terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nós e os Outros ou a Reinvenção da Democracia


Pareceu sempre mais do que evidente que a democracia, sendo o melhor dos maus sistemas políticos, carece porventura ser mais bem explicada aos políticos que, em nome dela, assumem  que podem fazer tudo aquilo que lhes der na real gana mesmo que para isso não estejam mandatados,  e muito menos autorizados pelo voto popular que os sufraga.

Ora o que acontece na europa, em quase todos os países em que a democracia, pelo menos formalmente, está instalada,  é que os políticos, através dos partidos, se apresentam com os seus programas, as suas promessas e os seus projectos. Nós, o povo, vemos, ouvimos e lemos e, mesmo que fossemos apenas medianamente inteligentes perceberíamos que tudo o que qualquer político diz em campanha eleitoral  vale tanto como a cara dele, que o mesmo é dizer, vale tanto como a pouca  vergonha e falta de honradez que  deixa transparecer na cara. 
Já vivi em Portugal  um bom par de anos enquadrado sob este regime que se diz "democrático".  Se me perguntam: quantas vezes um político, após eleito,  se compromete em cumprir e executar estritamente o programa com que se apresentou aos seus eleitores, eu respondo: nenhuma vez! Pois bem, daqui decorre que nós, o povo, padecemos do terrível defeito de gostarmos de ser enganados sempre que um político se arma em cigarra ( parece ser um bicharoco que está agora na moda...) e debita a sua cantilena aos nossos ouvidos. Como a cigarra, os políticos já nem precisam de se preocupar em alterar a nota musical do seu canto. Como a cigarra no verão, a melopeia política é monocórdica e arrastada. Cansa  por tão pouca imaginação, mas sabem os políticos que também não precisam ser muito imaginativos para captarem a atenção do povo. Como a cigarra, o político aborrece e chateia, porque, como a cigarra, tem a mania de que todos têm que ouvir o que ele tem para dizer. Como com a cigarra, é difícil fugir ao ruído político. Porém, meia dúzia de promessas em dose q.b., um programa suficientemente generalista, longo e fastidioso e a oferta de umas esferográficas e pronto, lá estão as massas a elegerem quem mais tarde as há-de meter no bolso como se de trocos se tratassem. No fim das contas parece que estamos mais para o medianamente estúpidos do que para o medianamente inteligentes na nossa relação com esta  "democracia" sequestrada por  grupos de baby-jotas que sucederam a barões e senadores que preferem ficar na sombra dos jotinhas a manipular o boneco sem quererem aparecer. 

Ou seja, aquilo que quero dizer é que as promessas e os programas políticos são como quem os canta: não valem nada para os eleitores. Tal como a canção das cigarras, que é sempre igual e aborrecida, só servem para atrair quem ainda anda à procura de paixões tardias de verão.  Posto isto só uma saída parece possível: urge reinventar a democracia. É preciso, para que haja democracia, que os políticos e os partidos sejam moral e materialmente responsabilizados por aquilo com que se comprometem perante o povo no momento em que se apresentam a eleições. Estamos fartos de cigarras que nos debitam sempre a mesma canção.  É necessário que o contrato social a que se vinculam perante  os seus eleitores seja o mesmo que têm que cumprir após eleitos e no exercício do poder, caso contrário a democracia será sempre uma cantiga de embalar. Não podem  os políticos virem dizer que, afinal, as condições do país não permitem executar o que prometeram devido à situação existente que encontraram. Afinal os políticos se querem ir para o poder, antes de lá chegarem, devem analisar, de todos os pontos de vista a realidade em que se vão meter. As subvenções que o estado dá aos partidos  servem para isso também; para que o trabalho político e técnico seja feito por forma a acompanharem, in loco, a realidade do país.  Dizer posteriormente, para justificar tudo e o seu contrário, que as coisas estavam piores do que imaginavam, que a responsabilidade é sempre dos governos anteriores, etc, só serve para atestar da sua incompetência e incapacidade para ocuparem cargos no governo da nação, para além do dinheiro que desperdiçaram ao estado antes de lá chegarem. Creio que a classe  política têm que ser urgentemente responsabilizada por um contrato social que, no fundo, estabelece com o povo mesmo antes de chegar ao governo, caso contrário o regabofe irá continuar. Imagino que um dia teremos que evoluir obrigatoriamente nesse sentido sob pena de a democracia não ser mais do que uma marionete pronta a ser utilizada por qualquer artista do circo político-partidário que acha que pode fazer o que quer sem nunca ser responsabilizado por isso. Um dia, que espero próximo, a democracia terá que ser reinventada para que deixe de haver esta dicotomia entre nós, o povo, e os outros, os que enganam e vigarizam o povo.

Jacinto Lourenço