséria. As empresas, os empresários, as pessoas responsáveis, os trabalhadores do privado e do público, os reformados, as crianças, os jovens, os velhos, ninguém vos quer mais à frente dos destinos do país. Nós percebemos muito bem o que estão a fazer. Pelos vistos, se há alguém que não percebe o que tem que fazer são vocês, os que acham que foi para isto que os vossos votantes vos mandataram. Podem ficar descansados, o governo comunica muito bem, tão bem que o povo já percebeu há muito o que é que tem que fazer convosco: correr-vos à vassourada, para poupar no verbo.
Lembro-me que após o 25 de Abril de 1974, o povo, livre ainda desta tirania partidária, veio para a rua manifestar-se por um futuro que pretendia melhor após 48 anos de ditadura de um regime corporativista e de influência fascista. A diferença para as manifestações de sábado passado são mais  no número do que na substância: o povo continua disposto a lutar por um futuro digno para todas as gerações presentes e futuras e não há-de ser um governo ultra-liberal e correia de transmissão dos grandes interesses económicos, que o há-de vergar. Foi isso que foi dito nas ruas. Os espertos do costume, fingem que não entenderam a mensagem, e querem tomar-nos por parvos mais uma vez. Veremos.

Jacinto Lourenço

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Carta do Professor Eugénio Lisboa ao Primeiro Ministro de Portugal




Exmo. Senhor Primeiro Ministro

Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.
Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.
A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.
Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se contempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças  - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes  termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.

De V. Exa., atentamente,

terça-feira, 11 de setembro de 2012

A Doutrina de Choque



...O PM fala do "sofrimento" e da angústia" das famílias, mas os reformados e pensionistas continuam privados de dois meses de vencimento, como destacou André Macedo. E, pasme--se, os trabalhadores com salário mínimo perderão 34 euros mensalmente na "revolução fiscal" que transformará a contribuição dos assalariados para a Segurança Social num verdadeiro imposto (como sublinhou Bagão Félix). Mas o pico da indigência moral deste discurso é a passagem em que o PM, referindo-se aos funcionários públicos, afirma que: "O subsídio reposto será distribuído pelos doze meses de salário para acudir mais rapidamente às necessidades de gestão do orçamento familiar." Que subsídio reposto? Se o corte do segundo subsídio é mantido, e o corte do primeiro é substituído pelo novo imposto para a Segurança Social (aliás, por excesso, pois os 7% são aplicados à massa bruta do salário, como destaca Pedro S. Guerreiro), o PM, sem corar de vergonha, redistribui mensalmente pelas famílias referidas, uma grandeza negativa! Em 2007, Naomi Klein lançou o seu profético ensaio "A Doutrina de Choque", onde mostra como nos últimos trinta anos se tem construído no mundo inteiro, à custa de situações de emergência, um verdadeiro "capitalismo de desastre", onde os abismos de classe aumentam exponencialmente. Portugal, com a emergência da troika, juntou-se ao clube dos países onde o Governo se transformou na principal fonte de subversão política e de instabilidade social.

Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias Online

terça-feira, 4 de setembro de 2012

As Fragilidades da Democracia Política


Andava hoje a "passear-me" pelo citador, que tem o condão de nos lembrar coisas interessantes e outras pouco menos que desprezíveis, quando dou de caras com o pequeno excerto (reproduzido abaixo) de um livro de  Aldous Huxlei. Imagino que levado à letra e fora do contexto de toda a temática do livro, que não faz ainda parte do meu portfólio de leituras  mas que movido agora pela curiosidade vou procurar ler, este texto,  pode, aparentemente, validar a opinião de alguns espertos do nosso pequeno microcosmos  político de que o melhor para Portugal seria suspender a democracia por algum tempo até que as coisas entrassem nos eixos ( nos eixos deles, claro...). Ora Portugal, se descontarmos a breve e tragicómica experiência da primeira república, nunca soube verdadeiramente o que é viver em democracia até Abril de 1974. Por mais imperfeito e incapaz que se mostre este sistema político, é o único descoberto até hoje pelos homens capaz de nos conceder, pelo menos, a liberdade de pensar em voz alta aquilo que nos vai na alma. Claro que Aldous Huxlei não deixa de ter razão nalguns aspectos menos conseguidos pela democracia que são aproveitados pelos políticos que esgravatam na fissura da indolência dos povos governados  que, em muitos casos, parecem entrar em negação aceitando placidamente todos os jugos que lhes querem impor mascarados pela necessidade de ultrapassar tormentosas dificuldades fabricadas pelos que repartem o bolo das benesses democráticas. Para os povos, é certo, restará sempre e só a fava. E essa será sempre a deformação de um sistema político humano, qualquer que seja,  que, à imagem do homem imperfeito e carregado de contradições, nunca poderá aspirar à perfeição estando condenado a  contentar-se sempre com o menos mau, que roça muitas vezes o odioso, que, por exemplo, a democracia   política tenha para lhe oferecer. 


Jacinto Lourenço

A Democracia Política Conduz à Ineficiência e Fraqueza de Direcção
Os defeitos da democracia política como sistema de governo são tão óbvios, e têm sido tantas vezes catalogados, que não preciso mais do que resumi-los aqui. A democracia política foi criticada porque conduz à ineficiência e fraqueza de direcção, porque permite aos homens menos desejáveis obter o poder, porque fomenta a corrupção. A ineficiência e fraqueza da democracia política tornam-se mais aparentes nos momentos de crise, quando é preciso tomar e cumprir decisões rapidamente. Averiguar e registar os desejos de muitos milhões de eleitores em poucas horas é uma impossibilidade física. Segue-se, portanto, que, numa crise, uma de duas coisas tem de acontecer: ou os governantes decidem apresentar o facto consumado da sua decisão aos eleitores - em cujo caso todo o princípio da democracia política terá sido tratado com o desprezo que em circunstâncias críticas ela merece; ou então o povo é consultado e perde-se tempo, frequentemente, com consequências fatais. Durante a guerra todos os beligerantes adoptaram o primeiro caminho. A democracia política foi em toda a parte temporariamente abolida. Um sistema de governo que necessita de ser abolido todas as vezes que surge um perigo, dificilmente se pode descrever como um sistema perfeito. 

Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A Inquestionável Sesta Alentejana


Tem sido assim nos últimos dois anos. As minhas "férias" têm servido essencialmente para dar um jeito na casa do Alentejo, ou melhor, no espaço exterior adjacente à casa. "A necessidade aguça o engenho", diz o adágio. Ora tem sido a necessidade de fazer óbvias economias que me conduziram para os domínios do "faça você mesmo" e tentar assim ordenar o tal espaço exterior que estava anteriormente mais vocacionado para "zona agrícola". Não sendo eu, declaradamente, pessoa ligada ao cultivo da terra nem tendo nesse domínio possibilidade nem conhecimentos para  acompanhar os seus ritmos, a opção entre deixar à natureza selvagem um espaço para que esta desenvolvesse a  flora herbácea como entendesse e a de embelezar, sustentadamente, o local, parecia-me não oferecer dúvidas. Deitei, desde há dois anos, mãos à obra. Acho que não me tenho saído mal quando comparo o trabalho executado com o de outros ditos profissionais lá da terra: o meu está melhor. Ganhei-lhe o gosto e este ano continuei. O pior é que as férias anuais se mudaram do puro lazer e hedonismo para elevadas doses de cansaço do corpo e desgaste físico. Claro que há sempre compensações: os duches no pátio fora de casa, ao ar livre,  com a água tépida aquecida pela terra a sair pela torneira, nostalgicamente  com os calções de banho vestidos como se estivesse a sair da areia, para não perder a prática... O largo chapéu de sol na esplanada construída com as próprias mãos a fazer sombra a uma bebida fresca, mais do que merecida, diga-se; o velho churrasco feito numa churrasqueira que eu próprio erigi, e tudo isto como preâmbulo para os longos almoços e convívio com a família de passagem pelo veraneio ou residente. A culminar, a bela, salutar, inquestionável e elementar sesta alentejana naquele período em que o inclemente sol do Alentejo não permite veleidades aos humanos. A noite, após o jantar, é normalmente de passeio pelas mesma ruas já antes percorridas, com velhas curiosas  sentadas nas soleiras das portas  a perscrutar nos mapas das  fisionomias dos passantes os traços que lhes identifiquem as origens. A brisa nocturna  tanto pode ser abafada como fresca, dependendo dos humores do tempo. As estrelas, essas brilham como em nenhum outro lugar do mundo. Volto ao meu jardim, observo a incursão da novel  fauna que aproveita a fresquidão induzida pela rega que mantém o agradável relvado. Olho para uma pequena osga que arma emboscadas aos insectos atraídos pela brancura das paredes que exalam ainda o calor do dia; ouço os guinchos dos morcegos a circundarem, a grande velocidade, quais fórmula 1 dos ares, os candeeiros da rua, exercitando a sua habitual caça insectívora . Por esta mesma altura do ano talvez  me sentisse menos  exausto, fisicamente, sentado numa qualquer explanada junto à praia, apinhada de gente a falar alto e a lutar por um café junto do empregado,  seguramente já pouco disponível depois de dez ou doze horas a aturar clientes, mas não estaria mais feliz e realizado do que ali, na quietude  do Alentejo profundo, a doze quilómetros do local mais próximo onde poder comprar um jornal que nos diga o mesmo de sempre: que a crise continua e a vida também, com as dificuldades de sempre, agravadas pelo desgoverno daqueles que supostamente nos deviam governar. Saudades, longe da minha praia habitual, ficam-me, entre outras, as do impagável e não cambiável Romero, em Ayamonte, paragem sempre obrigatória e não dispensável para quem não desdenha momentos de convívio, descontracção e alegria retirada do contacto humano desprovido de regras de etiqueta desnecessárias. Talvez lá volte um ano destes mais próximos  quando as folgas no meu jardim me permitirem.

Jacinto Lourenço